Onde reside o limite da minha tolerância? Faço essa pergunta com o perfil de um compositor aberto no Spotify, observando a lista das suas músicas, recordando como foram importantes aquelas faixas em momentos diferentes da minha existência, sem saber ainda se suas posições políticas e os acontecimentos da sua vida pessoal interferem tanto nas minhas convicções que não posso clicar no play e ouvir suas canções indiscriminadamente, com quase nenhum peso na consciência. Será que devo fazer como minha mãe que, no melhor estilo Flávio Cavalcanti, destruiu um LP de Lindomar Castilho e atirou os pedaços no lixo em algum ponto traumático da minha infância na casa alugada da Avenida João Soldado. E a mera inocência não me exime de culpa? Jamais ter identificado em sua obra os elementos que o desabonam agora não me absolve no tribunal do Feicebuque? Se eu compartilhar no Instagram o que estou escutando serei cancelado por não cancelar? Alguém menos íntimo aparecerá na DM para me dar uma lição que não pedi exigindo empatia e solidariedade? Serei acusado de “corporativista”, “passador de pano” e “isentão”? Poderei não misturar a arte com o artista e conviver naturalmente com essa justificativa? Acabei de ler um conto em que o autor conclui dizendo que tudo não passava de um sonho, o que me deixou bastante irritado. O texto não estava nem tão bom, mas queria saber qual recurso criativo ele utilizaria para resolver todas as questões propostas ou se deixaria para o leitor a responsabilidade. Filho da puta, esse certamente não lerei mais, independentemente do que ele fizer na vida pessoal. Pior que isso apenas uma postagem com muitas perguntas, nenhuma resposta e uma mudança brusca de rumo.
quarta-feira, 8 de março de 2023
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
"SÓ QUE ESTE ANO O VERÃO ACABOU CEDO DEMAIS"
Três grandes amigos morreram em momentos diferentes e em circunstancias diferentes, havendo em comum apenas uma espécie de enfado, um cansaço por levar a vida e não o contrário como apregoa animadamente o cancioneiro popular. Frequentemente sonho com eles (se eu fosse religioso faria uma oração ou encontraria algum tipo de significado místico), talvez seja somente saudade ou o meu subconsciente fazendo questão de avisar que a morte nunca esteve tão perto de mim. Sei que depois de morto todo mundo é sua melhor versão. Nas rodas de conversas são exaltadas somente suas qualidades, seu altruísmo, a mão amiga que ajudou quando você mais precisava. São contadas as histórias mais divertidas, quase anedotas (lembra daquela vez que...?!). Todos riem. Até alguém lamentar, próximo do murmúrio, que ele fará falta. E todos concordarem calados. Assim como Renato Russo em “Love In The Afternoon”, continuo me surpreendendo com pessoas boas que vão embora cedo demais, é inevitável. Evidentemente, não morrerei jovem, há muito perdi o acesso ao clube dos 27. No meu funeral também não existirá anedotas, causos curiosos ou exemplos de benevolência. No máximo alguém dirá que o defunto era um cara na dele, que nunca fez bem nem mal a ninguém. Poderia ser meu epitáfio.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
"A CRUEL BARBÁRIE DA ÓPTICA E DESIGN"
Acabei de completar vinte anos de serviço público – não, não confunda com alguma notificação do feicebuque informando os aniversariantes do dia, a última coisa que precisaria agora seria um parabéns genérico. Duas décadas realizando as mesmíssimas funções de escritório não merece felicitações. Quando comecei, no verão de 2003, imaginava que seria temporário, que estava simplesmente passando uma chuva, que aquilo definitivamente não era para mim. Com a mala carregada de quimeras aos poucos fui descarregando o peso dos meus sonhos pelo caminho e não muito, ou quase nada, sobrou. De repente, talvez não tão de repente assim, deixei os receios, as obrigações e os cansaços ocuparem cada vez mais os espaços da minha existência. Nos últimos anos, sem ter que viver duas vidas no mesmo dia (o personagem servidor X personagem escritor) devido ao lockdown imposto pela pandemia, me dei conta que o meu expediente nunca foi divertido como um episódio de The Office, apenas angustiante como uma temporada de Ruptura.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
MELHORES FILMES 2022
Alguns vícios são difíceis de abandonar, listas é um deles. Mesmo sabendo da inutilidade de elencar minhas preferências com critérios absolutamente subjetivos eu não consigo deixar de fazer a de melhores filmes da temporada, a única regra é ter sido lançado comercialmente no país – por isso minhas listas têm cara e cheiro de ano passado. Em 2022 assisti a cento e cinquenta trabalhos, uma quantidade bem maior do que a dos últimos anos (aos poucos vou retomando o hábito de frequentar sessões pós-pandemia). “Top Gun: Maverick” e “Avatar: O Caminho da Água” foram boas experiências na sala de cinema, mas não suficiente para figurarem na minha listagem, talvez eu esteja ficando cada vez menos mainstream.
Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo
Drive My Car
Titane
A Pior Pessoa do Mundo
Argentina, 1985
Nada de Novo no Front
Pinóquio por Guilermo del Toro
Aftersun
Licorice Pizza
Lamb
Boa Sorte, Leo Grande
Marte Um
Menções honrosas para “Pig”, “Não! Não Olhe!” e “Emily the Criminal”.
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XXII
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
(Setembro, 2022)
Leio no subtítulo dessa coluna “diários da pandemia” e me pergunto se a pandemia de fato acabou, se devo mudar para “diários da pós-pandemia” ou se a pandemia que estamos vivenciando vai além do uso de máscaras e medidas de isolamento social. Com tanto retrocesso, proliferação de mentiras e a cultura do ódio saindo da comodidade da caixa de comentários para o que ainda entendemos como vida real, imagino que não exista vacinação que possa conter a barbárie humana. Vou me enganando e me resignando enquanto posso. Mantenho, cada vez mais, distância das pessoas, sorrio desconfiado e com evidente esforço (tento compensar cumprimentando com o punho cerrado na vã tentativa de parecer descolado e pouco tenso – não me importo se não obtiver sucesso). A verdade é que eu jamais simpatizei com beijos, abraços e apertos de mão, cumprimentar tocando as pessoas sempre foi, e até agora é, muito desconfortável (algo que anos de terapia não conseguiram resolver). No entanto, passar por antipático e mal educado é o que menos me importa no momento. Tenho medo que estejamos realmente em uma pandemia, que em algum momento eu seja contaminado e passe a propagar a ira pelos quatro cantos dessa tela. Vejo tantas criaturas que eu considerava inteligentes fazendo isso e questiono se logo eu, que nunca fui tão perspicaz assim, não poderia adoecer também e virar um nacionalista cafona que enxerga inimigos em qualquer trincheira. Se for mesmo uma pandemia, creio que esteja longe de encontrar um fim.
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XVIII
Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha
Tenho absoluto fascínio por fitas K7, bem mais do que pelo vinil. Na juventude, além de serem acessíveis financeiramente, eu ainda podia produzir minhas próprias coletâneas (muito antes de Peter Quill ditar tendência com as suas mixtapes), com direito a capa e divididas por artistas, estilos e temas (estes últimos serviam para traduzir meu estado emocional no momento, acho que devo ter tido um box inteiro só com melancolia). Atualmente, com as possibilidades oferecidas pelos serviços de streaming, possuo algumas dezenas de playlists – o que, de alguma maneira, dialoga com o adolescente que fixava os dedos entre o play e o rec do gravador aguardando aquela canção tocar no rádio, feito um predador que espreita sua presa, e de quebra torcia para que não houvesse vinheta durante a execução e nem que o locutor interrompesse a faixa antes do seu final. Entre tantas playlists criadas, percebi que “Fade Into You”, da banda americana Mazzy Star, faz parte de várias delas, desde a da corrida na esteira, passando por enquanto bebo meu uísque a músicas para lembrar o passado vol. 2 e músicas para esquecer o passado vol. 6 – bem como a playlist com canções que me salvariam do Vecna.
I think it's strange you never knew.
terça-feira, 6 de setembro de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XXI
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
(Agosto, 2022)
Recentemente, talvez nem tão recentemente assim, notei que havia sido bloqueado por (que eu conheça até agora) três contatos completamente diferentes nas redes sociais. Ah, lá vem ele outra vez com esse papo de inadequação aos novos tempos, que antigamente era melhor, etc. A verdade é que eu ainda me surpreendo e acho inusitado, quase engraçado. Será que o bloquear é a versão atualizada do “tô de mal”? Se é para colocar o “antigamente” como referência, pelo menos antes eu sabia o motivo, o que me permitia além de um pedido de desculpas (se fosse o caso) aprender com a falha e não repetir o erro – agora apenas descubro acidentalmente, como quem não quer nada. Mesmo sendo pouco afeito às interações tecnológicas, sei que existem mecanismos que restringem o acesso ao seu conteúdo e ao conteúdo de outrem que vão desde criar uma lista de amigos próximos, silenciar o contato ou até um simples unfollow se incomoda tanto. Mas refletindo melhor, provavelmente o deixar de seguir seja somente uma advertência, um recado. Quem para de seguir pode voltar em algum momento, nada impede que isso aconteça. Já o bloquear é determinante, é não querer realmente manter qualquer nível de relação com o bloqueado, é atravessar a rua do Instagram se avistá-lo de longe. Possivelmente se eu não fosse eu me bloquearia também, pra quê diabos manter conexão com alguém que não posta, não curte, não comenta e não compartilha nunca? Qual a parte da definição de redes sociais que esse indivíduo não compreendeu? Nem um coraçãozinho é capaz de dar. Presumo que eu deveria abandonar tudo o que estou fazendo nesse instante para aplicar um pente fino nas minhas redes sociais, buscar quem está ali de enfeite para simplesmente monitorar a vida alheia e bloquear sem dó. Onde já se viu uma coisa dessas?! Ficar de penduricalho entre os seguidores da pessoa.
quinta-feira, 25 de agosto de 2022
CONTÉM SPOILER XIX
Aquele filme que eu te falei
Com ecos de “Escola de Rock”, Metal Lords é (com o perdão do clichê) uma grata surpresa no enfadonho catálogo da Netflix. O filme é uma das muitas produções que apelam para um público jovem adulto ávido por nostalgia, mas surpreende ao abordar o universo do heavy metal (com todos aqueles clássicos que fizeram a cabeça de muitos adolescentes nas últimas décadas na trilha sonora). Acredito que não tenha recebido a atenção merecida, o que é uma pena. Uma hora e meia de diversão descompromissada que não vai alterar o rumo da sua vida, talvez despertar aquele garoto que ia mudar o mundo e que ainda se emociona com riffs de guitarra (ou violoncelo).
quinta-feira, 11 de agosto de 2022
ENTRE A RUA DIREITA E A ESTRADA DOS CARROS II
Boa parte dos logradores da minha terra natal, Santo Amaro da Purificação, enaltece a memória dos seus barões e viscondes escravocratas – alusão a uma época em que a cidade era uma grande produtora de cana-de-açúcar (“gosto muito raro trago em mim por ti”). Entendo que essa tendência de revisão histórica, com a derrubada de símbolos e estátuas, não mudará tudo o que aconteceu, mas em um lugar essencialmente preto, com todos os riscos que corre essa gente morena, é no mínimo afrontoso ainda reverenciar essa caduca nobreza. Poucos anos antes da inevitável, e tardia, abolição da escravatura no país, fora criada a LIGA DA LAVOURA E DO COMÉRCIO DE SANTO AMARO, sociedade formada pelos senhores de engenho da região (nomes hoje conhecidos apenas por títulos de rua como Barão de Sergy, Ferreira Bandeira, Barão de Vila Viçosa, entre outros) que confrontava e questionava a libertação dos escravizados e enxergava a abolição como uma “ameaça”, conforme publicado no “Diário da Bahia” em julho de 1884. Acredito que o ideal seria um corajoso e necessário projeto de lei da Câmara Municipal para renomear todos esses locais, quem sabe até uma enquete popular para decidir as novas denominações. E se não fosse possível alterar, talvez por atávico conservadorismo, minha sugestão seria legendar as placas existentes como no exemplo abaixo:
Avenida Barão do Massapê
Fazendeiro, político e escravocrata
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
VIRADA DE PÁGINA XVII
Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf
Dificilmente alguém não se imaginou revivendo a juventude com a cabeça atual, podendo fazer o que considera ser as escolhas certas, tendo maturidade para reagir a situações desconfortáveis que hoje seriam banais ou apenas se permitir um momento a mais com entes queridos. É essa oportunidade que Hiroshi Nakahara tem ao despertar nos seus 14 anos com a mentalidade e experiências do homem maduro de 48 anos que ele realmente é. Considerado por muitos o melhor mangá do japonês Jiro Taniguchi, UM BAIRRO DISTANTE possui bem mais camadas do que essa breve sinopse consegue oferecer. Nakahara retorna 34 anos no passado, semanas antes do desaparecimento do seu pai, um evento traumático para toda a família, compreender o que o levou a abandonar uma vida tranquila é a resposta que o protagonista precisa encontrar. Eu, nascido e criado nos comics e nas aventuras da Sessão da Tarde nos anos de 1980, fui desenvolvendo prematuramente uma solução (ah, só pode ser isso), mas fui surpreendido em suas últimas páginas. Confesso que não gostaria de regressar no tempo, um mero CTRL+Z não apagaria todas as minhas mágoas, reviver minhas dores novamente seria mais uma maldição do que uma dádiva. Melhor permanecer com as lembranças, mesmo que distorcidas.
quinta-feira, 21 de julho de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XX
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
Publiquei em 2012 SALVADOR ABAIXO DE ZERO, um volume de breves contos sobre uma soterópolis suja, insalubre, nada solar, que não aparece no cartão-postal. Certamente, o trabalho que mais gostei de realizar, além de ter alcançado um resultado autoral satisfatório e com inesperada repercussão, simultaneamente me afastava daquela roupa de poeta que nunca me coube muito bem. Entusiasmado, decidi produzir contos de maior fôlego apresentando protagonistas absolutamente escrotos que, feito Marco Aurélio em “Vale Tudo”, escapavam impunes na conclusão. Eram agentes do antigo DOPS inconformados com os rumos do país, carlistas saudosos de um verão mais truculento, xenófobos, homofóbicos, conservadores hipócritas, neonazistas, feminicidas, milicianos, corruptores, entre outros elementos repulsivos. Apesar da temática, tudo era abordado com bastante humor ácido, crítico; parecia ser, naquele momento, uma continuação natural da obra anterior e não um prenúncio de tempos sombrios. A cada revisão e reorganização da ordem dos textos o conjunto ganhava um novo título, “EU NÃO SOU UM BOM LUGAR”, um empréstimo de uma canção dos Titãs, fora o que mais resistiu às impressões e encadernações na papelaria, sendo, inclusive, finalista de alguns prêmios literários – o que me iludiu ao ponto de esperar por “uma oportunidade melhor” de publicação, com isso fui protelando e consequentemente perdendo o trem da história. Na época, o cidadão que seria eleito democraticamente presidente em 2018 através do sistema de urnas eletrônicas não era alguém a ser levado a sério e os personagens nocivos do livro, para mim, eram apenas caricaturas, uma fotografia desbotada de um mundo que eu acreditava não existir mais. Quanta ingenuidade. Inicialmente o que era divertido foi no decorrer dos anos se tornando indigesto, talvez tenha sido melhor, realmente, não ter sido publicado, sabe lá como ele seria entendido na atualidade, se adequando conforme a narrativa mais conveniente, o que me obrigaria a sempre me justificar e justificar a obra. Enfim, taí um inédito na gaveta que não desejaria ver nas prateleiras, mesmo que aqueles vermes retratados retornem para as trevas algum dia.
sexta-feira, 15 de julho de 2022
CONTÉM SPOILER XVIII
Aquela série que eu te falei
Nunca tive essa urgência para consumir temporadas de série desesperadamente, maratonar títulos pela madrugada à base de café e Redbull, devorando o título do momento apenas para fugir dos famigerados spoilers, se manter antenado (ainda se diz “antenado”, Mr. Hype?) ou por mera manipulação do algoritmo. Na verdade, essa falsa sensação de liberdade, de poder assistir ao que quiser/quando quiser sempre me incomodou. Comprava boxes de DVD com as temporadas completas, mas só assistia a um episódio por dia, às vezes por semana. Sou da velha guarda, gosto de apreciar aos poucos, formular teorias enquanto o próximo episódio não é lançado (quase sinto falta dos intervalos comerciais também). “Mas você ainda pode fazer tudo isso”. E é o que tento fazer, mesmo que o aflitivo cronômetro do streaming teime por mais uma dose.
sexta-feira, 8 de julho de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XVII
Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha
Tatuei o verso “But I am the greatest motherfucker/ That you'll ever gonna meet”, da canção GMF, do pianista islandês/americano John Grant, no meu braço – entre “You Can't Always Get What You Want” dos Stones e “To die by your side is such a heavenly way to die” dos Smiths. Engraçado que sempre saio de casa com algumas imagens na cabeça e uma pasta de prints no smartphone, de Peanuts a Hitchcock não me faltam ideias para tatuagens, mas fatalmente retorno com algum verso gravado na pele, como se meu corpo fosse um antigo caderno escolar onde anotava frases dispersas durante alguma aula desinteressante no Polivalente de Santo Amaro.
quinta-feira, 30 de junho de 2022
VIRADA DE PÁGINA XVI
Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf
Em uma Hollywood pós-Segunda Grande Guerra, repleta de intrigas, jogos de poder e corrupção, uma época em que simpatizantes do comunismo eram perseguidos e denunciados por seus próprios colegas da indústria cinematográfica, uma jovem atriz é misteriosamente assassinada levando um traumatizado roteirista a investigar o caso. Não, não confundi o título da coluna, e essa sinopse rasa não pertence a nenhum thriller noir dos anos de 1940. FADE OUT é uma premiada minissérie da dupla Ed Brubaker e Sean Phillips, uma espécie de Bebeto e Romário, Pelé e Coutinho, dos quadrinhos. Publicada aqui pela Editora Mino, em uma belíssima edição com 400 páginas, trazendo um pano de fundo histórico-político e uma galeria de excepcionais coadjuvantes vale, certamente, a leitura – e ao contrário de outras indicações, espero que não seja adaptada para série ou filme, nem mesmo pela HBO. Com o perdão do purismo, mas não consigo imaginar Fade Out em outro formato.
segunda-feira, 20 de junho de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XIX
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
(Junho, 2022)
Um dos maiores clichês de quem escreve é a síndrome da página em branco, aquele angustiante cursor piscando na tela implorando por palavras, mesmo que sejam seguidas de um arrependido “backspace”. Inúmeras e particulares são as justificativas: ausência de inspiração, se é que ela existe, de boas ideias, bloqueio criativo, excesso de autocrítica e enfado são as que mais escuto. Minhas páginas não estão em branco, há muitos arquivos aguardando um clique no “postar”. Receios, cansaços, saudades, incertezas, questionamentos, desagrados… os temas vão se repetindo em uma espiral de lamentações que mais se parecem importunos. Sou moldado pelo não gostar um instante além do que eu deveria, são minhas “senhas”, um “acho que não sei quem sou/ só sei do que não gosto” constante. Não pretendo ser um coach motivacional que faça as pessoas saírem do parágrafo mais dispostas do que quando entraram, distante disso. Mas admito que poupar a humanidade das minhas queixas é uma generosa contribuição para um mundo menos desesperançoso.
sexta-feira, 3 de junho de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XVI
Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha
O novo disco do multi-instrumenista americano Andrew Bird na vitrola e uma sexta-feira problemática começa a ganhar outros ares, por enquanto.
quinta-feira, 26 de maio de 2022
CONTÉM SPOILER XVII
Aquele filme que eu te falei
Pretendia elencar meus filmes preferidos baseados na obra de Stephen King (para a felicidade de admiradores e detratores), mas fatalmente cairia na tríade O Iluminado, Carrie e Conta Comigo no topo – e fazer uma lista diferentona exclusivamente para ser o diferente é muito juvenil para os meus cabelos brancos. No entanto, consigo afirmar que o controverso O NEVOEIRO (2007) estaria nessa listagem. Inspirado em um conto do autor, que imaginava a trama como se fosse um sci-fi B dos anos 50/60, seguimos pai e filho em uma ida ao supermercado para adquirir suprimentos após uma noite tempestuosa, porém são surpreendidos por uma estranha névoa e terminam isolados no estabelecimento na companhia de outras pessoas. Mais simples, impossível. Dirigido pelo francês Frank Darabont, que já havia adaptado com sucesso dois dramas de King, À Espera de um Milagre e Um Sonho de Liberdade, envereda aqui pelo gênero característico do escritor. Com elementos lovecraftianos e referência a O Anjo Exterminador e Alfred Hitchcock, principalmente Os Pássaros (por um momento acreditei que a conclusão seria semelhante) nos expõe o que há de pior no ser humano, sem dúvida o verdadeiro monstro da história. Se os efeitos visuais não envelheceram muito bem, seu texto dialoga assustadoramente com os nossos dias: negacionismo, fanatismo religioso, intolerância, ira, egocentrismo, arrogância, vaidade, manipulação... Ao contrário do título irônico da coluna, posso dizer, simplesmente, que o final é um dos mais desoladores e perturbadores do cinema.
terça-feira, 17 de maio de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XVIII
quarta-feira, 11 de maio de 2022
VIRADA DE PÁGINA XV
Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf
“Meu Amigo Dahmer” é uma graphic novel autobiográfica do quadrinista Derf Backderf sobre sua amizade/relação com um dos mais conhecidos serial killers da história, Jeffrey Dahmer, durante o ensino médio. Um relato honesto que, ao mesmo tempo que humaniza, não deixa de apontar o tempo inteiro para o que ele se tornaria brevemente, um desconfortável spoiler que nos acompanhará por toda leitura. O que mais impressiona é que todos os sinais já estavam claros, expostos para quem se dispusesse a enxergar, no entanto, talvez por conveniência, eram absolutamente ignorados. Jeffrey não era aquele tipo de psicopata que nenhuma pessoa poderia imaginar no que se transformaria. Era possível imaginar sim, e essa é a maior indignação que nos atinge no decorrer das páginas: por que ninguém fez nada? Chega a lembrar It, de Stephen King, romance de terror em que os adultos não se importam com o que acontece com as crianças, só que aqui não era ficção. "Meu Amigo Dahmer” ganhou uma versão cinematográfica em 2017, intitulada no Brasil “O Despertar de um Assassino”, mas prefira a HQ.
domingo, 8 de maio de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XV
Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha
Dreampop é um gênero derivado do rock alternativo oitentista. Não poderia haver denominação melhor: é como se os anos de 1980 nunca tivessem acabado.
quinta-feira, 28 de abril de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XVII
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
(Abril, 2022)
Voltei a postar no blogue em abril de 2021. Escrever em um blogue novamente, e usando uma linguagem bastante informal, como se fosse realmente um diário ou uma nota perdida numa velha agenda, foi a maneira mais óbvia, e fácil, que o que restou de mim encontrou para tentar sobreviver à pandemia – tão óbvia que frequentemente penso que deveria ter retomado antes, teria me poupado de alguns desastres e tarjas-pretas. Fiquei tanto tempo afastado que ninguém próximo se deu conta que retornei, nem antigos leitores, amigos, familiares, curiosos, haters... ninguém (o que me deixa, inclusive, mais à vontade, saber que haveria alguém na caixa de comentários, às vezes era agradável; noutras, desconfortável). Um ano depois, e pelo número de acessos diários, concluo que não estou sozinho aqui. Provavelmente, náufragos trazidos por alguma conjunção aleatória do buscador.
quarta-feira, 27 de abril de 2022
quarta-feira, 20 de abril de 2022
CONTÉM SPOILER XVI
Aquele filme que eu te falei
Acredito que todo mundo que se diz (ou dizem que é) cinéfilo, frequentemente é abordado sobre dicas de filmes e séries, preferencialmente “recentes e legais”. Há uma espécie de responsabilidade nessas sugestões, é preciso avaliar o tipo de produto e público para recomendar algo que melhor se adéque ao perfil e não simplesmente prescrever a última produção assistida, a que está mais ativa na memória, ao alcance da mão na gaveta das lembranças. Resumindo: ser mais caloroso e menos impessoal que o arrogante algoritmo do streaming. Sei que deveria ser natural e não causar surpresa nenhuma, mas em um desses pedidos, me dei conta que estava indicando apenas obras protagonizadas por mulheres. Já citei nesta coluna Penélope Cruz em “Madres Paralelas”, Olivia Colman em “A Filha Perdida” e Kate Winslet na premiadíssima minissérie “Mare of Easttown”; poderia ter escrito também sobre Alana Haim em "Licorice Pizza", Elisabeth Moss em “The Handmaid’s Tale”, Phoebe Waller-Bridge em "Fleabag" ou a norueguesa Renate Reinsve em “A Pior Pessoa do Mundo” – para ficar nas que vêm mais fácil à cabeça. Certamente não é mera coincidência ou uma polaroid de um momento, talvez seja uma bem-vinda mudança de paradigma. Longe de príncipes encantados, souvenir de desejo ou interesse romântico do mocinho, vejo cada vez mais atrizes em papéis e interpretações notáveis. E que continue assim. Minha lista de recomendações agradece.
quarta-feira, 13 de abril de 2022
VIRADA DE PÁGINA XIV
Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf
terça-feira, 5 de abril de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XVI
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
Não costumo perguntar por alguém que não vejo há tempos. Sei que é bem mais que uma regra de etiqueta, é um gesto cortês, empático, delicado até; porém, não consigo. Tenho receio de ouvir em troca um “você não soube?” – “você não soube?”, para mim, é o preâmbulo da tragédia. Há quem possa, com todo direito, contra-argumentar que se trata de uma mera questão retórica, uma muleta linguística, que o meu receio, além de paranóico, é banal. “Você não soube?” pode servir para anunciar uma notícia boa, algo como ele recebeu uma proposta de emprego em outra cidade e precisou se mudar, tipo de informação que eu saberia se fosse mais assíduo e curioso em redes sociais, mas continuo achando melhor não arriscar. Por outro lado, “Você não soube?” pode servir, também, para anunciar uma notícia que não saberia interpretar de supetão se é boa ou ruim, algo como “separamos” – o que me deixaria confuso, sem saber se lamento ou felicito. Não me importo que me acusem de deselegante, mal educado, que falem “encontrei Herculano e nem perguntou por você'. Amigo, acredite que eu pensei, ensaiei, esbocei, quase perguntei, no entanto desisti no último momento apenas para não escutar um “você não soube?” e aguardar apreensivamente, durante infinitos milésimos de segundo, por uma resposta que me aliviaria ou me afundaria ainda mais na calçada.
sexta-feira, 1 de abril de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XIV
sábado, 26 de março de 2022
CONTÉM SPOILER XV
Aquele filme que eu te falei
Temporada do Oscar era época de maratonar os principais títulos, fazer bolão, divulgar palpites com os que “eu acho” e os que “eu gostaria”, realizar apostas com os amigos, contestar os indicados como se fossem os convocados da seleção – era quase uma Copa do Mundo. Gradativamente, tenho dado cada vez menos atenção, talvez por entender melhor os meandros da indústria cinematográfica e os seus mecanismos fui me tornando menos ingênuo e, consequentemente, menos interessado (um tanto indiferente). Amanhã haverá uma nova premiação. Deixarei para avaliar os incensados, os injustiçados e as surpresas no dia seguinte, apenas para confirmar que teria fracassado em mais um bolão.
domingo, 20 de março de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XV
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
(Fevereiro, 2022)
Estou aqui há vinte anos, criei o primeiro blog em 2002 no portal da IG; em 2004 migrei para o UOL e o seu zip.net, onde tive também um fotolog – espécie de antepassado do Instagram; e desde 2008 estou no Blogger. Essa cronologia não serve para muita coisa, apenas para confirmar que o tempo voa, amor, escorre pelas mãos. Portanto, não estranho quem classifica o blog como vintage, retrô ou divã de boomer (ainda dizem “cringe”?) nem fantasio que em algum momento ocorrerá fenômeno semelhante ao do vinil – não mesmo (embora eu acredite que esteja mais para cool do que kitsch, ao contrário do Feicebuque que tem envelhecido muito mal). Já é possível, inclusive, tecer comentários saudosistas rememorando uma época em que havia blogs destinados aos mais diversos assuntos, informativos e com bastante interação e repercussão, porém sem o ranço bélico das redes sociais. Agora isso aqui não passa de um cemitério de jazigos abandonados esperando por esporádicas visitas. Às vezes me sinto solitário como Wall-E trafegando pelo ferro-velho.
domingo, 13 de março de 2022
VIRADA DE PÁGINA XIII
Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf
Conheci Iznogoud através da animação (que transformava o califa em sultão na versão brasileira) exibida durante as manhãs em algum ponto nebuloso dos anos de 1990. Iznogoud era um grão-vizir que tentava de todas as maneiras usurpar o trono, uma espécie de golpista sonhando com impeachment. Criado em 1962 pelos franceses René Goscinny e Jean Tabary, não teve muitas obras publicadas no Brasil. Escrevi sobre o personagem no inverno de 2009 AQUI, na época, acreditara que havia alguns “iznogouds” no meu caminho, que tolice. Excesso de vaidade, mania de perseguição, deslumbramento, egoísmo… talvez um pouco de cada somada à minha imaturidade naqueles dias. Estupefato, hoje me pergunto como é que alguém poderia mirar a minha vida e dizer: eu quero ser sultão no lugar do sultão!
terça-feira, 8 de março de 2022
NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XIII
Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha
(Publicado originalmente em agosto de 2010)