quinta-feira, 28 de julho de 2011

FRANCISCA

         Não sou nenhum indie intransigente, do tipo radical e esnobe, que só escuta banda que quase ninguém conhece: também gosto da música pop, a música pop é que parece não gostar de mim. Não é o caso do trabalho de Francisca Valenzuela,  destaque da atual cena musical chilena. Sua música descontraída (com ecos de Regina Spektor, Café Tacuba e Fiona Apple) muito me encanta. Francisca (adoro este nome) é pianista e compôs todas as faixas do seu segundo álbum, “Buen Soldado”, um conjunto de canções simples, aparentemente descompromissadas, mas sem deixar de lado o engajamento político, como acontece na balada “Salvador”, que encerra o disco e homenageia Salvador Allende.
         Francisca é para dias felizes, tardes com sol.
         Francisca é leve.  
    
     

(Espero que ninguém comente: “o pop não poupa ninguém”.)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

AS TRÊS VIDAS DE MILDRED PIERCE

Confira o ensaio de Herculano Neto sobre o filme ALMAS EM SUPLÍCIO, de 1945, a telenovela VALE TUDO, de 1988 e a série MILDRED PIERCE, de 2011, 
na revista eletrônica Verbo 21.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A MISTERIOSA MULHER SEM ORIFÍCIO

        Cinco anos após seu último disco, Chico Buarque, enfim, lançou seu mais recente trabalho, intitulado simplesmente “CHICO”, antecipado por uma bem sucedida estratégia anti-pirataria promovida pela gravadora Biscoito Fino, que colocou o disco em pré-venda no site do cantor há mais de um mês - e conseguindo apenas no primeiro dia quase duas mil aquisições, o que levou o site a ficar fora do ar. Essa gravadora, inclusive, não costuma permitir que o seu material seja disponibilizado na internet, frequentemente vídeos são bloqueados e arquivos para download são removidos (uma canção minha, DEU SAUDADE, que faz parte do seu catálogo, foi retirada deste blog três vezes - nesse momento nem sei se ainda está postada).
        Deixando o disco em segundo plano, o que a imprensa, dita especializada, mais se apegou ultimamente foi o seu romance com a cantora Thaís Gulin e um verso da canção “Querido Diário”, que a versão digital da revista Veja considerou o pior da MPB no século XXI: “Amar uma mulher sem orifício”. Assim mesmo, no singular. É possível que a sonoridade e o significado da palavra “orifício” causem um desconforto, mas descontextualizado até Fernando Pessoa parece estranho (bom, Fernando Pessoa não). A letra da canção é um simples conjunto de notas cotidianas sem muita profundidade, tal qual acontecimentos dispersos nas páginas de um diário, sobre o trânsito, um cachorro de rua ou um encontro casual com amigos (“Hoje topei com alguns conhecidos meus/ Me dão bom-dia, cheios de carinho”). O polêmico verso aparece pouco depois: “Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício”.
        Há quem diga que o “genial” Chico Buarque tenha ficado para trás e que o epíteto de “melhor letrista da música brasileira” já não lhe caiba tão bem. Comparações com outros contemporâneos em atividade, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, são quase inevitáveis, este tenta manter o frescor da sua obra e nunca teve problemas com nenhum tipo de orifício, vide o verso “A tua presença/ entra pelos sete buracos da minha cabeça”.
        Amar uma mulher sem orifício não sugere muitas possibilidades, provavelmente não passa de um amor platônico, um amor sem sexo ou um amor que exista além do sexo - ou trata-se mesmo da imagem de uma santa. Orifício é uma passagem estreita, um pequeno furo. O uso do substantivo no singular serve para enfatizar a ideia de único caminho, única oportunidade - que não há. Uma mulher sem orifício talvez seja, simplesmente, um desejo inalcançável
. Certamente, havia outras maneiras de dizer a mesma coisa, ou rimar sacrifício com artifício, início, desperdício ou fictício - cada poeta com suas palavras -, contudo, dificilmente provocaria o mesmo estranhamento.
        De repente, para um homem de 67 anos, o amor sem sexo, um amor platônico ou amar uma estátua seja realmente isso: um estranhamento.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

(...)

Encostei meu vestido turquesa no disputado balcão de um bar no Rio Vermelho e consegui, sem muito esforço, que me servissem um daikiri. Foi quando me apresentaram à Capitu - bastante extrovertida e popular, ela era cumprimentada por todos que chegavam. Capitu quis estender a conversa além das formalidades de praxe, principalmente quando alguém disse que eu tocava bandolim num grupo de choro – fiz questão de corrigir, falar que isso fazia parte do meu passado, porém ela preferiu não escutar. Capitu gostou do meu nome, associou ao de uma cantora da Jovem Guarda que uma tia adorava, em troca evitei esboçar qualquer comentário sobre o seu, sabia que não soaria nada original (mas me contive quando descobri que ela morava no Barbalho e por pouco não cantarolei o primeiro verso do clássico “Tradição”, de Gilberto Gil). Acho que ela trabalhava com decoração de interiores, ou alguma coisa assim, e às quartas-feiras “arranhava no baixo” em uma daquelas bandas formada somente por garotas. Prometi ficar até ao final da sua apresentação, “para conversarmos melhor”, mas fui embora logo depois que elas começaram com toda aquela distorção gratuita. Com o drinque na mão, deixei que ela me visse saindo, durante uma versão hardcore para um sucesso da Madonna.


domingo, 17 de julho de 2011

(...)

Pablo se irritava ao ser chamado de garçom, tecnicamente ele possuía outra função, algo afrancesado, ainda assim não compreendia como isso afetava seu ego. Apenas para chatear, nada mais, eu sacava um “garçom, por favor”, quando menos ele esperava, em troca eu recebia um simpático olhar de desprezo. Com o tempo ele parecia não se importar, mas fingia. Certa feita, Pablo quis saber o que eu tanto anotava: são meus riscos, respondi. Não satisfeito ou curioso, ele passou a recolher todos os meus tolos versos que ganhavam a lixeira – exercícios poéticos, no máximo. No entanto, só descobri essa coleta muito depois, na mesma época em que ele começou a implicar com os meus cigarros.


sábado, 16 de julho de 2011

(...)

Deixei de realizar minhas visitas ao asilo há mais de um mês, recebo algumas ligações da diretoria, mas não atendo. Não sei por que eles insistem, ele nunca sabia quem eu era mesmo - éramos apenas estranhos. Engraçado é que eu também passei a ter cada vez menos recordações, e o pouco que recordo parece que não me pertence, é como se fosse um filme que vi há muito tempo, algo que me contaram. São trechos desconexos, esmaecidos, lembranças em Super-8. Confesso que já não tinha paciência para todo aquele teatro, para brincar de recomeçar a cada encontro: antes era dolorido; agora, indiferente.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

(...)

Ultimamente, minha vida se resume aos bares que percorro pela noite e as tardes que passo no Café Terrasse – aprecio, principalmente, suas mesas de madeira, ainda vazias, ao entardecer. Não tenho todo tempo do mundo, como cantou uma alma inquieta, mas possuo mais tempo livre do que deveria. Costumo pedir sempre o mesmo expresso com canela, que deixo descansar enquanto molho meus lábios com água com gás ou tento misturar sua fumaça com a fumaça do meu Charm, mas elas fazem questão de se manterem heterogêneas, numa luta, numa dança. Antes que outras pessoas contaminem o ambiente,  rabisco alguns poemas que geralmente vão parar no lixo. Procuro evitar verbos auxiliares, adjetivos, estrofes, títulos e letras maiúsculas, mais por implicância do que por estilo. Procuro evitar, também, amores que durem mais de uma estação, porém dificilmente consigo.

domingo, 3 de julho de 2011

POEMA INÉDITO IV


sei dos meus cinismos
dos meus silêncios
dos meus enganos

sou tão leve quanto o inferno
pesado feito um anjo


Herculano Neto
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