quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

“DE ALMA INGÊNUA, ACREDITO”

          Não me vejo namorando na Praça da Bandeira, atrás do prédio da cadeia, nem passeando com minha roupa de domingo pela Praça da Purificação, essas praças não me pertencem mais. Me vejo apenas na Praça do Rosário, correndo descalço atrás do bonde, brincando de esconde-esconde no Largo da Cruz (1,2,3: achei você!). Me vejo nos atalhos do Maricá, trocando alumínio por Grapette, espantando maruins na descida do Tauá, “roubando” bananas no beco de Narciso, anoitecendo no tamarineiro.
         Sou eu tocando trompete na Santa Mazorra de Dona Zica, bradando “É Maro-Maro” no gol de Careca, acordando com os pés dentro d’agua na casa inundada, imitando Besouro contra Bruce Lee, saudando o camarada Maru, a velha Domingas, Seu Chiquinho do Apolo. Sou eu aos prantos cantando “Trilhos Urbanos” no adro durante as festas, pedindo silêncio para escutar a nota de falecimento no beco da Rencau, recitando “Papai Noel – Pólo Norte” no Teodoro.
          Não sou estrangeiro, sou nativo. 
          Sou Calolé, Destilaria, Conde e Pilar. Sou Campo do Arroz, Colibri, Ideal e Botafogo. Sou São Francisco, São Bento, São Brás e São José. Sou Timbó, Acupe, Viúvas e Virgens.  E quero a brisa vespertina do Senado; Geração 80 e Confronto; 2001 no Cine-Subaé; poesia na Selibasa; Sangue e Raça e Uhuru-Eby; A Sineta e O Ataque. Quero as glórias do passado no presente.
          Não sou a interseção entre a rua direita e a estrada dos carros, não ostento sobrenome escravocrata. Sou índio do Trapiche, descendente dos Carijós. Sou bicho do mato, retraído tal qual a folha do não-me-toque.
         Não sou de santinho, meu santo é grande, meu santo é forte, meu santo é doce, meu santo é amaro.
         Caminhando pela cidade, vejo um menino sozinho, sentado num banco da praça. Aquela praça não me pertence mais (constatação sem lamento), mas ainda me vejo nos olhos daquele menino.
          No perigo e na bonança dessa gente morena, estou.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

UM ANTIGO POEMA TRADUZIDO

EN FAISANT LES VALISES
(Arrumando As Malas, Herculano Neto)
Tradução para o francês: Pedro Vianna


 Vídéo ancienne,
 photo ancienne
 fausses cartes,
 tout un peu faux
 quelque peu opaque et déformé

“Tu n'as jamais essayé d'être mon ami”
 c'est ce qu'elle a dit avant de se tirer,
 sans Kerouac
 avec Baudelaire
 et sans la patience
 de quelqu'un qui attend des changements.

***

ARRUMANDO AS MALAS

Vídeo antigo,
foto antiga,
cartas falsas,
tudo um pouco falso
um tanto opaco e distorcido.

“Você nunca tentou ser meu amigo”
foi o bilhete que ela deixou
antes de botar o pé na estrada:
sem Kerouac
com Baudelaire
e sem a paciência
de quem espera por mudanças.


ESCUTE O POEMA RECITADO PELO AUTOR AQUI

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

LIXO EXTRAORDINÁRIO

          O bairro de Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro, abriga o maior aterro sanitário da América Latina, e é o palco do documentário LIXO EXTRAORDINÁRIO, candidato ao Oscar 2011 (Jardim Gramacho já tinha servido de cenário para o ótimo documentário ESTAMIRA, em 2006).
          Vencedor de prêmios de público nos festivais de Sundance e Berlim em 2010 e aplaudido de pé no Festival de Paulínia, LIXO EXTRAORDINÁRIO, dirigido por João Jardim, Lucy Walker e Karen Harley, foi filmado entre agosto de 2007 e maio de 2009, e acompanha o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz – filho de retirantes cearenses e radicado em Nova York, onde é considerado um dos mais importantes artistas plásticos da atualidade, principalmente por experimentar novas mídias recriando de maneira inusitada trabalhos célebres como as pinturas de Monet e Leonardo da Vinci. Após passar por uma crise artística sobre a real utilidade de sua obra, ele decide passar dois anos no Jardim Gramacho, onde pretende ajudar os moradores do local produzindo arte com materiais retirados do lixo. Inicialmente falando em inglês, Vik Muniz assemelha-se mais a um estrangeiro pregando assistencialismo. Mas, se a ideia era buscar no aterro material para sua obra, serão as pessoas que lá trabalham sua verdadeira matéria-prima, e é a partir desse contato que o filme se humaniza e desce do pedestal. A realidade dessas pessoas, que aparentemente viviam felizes e conformadas no seu trágico universo, torna o filme ainda mais forte e comovente, sem pieguices. Depois de selecionar e fotografar um grupo de catadores de material reciclável, Vik vai exercer sobre eles um poder transformador ao aproximá-los da dignidade esquecida. Utilizando objetos retirados do lixo todos vão trabalhar na confecção dessas obras, onde todo valor arrecadado será empregado na comunidade. Introduzidos no mundo da arte, eles percebem como são poderosos, e que tudo é arte. Com a autoestima renovada, mudanças externas e internas serão produzidas. O conflito provocado é voltar ou não para o lixão com o fim do projeto.
          O documentário começa e termina com imagens extraídas de entrevistas realizadas no “Programa do Jô”, há quem diga que TV é lixo e que essas imagens são uma espécie de metáfora, mas teorias da conspiração à parte, foi a televisão que proporcionou a Vik Muniz popularizar seu trabalho no Brasil ao aceitar um convite para reutilizar a mesma ideia na abertura da novela global “Passione”, de Sílvio de Abreu.
          Após assistir ao filme é impossível você olhar para o seu próprio lixo, ou para os catadores de material reciclável na rua, da mesma maneira, deixando bem claro que a coleta seletiva é uma necessidade que não pode ser desprezada pelas autoridades nem pela sociedade, e que 99 não é 100.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

NESTE DOIS DE FEVEREIRO

  Duvido de quase tudo, 
mas acredito em Pierre Verger e em Carybé.

Ilustrações dos livros Carybé & Verger - Gente da Bahia e 
Carybé, Verger e Caymmi - Mar da Bahia

"Havia rosas no mar,
havia ondas na areia".
                                           Otto





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