quarta-feira, 29 de outubro de 2014

EPÍGRAFE



Rosamund Pike
épigraphe

les épigraphes sont parlantes
ne se cachent pas

l’épigraphe c’est toi sous la plume de l’autre
c’est le vers en plein dans le but
la référence
la déférence
la bénédiction

les épigraphes sont traîtresses
décoratives
superflues

les épigraphes sont médisantes
prétentieuses
tendancieuses

les épigraphes sont autosuffisantes
les épigraphes sont des épitaphes


epígrafe
epígrafes dizem mais
não se escondem

a epígrafe é você na pena do outro
é o verso certeiro
a referência
a deferência
a bênção

epígrafes são traiçoeiras
decorativas
desnecessárias

epígrafes são maledicentes
pretensiosas
tendenciosas

epígrafes são autossuficientes
epígrafes são epitáfios


*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

 




quarta-feira, 27 de agosto de 2014

OS MISSIVISTAS

Um amigo escritor iniciou um papo contra as mídias digitais, alegou que tudo é muito veloz, fútil, desnecessário; que não se documenta mais nada, que tudo se perde no oceano da web; que se abandonar sua caixa de entrada por algum tempo tudo é excluído automaticamente; que muitas biografias se fundamentam, principalmente, pela correspondência trocada pelo biografado... Enfim, toda uma ladainha preambular para propor que trocássemos cartas nos moldes tradicionais: papel, caneta, envelope e selo. Argumentou que poderíamos expor, sem medo da censura do nosso tempo, todas as nossas mais reprimidas ideias e que talvez o futuro nos agraciasse com a publicação dessa correspondência, como Mário de Andrade e Carlos Drummond. Prosseguiu, entusiasmadamente, que Fulano e Beltrano, dois conhecidos escritores locais, já faziam isso há alguns anos. Com muito tato e elegância, declinei do convite. Ele pareceu não se importar com a minha recusa, confessou que tinha convidado, através do Feicebuque, uma jovem escritora ascendente, mas ela ainda não havia respondido.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

SINOPSE

Chiara Mastroianni
synopse

je suis fait d’hypothèses :

la plus probable est celle qui
me dément le mieux

la plus cruelle est celle qui m’explique
le mieux

je suis fait d’équivoques
contradictions
convictions
papillons

je suis une bougie allumée
dans la nuit des angoisses




sinopse

sou feito de hipóteses:

a mais provável é a que
melhor me desmente

a mais cruel é a que melhor
me explica

sou feito de equívocos
contradições
convicções
borboletas

sou vela acesa
na noite das angústias


*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

segunda-feira, 14 de julho de 2014

PORMENORES


 
a infância foi uma manhã
                                de sol


há tempos que sou
noite de rugas e cabelos brancos


a infância passou
sem nuvens


quase madrugada 






*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O INFAME DA VILEZA

Escritores tendem a se achar semideuses, a única Pepsi-Cola do Jardim de Alah, o pote de ouro no final do arco-íris (muitas vezes se acham o próprio arco-íris) mesmo quando não publicaram nenhuma nota de rodapé, mas isso é o que menos importa, para um escritor é comum acreditar que um dia serão descobertos, compreendidos, cultuados; serão figurinhas fáceis em feiras literárias, terão trechos recitados por Tony Ramos no Fantástico, obras adaptadas para cinema e TV, darão opinião sobre-tudo-e-qualquer-coisa mais do que Caetano Veloso. E se a vida, essa pequenez divina, não os contemplar a tempo, restará a posteridade póstuma, quando serão estudados pelas melhores faculdades, pelas mais brilhantes cabeças pensantes do futuro. Outra característica do escritor é desmerecer o trabalho alheio: só ele escreve bem, o resto chafurda na mediocridade, e quando o colega é realmente bom não passa de um copiador barato, um repetidor de cânones consagrados. Resumindo, escritor no Brasil é um chato de galochas. Sempre que me acho melhor do que realmente sou, abandono minha Bic e vou secar a louça, repor a despensa, limpar os armários: genialidades de pessoas comuns.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

COM DEFEITO DE FÁBRICA

      Nasci com saudade, meu defeito de fábrica. E de saudade estão contaminados os poemas de "A Casa da Árvore". Saudade, inclusive, do que não vivi.
      Sempre fiz poesia, ou deixei que a poesia me fizesse, que moldasse minha escrita, minha necessidade de exteriorizar sentimentos, uma inquietação juvenil que o tempo se encarregou de dizer o que é página de diário, letra de música, poesia ou incinerador. Muitas ideias ficaram pelo caminho, projetos que não foram adiante, poemas que envelheceram mal nas gavetas, que perderam o sentido, que não faziam sentido. O que sobreviveu virou CINEMA, minha primeira publicação solo e atrevimento poético. Naquela época, embora não fosse mais tão menino assim, cultivava algumas pretensões e ansiedades típicas de iniciante, um desejo de querer dizer tudo que eu acreditava ser essencial. Ali, a infância já era um tema que tingia de saudade quase todo o livro.
        Em A CASA DA ÁRVORE reencontro a infância. Só que dessa vez a observo de longe. Dividido em três partes ou três lares (Casa de Retalhos, Casa de Espelhos e A Casa da Árvore), reúne o que produzi de relevante, na minha caótica opinião, nos últimos anos. Pouco escrevo poesia, às vezes passo meses e mais meses sem nada escrever. Ao contrário da minha obra de ficção, que tenho o completo domínio do parar e iniciar, minha poesia é quem me comanda. Parece clichê, provavelmente até seja, mas poesia é de dentro pra fora. Sua feitura é diferente. É dolorosa. Na primeira parte, Casa de Retalhos, trago os poemas postados no meu blogue, com pontuais modificações nos títulos, palavras e até na inclusão, exclusão e ordem dos versos. Desde o início, o plural “retalhos” parecia ser a escolha mais óbvia para designar o capítulo, mas ao ver todos aqueles textos agrupados, notei que havia uma unidade, um desassossego, uma melancolia.  Na revisão final “retalhos” permaneceu. Percebi que na minha memória afetiva “retalhos” sempre foi singular. A segunda parte, Casa dos Espelhos, é a menor e a que mais me deu prazer em produzir, pois pude retomar, com um saudável distanciamento, poemas antigos através das traduções realizadas, e publicadas, pelo amigo Pedro Vianna na França (“Arrumando as Malas”, de OS OUTROS POEMAS DE QUE FALEI, 2004; “Os Outros”, de SOB PRESCRIÇÃO, 2006; “Malícias”, inédito; “Versos Excluídos”, “Sinopse”, “Ironia”, “Um Miserável a ver navios” e “Pano de Boca”, de CINEMA, 2007). A última parte também denomina o livro, A Casa da Árvore, e é uma reflexão sobre a infância, sobre como dói ser criança, sobre como é equivocada a urgência de crescer, embora só percebamos isso depois, muito depois. Nesse capítulo, a saudade inflama com mais intensidade, indo de uma solitária partida de futebol de botão, passando pela casa em que crescemos e que nunca nos abandonará a até um platônico amor infantil que encontrará seu fim nas rodas de um caminhão. O mundo era menos triste/ na casa da árvore. Inevitável sentença.
      A infância não é para inocentes, mas a poesia talvez seja. Então, quero que essa inocência impregne meus versos, quero resvalar na criança que eu fui, quero que ela encontre o adulto que eu me tornei, quero que ela tenha orgulho de mim.
         Nasci com saudade, meu defeito de fábrica. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

AMIGOS EM CASA

A sua palavra comprime tantos mundos que, ao menor gesto compreensivo da sensibilidade, ela "explode" em suas mãos, em seu olhar, em sua consciência. Poeta de versos curtos e emoção intensa, cada imagem nos arrebata, em ritmo que prende a respiração e nos faz soltar um grito.
Jorge Portugal

Temerário e malcriado, ele trafega na contramão, nunca estando onde se espera. E assim surpreende com momentos de veracidade e dor pungente. Sempre dilacerado, Herculano reúne coragem e velhacaria, prosódia barata ou complicada, conforme a conveniência, tudo de caso pensado, desorientando a seu bel prazer. Me espanta o desencanto humanitário desse mestiço do Recôncavo!
Edgard Navarro

Herculano tem chumbo no sangue e isso define sua poesia: tem peso. O mais simples verso carrega toneladas de sentido, "vocação para o abismo / para o abraço". Herculano tem chumbo no sangue e isso define sua alma tal qual o chumbo correndo pelas veias de sua Santo Amaro da Purificação.
 Katherine Funke

Não sei se a árvore da casa era "pé" de cajá, grumixama ou araçá... Só sei que o tempo de sonhar, de rir, de olhar pra trança da menina, de chutar as poças d’água foi quando a criança que morava na casa da árvore queria beijar a garotinha ruiva, navegar pra ilha de Robinson Crusoé e ter um badogue feito com forquilha de goiabeira pra derrubar o sariguê que queria comer os ovos do ninho de sofrê...
Boris Azevedo

Herculano é um fatalizado pelas setas da poesia As sombras do cotidiano assolam suas retinas, que, como negativos de filme, gravam o desaninhar das metáforas escondidas nas sombras do dia: “é tarde/ e todos os clichês estão no lugar”. É impossível sair ileso das veredas que constrói o poeta. 
Georgio Rios

A CASA DA ÁRVORE
Lançamento dia 05 de junho
ICBA - Salvador - BA
A partir das 18 horas
Entrada franca

segunda-feira, 19 de maio de 2014

HEROES

Acho que “Heroes”, de David Bowie, deve ser a canção mais utilizada na história recente do cinema e TV, vira-e-mexe, zapeando ou aguardando o final dos créditos enquanto os apressados se retiram da sessão, eu a escuto: desde episódios de “Os Simpsons” ou “Glee”, passando por bons filmes como “As Vantagens de ser Invisível” ou “A Enseada”, desastres como “Besouro Verde” e “Godzilla”, ufanismos como “O Grande Herói” e até o nosso “Praia do Futuro”, sem esquecer os comerciais da Pepsi e Coca-Cola. Se eu der um pulinho no IMDB, certamente encontrarei muito mais. Nas Olimpíadas de 2012 a delegação inglesa desfilou na abertura dos jogos ao som de “Heroes”, apelando para o suposto lado heroico do atleta. Nesse ritmo, não tardará a tomar o lugar de “We Are The Champions” do Queen na festa no pódio, afinal não basta ser campeão, tem que ser herói.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

COSTAS-NUAS

O longo vermelho, frente única, 
não esconde a melancolia da moça que retoca a maquiagem. Sozinha no banheiro.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

VERSOS EXCLUÍDOS

vers écartés


j’ai un penchant pour l’abîme
pour l’étreinte
je suis obsédé par les détails
par les regards
par les silences

je suis irrémédiablement insatisfait
négligemment franc
le meilleur ami de mes amis
le meilleur amant de mes tristes*

obsessionnel

j’ai un penchant pour les malheureux


* allusion au roman Mémoires de mes putains tristes
de Gabriel García Marquez



Herculano Neto
Tradução para o francês: Pedro Vianna



tenho vocação para o abismo
para o abraço
tenho fixação por detalhes
por olhares
por silêncios

sou irremediavelmente insatisfeito
displicentemente franco
o melhor amigo dos meus amigos
o melhor amante das minhas tristes

obsessivo

tenho vocação para infelizes


segunda-feira, 14 de abril de 2014

MATCH POINT

Eu queria ter uma carta na manga, uma carta marcada. Talvez ele estivesse blefando, talvez aquela frieza fizesse parte da estratégia. Antes de abrir a porta e sair ele ainda olhou para trás. Talvez o jogo não estivesse perdido, talvez eu tivesse mais alguma chance.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

QUERO SER PAULO CESAR PERÉIO

Não acreditei quando ele falou que atravessando o túnel eu entraria na mente de John Malkovich. Ele insistiu para que eu fosse, argumentou que a experiência era incrível, que na noite passada ele tinha vivido o que não vivera a vida inteira, que eu não iria me arrepender, que eu passaria a ver o mundo diferentemente, que eu encontraria minha essência (ou algo assim). Com o saco cheio de tanta persistência inútil, disse-lhe, segurando seu colarinho agressivamente:
    — Não quero ser John Malkovich! Quero ser Peréio, porra!

segunda-feira, 31 de março de 2014

LEIA NO VOLUME MÁXIMO

Questionado pelo parceiro e amigo Milton Primo sobre qual seria a trilha sonora para o meu próximo livro, preferi não citar apenas uma canção e preparei um verdadeiro setlist. Play enquanto o livro não vem.

01) Fuga nº 3 da Rua Nestor – Cícero
02) O Monstro do Armário – Nei Van Soria
03) Filho – Dado Villa-Lobos
04) Circo – Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta
05) Beatle George – Júpiter Apple
06) Taxi – Marcionílio
07) Noite Torta – Ney Matogrosso
08) Runaway – The National
09) Beleza de Ser – Tony Maro
10) Je T'aime Tant – Julie Delpy
11) Traumas – Roberto Carlos
12) Papel de Bandido – Marcelo Nova
13) Velho Pai – Dialética
14) A Volta de Xanduzinha – Jussara Silveira
15) Melhor – Wado
16) Come Share my Life – Legião Urbana

terça-feira, 18 de março de 2014

IMPUBLICÁVEL

Liv Ullmann

trago na cabeça
um poema tão doloroso
e injustificável
que jamais tentarei
colocar no papel

costumo cantarolar seus versos
numa melodia tristonha
quando estou sozinho
quando a chuva me apanha
na rua e não procuro abrigo
quando amanhece do outro
lado da minha cortina

esse poema é só meu

quinta-feira, 13 de março de 2014

BLACK IS BEAUTIFUL

Sei que não falta quem acha que é veneno, desentupidor de fossa, serial killer de lagartixas, urina de Satã, câncer liquido... Mas não consigo imaginar aquela feijoada de domingo ou um acarajé caprichado na pimenta sem uma neguinha, talvez por isso eu não entenda aquelas versões fantasiadas de Sprite que inventaram por aí (imagem acima). Agora a grande indústria promete investir numa tendência mundial: máquina de refrigerantes caseiros, o que resultaria em menos latinhas e garrafas no meio-ambiente, além do custo de fabricação e transporte. Esse mistério chamado futuro agradece.

sexta-feira, 7 de março de 2014

BINGO!

Tenho que perder essa mania de olhar para o fundo das tampinhas de refrigerantes, como se algum personagem Disney estivesse ali, me esperando.

terça-feira, 4 de março de 2014

UM GRITO NO MURO


 é inútil apontar
            as diferenças
é preciso buscar
            as semelhanças

a felicidade nos espera na intersecção

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CORAÇÃO DESAJEITADO



 

                                                      desordenando
                                     tropeçando
                                                                         esquecendo
                                                              confundindo

até o coração é desajeitado





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