sexta-feira, 22 de outubro de 2021

CONTÉM SPOILER IX

Aquela série que eu te falei

Em uma pequena cidade, daquelas em que todo mundo conhece todo mundo, uma detetive investiga um caso de desaparecimento enquanto tenta sobreviver às intempéries da sua vida pessoal. Falando assim parece apenas um enlatado policial genérico com cara de Supercine, Coca-Cola sem gás e pizza fria. Mas é o primeiro de tantos enganos que Mare of Easttown (minissérie da HBO) nos propicia. O roteiro nos convida para elucidar o mistério e sorrateiramente nos passa a perna com plots inusitados, mas orgânicos dentro da proposta, transformando nossos achismos, a cada esclarecimento, em irrelevantes deduções – ser ludibriado aqui é quase um prazer. A série só não nos engana quanto às suas reais intenções, desde o título está lá, Mare de Easttown é Marianne Sheehan: uma heroína pouco usual que não esconde seus defeitos, imperfeita como qualquer um de nós, uma pessoa tendo de lidar com questões íntimas que nem ela quer encarar, priorizando o trabalho à família e às relações amorosas, descuidando-se muitas vezes da aparência, acentuando rugas, cansaços. Uma personagem ranzinza e pessimista certamente não funcionaria se não fosse interpretada por uma atriz no seu auge como Kate Winslet, em um desempenho soberbo, tornando cativante uma protagonista que nas mãos erradas teria tudo para nos repelir. O texto e o elenco de apoio transcorrem perfeitamente, fazendo nos importar com os coadjuvantes de igual maneira, peças que ajudam a descortinar as camadas dessa mulher além do mero drama policial.

Descobrir quem é o culpado nunca foi tão desnecessário.
 
 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

VIRADA DE PÁGINA VIII

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Passados mais de cem anos ainda desperta interesse (e por que não dizer fascínio?) o mistério do feminicida comumente conhecido como Jack, Estripador. Filmes, livros, teses, documentários… o assunto parece ser inesgotável. Entre tantas possíveis teorias ou da conspiração, a verdade é que a identidade do afamado assassino permanecerá oculta eternamente. Em seu trabalho mais ambicioso, Alan Moore acolhe um dos mais controversos suspeitos (sir William Gull, médico da Coroa Britânica e maçom do mais alto escalão) para dissecar a Londres da Era Vitoriana com impressionante detalhismo em Do Inferno (From Hell). Personalidades, acontecimentos e lugares reais, tudo se amalgama à narrativa com perfeição. Leitura cativante, mas longe de ser fácil, requerendo, muitas vezes, um nível de atenção maior do leitor, não sendo raro ter que retornar algumas páginas ao longo do percurso para se situar com exatidão. Para quem ainda minimiza a relevância dos quadrinhos na literatura, fatalmente se assustará com o que Do Inferno oferece.

 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

SOCIAL DISTANCIAMENTO VIII

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda

(Março, 2021)


Observar e permitir ser observado faz parte do jogo nas mídias sociais. Mas como bons ilusionistas, acabamos chamando a atenção apenas para aquilo que queremos que seja visto, enquanto com a outra mão ocultamos o que convenientemente não consideramos interessante ser exposto. Quanto mais a gente olha, menos a gente vê. Assim, acompanhamos o início de um relacionamento amoroso como episódios de uma série na Netflix: as declarações, as viagens, os encontros, os tebetês. Uma curiosidade muitas vezes mórbida. Até que um dia a série é cancelada abruptamente, antes de concluir a temporada, restando a sensação de que perdemos algum episódio importante ou que dormimos durante a maratona. Sem espaço para lamentações, buscamos o próximo programa no catálogo. E a vida segue, pelo menos para alguns.

Sempre fui uma pessoa excessivamente discreta (admito sem nenhuma presunção), talvez por isso não me veja nessa vitrine virtual, além de ser um reles boomer ranzinza que inicia as frases com “no meu tempo” ou “antigamente”. Mas a verdade é que só de pensar em deletar todas as postagens, remover marcações, renomear perfil, cancelar curtidas, excluir comentários, alterar bio e deixar de seguir páginas e canais referentes ao casal me dá uma preguiça.





terça-feira, 5 de outubro de 2021

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO VIII

Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha

Dizem que quanto mais velho você fica mais afastado do palco durante os shows você se posiciona. Eu, que já me acotovelei na grade em festivais ou resisti sentado às botinadas no fosso da Concha Acústica do Teatro Castro Alves, só tendo a concordar. A ausência de algo muitas vezes se converte em resignado desinteresse, foi o que a pandemia e o isolamento social fizeram com minha vontade de frequentar lugares lotados. Acho que até antes desse inferno eu já mantinha estratégica distância de aglomerações nos eventos somada com uma localização confortável do bar. No entanto, gostaria de ainda assistir a uma apresentação dos Rolling Stones na pista, talvez eu até vibrasse com a multidão aos primeiros acordes do riff de “Satisfaction” (canção que dificilmente tocaria em alguma playlist minha) assim como vibrei com “Hey Jude” (outra canção que não toca no meu rádio) no show de Paul McCartney na Arena Fonte Nova.



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