domingo, 24 de dezembro de 2023

“FELIZ NATAL, SEU ANIMAL IMUNDO! E UM FELIZ ANO NOVO!”

  

Não estou aqui para te chamar de porco capitalista (acho que deixei meu espírito punk em alguma gaveta da memória) nem para fazer promessas que não cumprirei – mentiras sinceras não me interessam. Não me tornei mais altruísta e menos mesquinho nas últimas semanas, não fiz um balanço do que aconteceu no ano em minha vida, não pedi perdão pelo local de privilégio que ocupo na sociedade, não enviei uma mensagem de agradecimento no grupo da firma. Aqui estou sem contabilizar erros ou acertos. Entretanto, queria fazer um último pedido: gostaria de escrever sobre as mesmas coisas, do mesmo jeito, com o mesmo vocabulário, mesma embocadura, mesmos personagens. Algo que meus detratores denominarão como repetitivo e os meus admiradores chamarão de estilo. E se possível, também, gostaria de ser poupado da tarde/noite de lançamento, entrevistas de divulgação e postagem em rede social com centenas de “parabéns” na aba de comentários. Ah, e bloqueie quem postar “guarde o meu”.


Atenciosamente,

O Neto do Herculano

 

terça-feira, 14 de novembro de 2023

SOCIAL DISTANCIAMENTO FC

Compilar todo o material publicado digitalmente e lançar em livro físico é praticamente um clichê, dizem que inevitável como o Titã Louco. Um dia, ainda que postumamente, uma pessoa ou uma inteligência artificial, com a melhor das piores intenções, reuniria esses textos sem se preocupar se ficaram datados, se fazem sentido fora do contexto da época ou se necessitam de cansativas notas de rodapé com linques para o Wikipédia. Apenas me antecipei. Na verdade, minha única motivação foi somente receio do Google cancelar seu serviço de Blogger e eu ficar a ver navios, sem um backup pra chamar de meu (a página que você procurou não foi encontrada). No entanto, o que eu imaginava que seria um volume parrudo (afinal são mais de vinte anos de blogue) se resumiu a poucas páginas no arquivo do Word. Muitas postagens surfavam em temas da atualidade e acabaram envelhecendo mal pá caralho, desbotadas polaroids no fundo da gaveta. Outras tantas, apenas abordavam sem profundidade nenhuma discos, filmes e livros que eu tinha acabado de consumir em textos que nem eram resenhas críticas, simplesmente o entusiasmo de quem procurava alguém para conversar no momento e não encontrava – além de um monte de material de divulgação de eventos e aguardados lançamentos. No final houve bem mais descarte do que aproveitamento. E eu que estava preocupado com um constrangimento que não poderia ser editado ou excluído terei que esperar por mais duas décadas de blogue para ter conteúdo suficiente para gerar um livro com lombada, se ainda existirem livros com lombada.

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

10 COISAS QUE EU ODEIO EM VOCÊS

Sempre escutei que não gosto de gente. Durante muito tempo acatei essa sentença como uma excêntrica característica, mais uma para o meu extenso catálogo de idiossincrasias. E de tanto repetirem, comecei a acreditar – era algo irrefutável. Mas agora, na maturidade, compreendo que seguramente eu não desgosto, na verdade até estimo algumas pessoas. O que eu não gosto são determinadas peculiaridades, uma listagem que eu poderia ter apresentado na juventude, numa planilha do Excel, para aquelas que pretendiam ter algum grau da minha amizade e que eu acabei refutando sem elas nunca saberem o motivo. Pretendia enumerá-las abaixo (misteriosamente ainda mantive o título na postagem), mas desisti. Suspeito que não seria satisfatória e eu acabaria frequentemente retornando aqui para editar. Então, se algum dia você me achou frio e distante, quase indiferente, não me leve a sério. Talvez tenha sido apenas efeito daquela característica que eu não aprecio em você.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

NO ALICERCE DA ALEGRIA

Nunca penso no próximo texto a ser postado. Para mim o mais recente sempre será o último.  Imagino que permanecerá como uma espécie de despedida, um testamento. Os curiosos visitarão o blogue atrás de alguma mensagem subliminar, um mistério a ser desvendado. Fatalmente, encontrarão sentidos ocultos e farão dessas palavras meu epitáfio on-line, o último suspiro antes da extrema-unção. O que será que ele quis dizer? Será que já estava doente? Que fazia ideia do que aconteceria quando atravessasse a Avenida Manoel Dias às 16h de segunda-feira? Que sabia do "calibre do perigo"? Que não acordaria daquele sonho recorrente? Analisarão a imagem e o título inúmeras vezes em busca de alguém escondido nas sombras, um acrônimo ou palíndromo que a falta de paciência arqueológica não conseguiu decifrar. E se este for realmente o último? Ficará para a posteridade como um bilhete suicida? Uma premonição? Algum amigo músico enxergará versos nessas linhas e criará uma melodia triste, um réquiem? Talvez dê tempo de tocar durante a cerimônia de cremação. 

 

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XX

Os piores momentos da minha vida costumam ser reprisados incessantemente no streaming da memória. Acontecimentos há muito sepultados retornam como se nunca tivessem falecido, feito assombrações, como se tivessem ocorrido ontem. Consigo, inclusive, sentir a dor da queda. A cicatriz esquecida reabre ainda mais dolorosa, enquanto o sabor desagradável da derrota percorre minha boca. Os risos, os dedos apontados, os olhares de desaprovação e o escárnio estão todos no mesmo lugar: imóveis e imutáveis. Sei que tive meus instantes de glória, mas tudo parece desinteressante perto dos meus insucessos. No rádio do carro toca “Perdendo Dentes” do Pato Fu. Não poderia ser mais apropriado: As brigas que ganhei/ Nem um troféu/ Como lembrança/ Pra casa eu levei/ As brigas que perdi/ Estas sim/ Eu nunca esqueci. 

 


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

"A NOITE MAIS LINDA DO MUNDO"

Eu era feliz e sabia. A vida até parecia congelar, como em algum filme de Martin Scorsese, para ver minha alegria passar pela avenida como um samba popular, com direito à narração em off e trilha sonora. Não pretendo definir felicidade, nem sei se acredito realmente nela. Mas não era difícil perceber que os melhores dias da minha parca existência estavam acontecendo naquele momento, era impossível melhorar. Tudo que viesse depois seria ruínas, um spoiler engatilhado e apontado para minha cabeça. E eu aproveitei. Aproveitei como se realmente o mundo fosse acabar amanhã – ainda que fosse apenas o meu reles e insignificante mundo. Eu era feliz e sabia.


*Título extraído da canção homônima gravada por Odair José em 1974

terça-feira, 18 de julho de 2023

LÁPIDE DE PAPEL

Bóris costumava repetir que seria o último da galera a morrer. Gracejava dizendo que beberia nossos defuntos, que contaria as nossas mais vergonhosas aventuras no velório a cada lasquinê e que estaria sempre presente nos nossos túmulos (lendo algum poema ou maldizendo as novidades da estação enquanto envelhecia sem pressa). Como ficou fácil imaginar, Bóris não foi o derradeiro a morrer, também não foi o primeiro. Bóris viveu até à última ponta as dores e as delícias de ser o que era, o que sempre foi. Na reta final, já debilitado e envolto em arrependimentos, não abandonava sua verve crítica, sua mordacidade e passadismo declarado. Além disso, não abria mão de uma polêmica: adorava derrubar os argumentos alheios como um castelo de cartas ao vento. Era sua diversão. Nunca escondi que sair de Santo Amaro foi angustiante, muitos conterrâneos, por necessidade, tiveram que fazer o mesmo. No entanto, somente agora, compreendo que foi muito mais angustiante para quem decidiu permanecer, quem teve que enfrentar, dia após dia, todos os vazios da cidade. Curiosamente, os amigos que faleceram não partiram; talvez tenham cansado de ficar. 

***

Tenho um livro de contos inéditos na gaveta dedicado aos amigos que foram embora cedo demais. Infelizmente, amiúde, edito o arquivo para incluir um novo nome na dedicatória. Ainda não tive coragem de incluir o nome de Bóris nessa lápide.


segunda-feira, 10 de julho de 2023

A CONFRARIA DOS ZÉ BUCETA

Do antigo Complexo Escolar Polivalente de Santo Amaro ao Centro Educacional Teodoro Sampaio, sempre pertenci à turma dos nerds (muito antes do nerd ser considerado um cara legal), quando éramos apenas amigos condenados a brilhar academicamente e a falhar socialmente. No entanto, para os rapazes mais velhos e as garotas mais descoladas, não passávamos de donzelos devoradores de livros, “um bando de Zé Buceta”, como eles costumavam nos intitular. Na cultura pop Zé Buceta poderia ser invariável como Pokémon ou  Jedi, o singular soa muito mais forte. Poderia ser, inclusive, o nome de uma equipe de indivíduos super aprimorados publicada pela Jacuype Comics, defensores da biblioteca analógica e das vítimas de bullying no corredor. Em algum universo paralelo o Zé Buceta deve ser um indivíduo cobiçável, fascinante; repleto de mistérios, e não um pária, alguém a ser evitado. É possível que numa revisão histórica cuidadosa a expressão seja considerada machista, misógina, motivo suficiente para um cancelamento no Twitter.  Só sei que os Zé Buceta do Polivante e do Teodoro se espalharam pelo mundo (“cada um fez sua vida de forma diferente”¹), com frequência, relembramos alguma anedota do passado nos grupos de WhatsApp e rimos com emojis e stikers inusitados (“às vezes me pergunto: malditos ou inocentes?”).  


¹“Meus Bons Amigos” (Fernando Magalhães / Guto Goffi / Maurício Barros), canção do Barão Vermelho lançada em 1994



terça-feira, 30 de maio de 2023

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XIX

Sei que a nostalgia vende e, muitas vezes, é difícil escapar do seu apelo. Consumida, principalmente, por antigos jovens ávidos por dopamina, a nostalgia poderia ser um produto à venda nas melhores lojas do ramo (com campanha publicitária dirigida por Washington Olivetto e exibida na íntegra no intervalo do Fantástico). Poderia ser também a droga criada a partir das memórias do próprio usuário e atrelada ao seu DNA como na série Watchmen (2019). A nostalgia seduz, fascina, é um enigma já solucionado, é o que pejorativamente, e injustamente, chamam de zona de conforto. O show dos Titãs com sua formação clássica, e um repertório que com inevitáveis exceções vai do debut de 1984 até o controverso e maravilhoso álbum de 1991, é nostalgia pura, é saudade do que não vivi. Sempre afirmei que a banda deveria ter encerrado as atividades após o Acústico MTV (1997), que para o bem e para o mal definiu o template usado à risca pelos artistas seguintes. No entanto, prosseguiram colecionando erros e acertos ao gosto do freguês – mesmo que fosse um freguês nostálgico. 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

INCÊNDIOS

O escritor Mayrant Gallo, que havia abandonado as publicações por motivos que se convergem com os meus, lançou um novo livro após sete anos: fragmentos da memória que causariam frenesi em Sundance se fosse adaptado pela escocesa Charlotte Wells. Frequentemente me perguntam quando será o meu próximo lançamento literário. Ainda que eu não publique nada há quase dez anos, gosto de imaginar que seja algum tipo de gentileza, dar a entender que se importa, ir além das impressões céleres sobre previsão do tempo ou os derrotados da rodada antes da porta do elevador se abrir. Poderia limpar minhas gavetas e tentar publicar, embora eu saiba que nenhum editor aceitaria não incluir foto na orelha ou que eu não participasse da noite de autógrafos, feiras literárias, nem desse entrevistas e não compartilhasse posts de divulgação em redes sociais. Confesso que às vezes sinto vontade de parar de corrigir meus rascunhos e publicar novamente, uma espécie de calor, quase uma centelha, algo que dificilmente se tornaria um incêndio. 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

O DELICADO SOM DO TROVÃO

O plec plec é infernal. Todo possível silêncio do escritório é substituído pelo baticum raivoso dos colegas em seus teclados, como se descarregassem toda frustração acumulada durante a vida no pobre acessório. Tento escapar desse martírio aumentando o volume dos fones, o aparelho celular imediatamente alerta para o risco: desconsidero. Ainda assim é difícil evitar, de Pink Floyd a Alice Chains toda canção parece estacionada no ratatatá de “Era um Garoto que Como eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”. Resolvo levantar e arejar um pouco, eles nem percebem. Estão cada vez mais automatizados, mais máquinas do que a própria máquina. Quando retorno o ensaio do pracatum continua, procuro me policiar, analisar se não sou parte daquilo que tanto critico. Abro um documento aleatoriamente digitando com tranquilidade os comandos. Tudo certo, nenhum erro, embora pareça que está faltando algo. Repito a movimentação, dessa vez com um pouco mais de inquietação. Melhorou, mas ainda não foi o bastante. De repente, me sinto como nas antigas animações do Pateta – quase consigo interagir com o professoral narrador em off. Novamente, agora com mais velocidade e força. Ataco as teclas com fúria no intuito de me livrar definitivamente do barulho que tanto me desassossegava. Mantenho a intensidade. Em um raro momento de calmaria percebo que o plec plec no local é apenas meu, de mais ninguém. Sou o dono do silêncio que me roubaram.

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

UMA CANÇÃO PARA LYDIA TÁR

Onde reside o limite da minha tolerância? Faço essa pergunta com o perfil de um compositor aberto no Spotify, observando a lista das suas músicas, recordando como foram importantes aquelas faixas em momentos diferentes da minha existência, sem saber ainda se suas posições políticas e os acontecimentos da sua vida pessoal interferem tanto nas minhas convicções que não  posso clicar no play e ouvir suas canções indiscriminadamente, com quase nenhum peso na consciência. Será que devo fazer como minha mãe que, no melhor estilo Flávio Cavalcanti, destruiu um LP de Lindomar Castilho e atirou os pedaços no lixo em algum ponto traumático da minha infância na casa alugada da Avenida João Soldado. E a mera inocência não me exime de culpa? Jamais ter identificado em sua obra os elementos que o desabonam agora não me absolve no tribunal do Feicebuque? Se eu compartilhar no Instagram o que estou escutando serei cancelado por não cancelar? Alguém menos íntimo aparecerá na DM para me dar uma lição que não pedi exigindo empatia e solidariedade? Serei acusado de “corporativista”, “passador de pano” e “isentão”? Poderei não misturar a arte com o artista e conviver naturalmente com essa justificativa? Onde reside o limite da minha tolerância?


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

"SÓ QUE ESTE ANO O VERÃO ACABOU CEDO DEMAIS"

Três grandes amigos morreram em momentos diferentes e em circunstancias diferentes, havendo em comum apenas uma espécie de enfado, um cansaço por levar a vida e não o contrário como apregoa animadamente o cancioneiro popular. Frequentemente sonho com eles (se eu fosse religioso faria uma oração ou encontraria algum tipo de significado místico), talvez seja somente saudade ou o meu subconsciente fazendo questão de avisar que a morte nunca esteve tão perto de mim. Sei que depois de morto todo mundo é sua melhor versão. Nas rodas de conversas são exaltadas somente suas qualidades, seu altruísmo, a mão amiga que ajudou quando você mais precisava. São contadas as histórias mais divertidas, quase anedotas (lembra daquela vez que...?!).  Todos riem. Até alguém lamentar, próximo do murmúrio, que ele fará falta. E todos concordarem calados. Assim como Renato Russo em “Love In The Afternoon”, continuo me surpreendendo com pessoas boas que vão embora cedo demais, é inevitável. Evidentemente, não morrerei jovem,  há muito perdi o acesso ao clube dos 27. No meu funeral também não existirá  anedotas, causos curiosos ou exemplos de benevolência. No máximo alguém dirá que o defunto era um cara na dele, que nunca fez bem nem mal a ninguém. Poderia ser meu epitáfio.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

"A CRUEL BARBÁRIE DA ÓPTICA E DESIGN"

Acabei de completar vinte anos de serviço público não, não confunda com alguma notificação do feicebuque informando os aniversariantes do dia, a última coisa que precisaria agora seria um parabéns genérico. Duas décadas realizando as mesmíssimas funções de escritório não merece felicitações. Quando comecei, no verão de 2003, imaginava que seria temporário, que estava simplesmente passando uma chuva, que aquilo definitivamente não era para mim. Com a mala carregada de quimeras aos poucos fui descarregando o peso dos meus sonhos pelo caminho e não muito, ou quase nada, sobrou. De repente, talvez não tão de repente assim, deixei os receios, as obrigações e os cansaços ocuparem cada vez mais os espaços da minha existência. Nos últimos anos, sem ter que viver duas vidas no mesmo dia (o personagem servidor X personagem escritor) devido ao lockdown imposto pela pandemia, me dei conta que o meu expediente nunca foi divertido como um episódio de The Office, apenas angustiante como uma temporada de Ruptura.

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