segunda-feira, 27 de setembro de 2021

VIRADA DE PÁGINA VII

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Coincidentemente as três últimas HQs que li possuem algum tipo de “espera” no título: “NÃO ERA VOCÊ QUE EU ESPERAVA”, “A ESPERA” e “EI, ESPERA”. Além das designações (e as “esperas” em tons de azul nas capas) são trabalhos densos, reflexivos, humanos e absolutamente possíveis. Em “Não Era Você Que Eu Esperava”, do francês Fabien Toulmé, acompanhamos as dúvidas e temores de um pai (o próprio autor) de uma criança com Síndrome de Down. Sem apelar para sentimentalismos ou romantizar demais a questão, temos um relato honesto que vai do “luto” à aceitação. No manhwa “A Espera”, somos apresentados a uma mãe que anseia reencontrar o filho, separados na Guerra da Coreia, após setenta anos. Da premiada sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim – autora de “Grama” sobre as coreanas escravizadas pelo exército Imperial japonês para servirem de (desculpe o eufemismo canalha) “mulheres de conforto” durante a Segunda Grande Guerra. Já em “Ei, Espera”, do norueguês Jason, um evento trágico ainda na infância perseguirá o protagonista por toda sua vida. Apesar de utilizar personagens antropomórficos para ilustrar sua narrativa, a melancolia será um elemento presente em boa parte da publicação. Um soco no estômago é um clichê que não consegui evitar. Lamento pelos leitores, e não são poucos os que eu conheço, que consideram o formato em quadrinhos algo inferior ou até mesmo infantil. Estão se privando de uma experiência espetacular com essas três obras. 


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

CONTÉM SPOILER VIII

Aquele filme que eu te falei

Sci-fi, filosofia, quadrinhos, animes, religião, artes marciais, mitologia, cyberpunk, distopia, tecnologia, sociedade, Lewis Carroll, cinema de Hong Kong... São diversos os temas abordados em Matrix (1999), – o que nos possibilita, sem exagero, atentar para novas camadas em qualquer reexibição. Não é difícil, inclusive, traçar paralelos com a nossa realidade (realidade?), manipulados por algoritmos e cada vez mais dependentes das máquinas (como também não é difícil conhecer alguém que acredita que vivemos em uma Matrix). Revendo tudo agora, o filme original e alguns episódios de Animatrix (2003) permanecem irrepreensíveis, já as continuações (Reloaded e Revolutions) absolutamente evitáveis. Lastimo apenas que os executivos conservadores da Warner tenham recusado a ideia de Switch, personagem interpretada pela australiana Belinda McClory, possuir gêneros diferentes dentro e fora da Matrix, uma alegoria clara sobre aceitação da própria identidade, creio que hoje ela seria tão referenciada pela cultura pop quanto o triunvirato formado por Neo, Trinity e Morpheus.

Siga o coelho vermelho! 


segunda-feira, 13 de setembro de 2021

SOCIAL DISTANCIAMENTO VII

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda

(Janeiro, 2021)

De repente alguém pressionou “continue” e o jogo prosseguiu, melancolicamente.
“Nothing changes on New Year's Day”.



(Fevereiro, 2021)

Amigo coach, lembro que você afirmou naquela laive que falta de tempo não é desculpa, que o tempo é a gente quem faz (mesmo que o tempo não exista) e que basta a gente querer (querer é realmente poder, amigo coach?), que é possível ser feliz (felicidade foi o tema de outra laive, eu sei), que é imprescindível ter hábitos saudáveis, sucesso profissional, praticar exercícios físicos com regularidade, manter uma boa alimentação, ser o amigão da vizinhança, participar de projetos sociais, conservar a casa organizada e a despensa em dia, viver seu relacionamento amoroso intensamente, viajar, frequentar lugares agradáveis, ser politicamente engajado, cuidar da família, levar o cachorro para passear, cultivar algum hobby, maratonar aquela série que estão todos comentando, ser bem informado e nem um pouco alienado, ter vida social, continuar estudando, ser vaidoso e não deixar de se amar, se preocupar com o outro e com a natureza, ler alguns capítulos daquele livro antes de dormir e, principalmente, se preservar mentalmente equilibrado, em paz consigo e com o mundo. 

Amigo coach, sinceramente, mas prefiro fazer escolhas e conviver bem com elas, sem obrigações ou esse sentimento de fracasso que você assegura que ocorrerá ao final do dia se eu não tiver riscado todas as atividades que listei na agenda no começo da manhã. A areia da ampulheta já é bastante cruel, amigo coach, não seja cruel também.

 

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

VIRADA DE PÁGINA VI

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Na era dos “cancelamentos”, da bem-vinda desmitificação dos ídolos, em que qualquer deslize ético, legal, moral ou até mesmo divergência ideológica é suficiente para ser banido das prateleiras, dos serviços de streaming, da memória afetiva, do feed do Instagram, uma figura controversa feito o Batman consegue sobreviver sendo um dos maiores símbolos da cultura pop, alvo constante de campanhas que acusam o playboy milionário de tentar resolver os seus  traumas violentamente, com métodos questionáveis, em sua desajustada galeria de vilões – tornando-se, muitas vezes, mais psicopata que o maior dos prisioneiros do Asilo Arkham. Mas o Cavaleiro das Trevas é mais do que isso. Em Batman: Ego (escrita e ilustrada por Darwin Cooke, certamente uma das melhores histórias do personagem), a batalha é travada longe de planos maquiavélicos, vilões megalomaníacos ou sobrenaturais, após um incidente que fará o Homem-Morcego questionar a necessidade de um vigilante mascarado no combate ao crime, teremos um duelo psicológico entre o id e o superego. Em apenas sessenta páginas os holofotes focarão apenas em Bruce e Batman, o debate entre essas duas personalidades distintas, quase como uma peça teatral, trará memórias, feridas, dores e medos à tona. Revelando, para quem ainda não tinha percebido, que o seu maior adversário em pouco mais de oitenta anos sempre foi ele mesmo.

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