domingo, 30 de janeiro de 2022

VIRADA DE PÁGINA XI

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Sabia da existência, porém nunca tinha dado a merecida atenção aos gibitúberes que fazem a leitura das HQs na Internet como voluntários em um grupo de apoio, para mim era absolutamente indiferente. No entanto, recentemente, tenho notado o crescente número de canais que prestam esse serviço essencial de acessibilidade. Substituir a leitura, a experiência entre o texto e arte, pela voz insípida de alguém lendo enquanto folheia as páginas é sensacional. É praticamente a atualização das rádios novelas que minha vó tanto apreciava. Por que cargas d’água ninguém pensara nisso antes? Com o preço abusivo das publicações praticado pelas editoras no Brasil como poderíamos participar do hype do momento se não fosse por esses abnegados caçadores de laiques? Sempre é bom lembrar que nem todo herói usa capa. Não tenho receio de afirmar que essa é a maior criação desde o scan em pdf, afinal por que baixar ilegalmente e ter o desconforto de ler se basta apertar o play? E em 2X. Acho que deixarei de ler quadrinhos também e quem sabe até me tornar um gibituber monetizado sorrindo numa thumb maneira.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

SOCIAL DISTANCIAMENTO XII

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda

(Outubro, 2021)

Caetano Veloso costuma dizer que não queria ter saído de Santo Amaro, é natural duvidar dele. Para quem é obrigado, pelas circunstâncias, a sair do interior sabe que essa frase é impregnada de verdades. Do mesmo modo eu não queria de ter saído, mas todas as minhas tentativas de ficar deram n’água. História semelhante se repetiu com meus amigos, praticamente todos partiram também. Há os que conseguiram permanecer (ou não conseguiram sair). Acredito que ficar seja mais doloroso do que ir embora, caminhar pelas ruas em que morávamos, lugares em que nos encontrávamos, e saber que não estaremos ali, apenas lembranças como fantasmas tentando nos assombrar, não deve ser fácil. Minhas escolhas acabaram me levando para longe da cidade, gosto de imaginar que em uma realidade alternativa, onde fiz outras escolhas na vida, eu ainda more lá.



(Novembro, 2021)

Grupos de aplicativos de conversas não aproximam ninguém, neles eu sinto meus conhecidos cada vez mais estranhos, cada vez mais distantes. Quase todas as minhas amizades pertencem à minha infância/juventude, poucas pessoas, muito poucas realmente, conseguiram furar essa bolha. Algumas, inclusive, já começaram a morrer. Temo ter entrado em uma fase da existência que seja comum ir a funerais, uma fase feita mais de despedidas do que reencontros. 

 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XI

Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha

Outra questão banal comumente abordada é qual o seu beatle preferido (em um modo avançado de conversação a trivialidade pode avançar para qual seria o seu álbum preferido dos Beatles), minha resposta sempre foi George Harrison – não consigo recordar se algum dia foi os óculos do John ou o olhar do Paul –, me identificava com seu jeito mais retraído, sua elegância como músico, suas composições e vocais. Uma resposta provável também poderia ser o boa-praça Ringo Starr, mas esse eu deixo para Marge Simpson. Após assistir à série documental “The Beatles: Get Back” minha admiração por George apenas aumentou. É fascinante a genialidade obsessiva de McCartney buscando, e alcançando, resultados espetaculares – beira o surreal. E o que dizer da participação mágica (não, não encontrei outra palavra) do pianista Billy Preston? No entanto, a maneira como Harrison é tratado por seus companheiros de banda e a forma extrema que ele é obrigado a lidar com a situação somente reafirmou meu carinho por ele.

“I Me Mine”

***

Ah, e se o Quiz prosseguisse para qual único disco eu levaria para uma ilha deserta, certamente seria “All Things Must Pass” – a escolha de um vinil triplo seria trapacear?

 


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

CONTÉM SPOILER XI

Aquele filme que eu te falei

 

Desde que vi “007 a Serviço Secreto de Sua Majestade” (On Her Majesty's Secret Service, 1969), George Lazenby se tornou minha usual resposta para a questão sobre qual seria meu James Bond preferido. Lazenby teve a incumbência de substituir Sean Connery e terminou protagonizando apenas um longa-metragem como o espião inglês. Não é incomum em matérias sobre 007 o seu nome sequer ser lembrado. Minha preferência tinha aparência de contrariar apenas para não ser igual, mas eu realmente gostava bastante do filme – ainda o meu favorito. Hoje eu sei que é cultuado por vários admiradores da série. O ator australiano incorporou um personagem que se aproximava da criação de Ian Fleming, um agente secreto em início de carreira, muitas vezes inseguro, passível de erros, mais humano e verossímil – uma versão bem diferente da deixada por seu antecessor. Em determinado momento ele chega a quebrar a quarta parede para nos dizer, ironicamente, que isso jamais aconteceria com o outro cara. A conclusão do filme é surpreendente e perturbadora, com sua amada sendo assassinada na estrada logo após se casarem, interrompendo abruptamente o que caminhava para um final feliz. Essa cena é aludida no mais recente título da franquia, “Sem Tempo Para Morrer” (No Time to Die, 2021), com o Bond de Daniel Craig dirigindo pela costa da Itália ao lado de Madeleine (Léa Seydoux), e com a belissíma “We Have All the Time in the World”, tema da obra de 1969, sendo referenciada no diálogo e em um arranjo instrumental no começo do filme – prenunciando, para os mais atentos, que esse romance também poderia não acabar bem. Nos créditos finais a canção retorna, dessa vez em sua versão original com a emocionante interpretação de Louis Armstrong, já debilitado devido a problemas renais e cardíacos. Não poderia haver melhor composição para simbolizar uma despedida.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

SOCIAL DISTANCIAMENTO XI

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda


(Julho, 2021)

Há coisas que implico de graça, idiossincrasias que fazem de mim esse velho casmurro sem par nem futuro. Já superei o “gratidão” no lugar do “obrigado”, apenas não utilizo. No entanto, creio que dificilmente poderei superar o “já deu tudo certo”, uma espécie de spoiler dos males momentâneos, uma frase mágica mais eficaz que Dipirona. É possível que essa implicância seja reflexo da minha ausência de religiosidade, não tenho certeza, mas não me diga isso.



(Agosto, 2021)

Há coisas que implico com algum custo, não comemorar aniversários e ainda assim ter que ser gentil com quem vem me parabenizar já faz parte do pacote que me aguarda anualmente, não contesto. Possuo sentenças padronizadas de agradecimento que distribuo no piloto automático. Recentemente deram para me felicitar com um tal de “feliz novo ciclo que se inicia”, com pequenas variações. Não sei bem o que isso significa, para essa frase ainda não tenho respostas prontas. Só sei que o mundo seria perfeito se a cada 365 dias fôssemos restaurados, reinicializados ou simplesmente atualizados e um novo ciclo realmente começasse.



(Setembro, 2021)

Há coisas que implico com muito custo, ser avaliado pelo número de seguidores nas redes sociais é uma delas. Vejo na programação das feiras literárias autores que são saudados por possuírem mais de um milhão de seguidores no Instagram, seguidores é a nova forma de medir um best-seller. Fenômeno semelhante ocorre nos programas de auditórios na TV (sim, eles ainda existem), quando uma atração é celebrada pelo número de visualizações no YouTube e não por discos vendidos (sim, eles também ainda existem). Já disse que sou um velho casmurro, algumas coisas me escapam, confesso; outras, deixo escapar. 


terça-feira, 4 de janeiro de 2022

VIRADA DE PÁGINA X

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Em uma manhã, numa banca de jornais – um hábito cultivado desde a infância que infortunadamente se dissipou –, me deparei com uma revista do Homem-Aranha Superior em que o  corpo do herói era “habitado” por Otto Octavius, um dos seus maiores inimigos. Minha primeira reação foi maldizer contra quem escrevera aquele disparate, é possível também que eu tenha expressado aos ouvidos do jornaleiro um retórico “onde vamos parar”. Alguns anos adiante, mais maduro e menos adepto do “não li e não gostei”, quando as edições foram encadernadas e relançadas, resolvi dar uma chance para a tal série aracnídea – não oculto que o cupom promocional ajudou a tomar essa decisão. E não é que tive que dar o braço a torcer, quando, finalmente, entendi a definição do “superior” no título. Eu que já vinha descontente com o Aranha e o seu exagerado código moral, chegando ao ponto de não salvar o mundo (eu disse: NÃO SALVAR O MUNDO), como vimos na saga “Ilha das Aranhas”, por exemplo; encontrei na publicação tudo que esperávamos, e sabíamos, que Peter Parker poderia realizar. Na pele do seu nêmesis, Otto conseguiu um doutorado, criou uma empresa de tecnologia avançada, se tornou respeitado até mesmo pelo prefeito de NY, ninguém menos do que John Jonah Jameson. Em combate passou a ser mais objetivo, pra não dizer violento, com pouco tempo para piadinhas e fazendo uso prático dos seus avanços tecnológicos. Aprecio, inclusive, seu interesse amoroso, a jovem cientista Anna Maria Marconi, alguém diametralmente distante do estereótipo de supermodelo. Há quem, como eu naquela manhã, deteste essa fase do Cabeça de Teia, talvez falte apenas a boa vontade de dar uma chance ou uma oferta imperdível na Amazon.

sábado, 1 de janeiro de 2022

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO X

Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha

Alguns clássicos do reggae, automaticamente, conseguem me transportar a um período específico da minha infância – uma época em que a vida, definitivamente, parecia ser mais simples. Não pretendo, novamente, soar nostálgico, não é esse o propósito, até porque hoje eu sei que a vida não era tão simples assim.



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