segunda-feira, 29 de agosto de 2011

(...)

Acho que foi num filme que ouvi alguém dizer que os pais dos outros sempre aparentam ser melhores do que os nossos, mas que os nossos avós são melhores do que os avós de qualquer outra pessoa. Não sei até onde isso é verdade. O esforço dos meus pais era evidente, eu que não estava disposta a posar de filha querida, orgulho da família, embora o decadente rótulo de ovelha negra também não me caísse bem (...) Meus únicos avós, por parte de mãe, tinham dezenas de netos, e outros tantos bisnetos, e nunca pareceram muito interessados em mim. Imagino que nem o meu nome eles sabiam exatamente (...) Papai era um homem irritantemente tranquilo, que evitava demonstrar suas emoções - se estava alegre, se estava triste, impossível saber. Todos aqueles sentimentos, que eu imaginava estarem submersos, jamais vieram à tona. Nem o Alzheimer  tirou a placidez de sua face (...) Não me senti culpada quando minha mãe nos abandonou, há tempos que eu percebia sua mudança de comportamento: sua euforia, seus silêncios, seus porres. “Se eu pudesse eu te levaria comigo” era a pior frase que ela poderia me dizer.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

POR QUE EU NÃO CONSIGO GOSTAR DO UFC?

         UFC (Ultimate Fighting Championship) é um torneio de artes marciais mistas, mais conhecido pela sigla em inglês MMA, uma sensação mundial que caminha para algo além do simples fenômeno de entretenimento. Há quem diga que em breve será, se já não for, o segundo esporte mais popular do Brasil (o que deve explicar a presença de Felipe Melo na última Copa do Mundo de futebol).
          90% do tempo que desperdiço na frente da TV é dedicado à programação esportiva (até de rugby eu gosto), no entanto não consigo simpatizar com o UFC. Já tentei, juro. Cheguei a gravar um documentário onde apresentavam a história, as regras, os ídolos, mas me distraí completamente quando começaram a falar sobre o octógono: imediatamente passei a recordar a professora Yêda, no antigo Polivalente de Santo Amaro, e os seus enormes compassos e esquadros de madeira constantemente sujos com pó de giz. Outro dia, fui parar num bar onde exibiam as lutas no canal de pay per view, e a atenção e gritaria dos homens, e também das mulheres, eram impressionantes. Não direi que assemelhava-se à plateia das arenas que assistia entusiasmada à barbárie dos gladiadores porque nunca estive na Roma Antiga (não que eu me lembre), mas já vi algo similar nas rinhas de galos. Pedi um Campari e uma soda, com muita dificuldade, e fui embora pouco depois.
          Todo esse interesse parece, simbolicamente, querer resgatar a masculinidade perdida nas últimas décadas, num exemplo máximo de virilidade (mesmo que meu preconceito não compreenda como sendo muito másculo, e hétero, dois musculosos se agarrando). Se era para reunir um grupo de homens urrando e bebendo cerveja, melhor seria colocar duas turbinadas usando biquíni e lutando num tablado de lama, mas não seria suficiente, faltaria testosterona, reduziria o esporte a mero fetiche.
          Não quero posar de moralista, de ofendido, que considera o evento muito violento e deseducador. Imagino que a essa altura alguém já deve ter pensado que violento são os noticiários policiais, o trânsito, o centro da cidade, o dia... Sei que o UFC possui regras seguras para os seus praticantes e que qualquer partida do campeonato brasileiro de futebol é muito mais perigosa para os jogadores (e para a torcida), só que como modalidade esportiva não me seduz. Conheço esotéricos, intelectuais, feministas, homossexuais e evangélicos que adoram esse esporte, por que não eu? Será por que eu não brincava de lutar durante a infância? Por que eu sofria bullying? Por que eu desprezava os filmes de ação que ainda hoje fazem sucesso, embora a maioria estreie diretamente em home vídeo? Por que eu sou metido a besta? Na verdade, não sei porque não gosto do UFC, talvez seja simplesmente ciúme: quando esse assunto chega à mesa do bar todos se animam e a conversa se torna monotemática; sobrepondo-se, inclusive, à vida alheia, futebol, mulheres e política (nessa ordem). O que me deixa silenciosamente deslocado.
          O próximo sábado poderia ser uma boa oportunidade para eu me transformar no mais novo entusiasta das artes marciais mistas, porém prefiro não arriscar, provavelmente haverá alguma reprise do Bob Esponja em outro canal.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

30 ANOS SEM GLAUBER

Curiosamente, ou estranhamente, conheço mais pessoas que não apreciam a obra de Glauber Rocha do que o contrário. Parece um clichê às avessas: afirmar que não “curte Glauber” parece soar legal, incomum, foge dos estereótipos, demonstra identidade própria – o que não passa de uma grande bobagem. Sei que a obra dele não é de fácil digestão, mas se permitir é se deparar com uma cinematografia envolvente, provocativa, subversiva, brasileira. Não gostar do trabalho de Glauber é não gostar do neo-realismo,  é não gostar da Nouvelle Vague. Não gostar de Glauber é não gostar de cinema.
          Na arte que Humberto Vellame criou em 2008 para a capa do meu livro CINEMA, Prêmio Braskem de Literatura, ele utilizou, entre outras imagens, a emblemática figura do Corisco de Othon Bastos em DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, algo que muito me alegrou.  No mesmo ano, compareci à reinauguração do histórico Cine Glauber Rocha, na Praça Castro Alves (antigo Cine Guarany, fundado em 1919), para assistir à versão restaurada do clássico O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO, primeiro longa-metragem colorido do diretor, e a oportunidade de ver um filme dele numa sala de cinema me seduziu ainda mais. Este, provavelmente, o seu trabalho que mais se aproxima do grande público. Trazendo como protagonista Antônio das Mortes (nome pelo qual o filme é conhecido internacionalmente), personagem mais popular de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, uma espécie de caçador de recompensas, responsável  pela morte do cangaceiro Lampião e que aceita a proposta de combater um bando de jagunços, numa mistura de cordel, ópera e western norte-americano. O filme rendeu a Glauber o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes (a imagem que ilustra esta postagem é uma reprodução da capa da revista Veja, de 28 de maio de 1969, que celebra a conquista do cineasta brasileiro). Mas devido aos ditames do governo militar, Glauber só voltaria a dirigir novamente no Brasil dez anos depois.
          Morando no centro da capital da Bahia, trafego pelos mesmos lugares que Glauber Rocha um dia caminhou, imagino sua presença nas calçadas dos Barris, nas praças e nos antigos bares da cidade. E se hoje Salvador é outra, a importância dele nos nossos dias não seria diferente, Glauber ainda seria uma personalidade instigante, questionadora. Certamente.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

(...)

         Derrubei todas as carreiras pensando em você: por amor, angústia, indiferença ou qualquer bobagem assim (cinco gramas de paixão e fúria). Derrubei todas as cartas do meu castelo de mágoas pensando nos nossos planos: por impaciência, imprudência ou desespero (no meu jogo limpo, nenhuma carta escondida, nenhum truque, nenhum blefe. Nada). Derrubei meus preconceitos, minhas lógicas. Derrubei os meus muros, os meus mitos.  Por você, derrubei meu próprio rei. 
          Perto de você qualquer certeza é relativa, tudo é muito pouco, tudo é precipício.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

ELVIS NÃO MORREU

        Basileia, 1983.
        Os últimos anos de investigação me levaram àquele chalé. No início, encarei como mais um extravagante trabalho, depois se tornou quase obsessivo. Os contratantes me dispensaram ainda nos primeiros meses, alegaram que estavam convencidos de que ele realmente tinha morrido. Mas eu quis continuar por conta própria, era pessoal.
        Quando eu adentrei o salão, decorado com antigos quadros, ele estava sentado na poltrona, de frente para a lareira - parecia muito mais gordo do que em sua última aparição. Sem olhar para mim, ele falou num tom de voz tranquilo e extremamente grave:
        — Creio que você sabe que não poderá sair daqui.
        — Sei, mas isso é o que menos importa.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

THE NATIONAL - RUNAWAY

         O vídeo abaixo é um produção em stop motion realizada pela holandesa SOPHIE VAN DER BURG utilizando parte da canção “Runaway”, da banda americana The National.
         Provavelmente, “Runaway” foi a canção que mais me afetou no último ano, presente sempre em momentos delicados e reflexivos, talvez por isso ela tenha ficado algum tempo "esquecida". No entanto, durante uma dessas viagens melancólicas que amiúde faço para o meu torrão natal, fui surpreendido pelo modo aleatório do tocador de MP3, exatamente quando eu rememorava um desses momentos.
          Ironias da vida: “But I won't be no runaway, cause I won't run.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

POEMA INÉDITO V

recebi o coração de Alice num dezembro
embrulhado com plástico bolha
dentro de uma caixa que dizia:
CUIDADO, FRAGIL! ESTE LADO PARA CIMA

o coração de Alice era pequeno
do tamanho de uma romã
do tamanho de uma alegria

no coração de Alice não cabia o Universo
o coração de Alice era somente
bairro e quermesse

o coração de Alice estragou no dezembro seguinte
pouco depois de eu ter recebido
uma nova caixa

o coração de Alice é saudade


Herculano Neto

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A BELA TRISTEZA DE LÉA SEYDOUX

        Curiosamente, muitos comentários recebidos pela série FRAGMENTOS DE UM ROMANCE QUE NUNCA EXISTIU faziam referência à modelo que ilustrava as postagens: a atriz francesa Léa Seydoux. Não me incomodou o fato dela ter chamado mais atenção do que os textos, taí uma disputa que eu não fazia a menor questão de vencer.
        Sempre quis utilizar (e ainda quero) a imagem de Lauren Bacall no blogue, mas para esse universo essencialmente urbano, melancólico e reflexivo, tão agora, uma diva noir, uma femme fatale, não seria muito adequado. Léa Seydoux não foi uma escolha premeditada, aconteceu naturalmente. Gosto da empatia que ela tem com as câmeras, de não parecer que é feita de plástico, inatingível, de parecer com alguém que realmente existe, com todos os seus dramas e alegrias.
         Considero belíssima a sua tristeza.
        Léa Seydoux se destacou no filme A BELA JUNIE (La Belle Personne, 2008) de Christophe Honoré, onde interpretou a enigmática personagem título que despertava o interesse do seu professor, Louis Garrel. No ano seguinte, participou da produção de Quentin Tarantino, BASTARDOS INGLÓRIOS, na extraordinária sequência de abertura, ao lado de Christoph Waltz. Atuou, também, em ROBIN HOOD, de Ridley Scott e este ano encantou em MEIA-NOITE EM PARIS, de Woody Allen, interpretando a doce Gabrielle. Em breve, marcará presença no novo MISSÃO: IMPOSSÍVEL (Ghost Protocol), quando, certamente, ganhará um número ainda maior de admiradores.
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