quinta-feira, 21 de julho de 2022

SOCIAL DISTANCIAMENTO XX

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda

(Julho, 2022)

Publiquei em 2012 SALVADOR ABAIXO DE ZERO, um volume de breves contos sobre uma soterópolis suja, insalubre, nada solar, que não aparece no cartão-postal. Certamente, o trabalho que mais gostei de realizar, além de ter alcançado um resultado autoral satisfatório e com inesperada repercussão, simultaneamente me afastava daquela roupa de poeta que nunca me coube muito bem. Entusiasmado, decidi produzir contos de maior fôlego apresentando protagonistas absolutamente escrotos que, feito Marco Aurélio em “Vale Tudo”, escapavam impunes na conclusão. Eram agentes do antigo DOPS inconformados com os rumos do país, carlistas saudosos de um verão mais truculento, xenófobos, homofóbicos, conservadores hipócritas, neonazistas, feminicidas, milicianos, corruptores, entre outros elementos repulsivos. Apesar da temática, tudo era abordado com bastante humor ácido, crítico; parecia ser, naquele momento, uma continuação natural da obra anterior e não um prenúncio de tempos sombrios. A cada revisão e reorganização da ordem dos textos o conjunto ganhava um novo título, “EU NÃO SOU UM BOM LUGAR”, um empréstimo de uma canção dos Titãs, fora o que mais resistiu às impressões e encadernações na papelaria, sendo, inclusive, finalista de alguns prêmios literários – o que me iludiu ao ponto de esperar por “uma oportunidade melhor” de publicação, com isso fui protelando e consequentemente perdendo o trem da história. Na época, o cidadão que seria eleito democraticamente presidente em 2018 através do sistema de urnas eletrônicas não era alguém a ser levado a sério e os personagens nocivos do livro, para mim, eram apenas caricaturas, uma fotografia desbotada de um mundo que eu acreditava não existir mais. Quanta ingenuidade. Inicialmente o que era divertido foi no decorrer dos anos se tornando indigesto, talvez tenha sido melhor, realmente, não ter sido publicado, sabe lá como ele seria entendido na atualidade, se adequando conforme a narrativa mais conveniente, o que me obrigaria a sempre me justificar e justificar a obra. Enfim, taí um inédito na gaveta que não desejaria ver nas prateleiras, mesmo que aqueles vermes retratados retornem para as trevas algum dia. 

 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

CONTÉM SPOILER XVIII

Aquela série que eu te falei 

Nunca tive essa urgência para consumir temporadas de série desesperadamente, maratonar títulos pela madrugada à base de café e Redbull, devorando o título do momento apenas para fugir dos famigerados spoilers, se manter antenado (ainda se diz “antenado”, Mr. Hype?) ou por mera manipulação do algoritmo. Na verdade, essa falsa sensação de liberdade, de poder assistir ao que quiser/quando quiser sempre me incomodou. Comprava boxes de DVD com as temporadas completas, mas só assistia a um episódio por dia, às vezes por semana. Sou da velha guarda, gosto de apreciar aos poucos, formular teorias enquanto o próximo episódio não é lançado (quase sinto falta dos intervalos comerciais também). “Mas você ainda pode fazer tudo isso”. E é o que tento fazer, mesmo que o aflitivo cronômetro do streaming teime por mais uma dose. 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XVII

Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha

Tatuei o verso “But I am the greatest motherfucker/ That you'll ever gonna meet”, da canção GMF, do pianista islandês/americano John Grant, no meu braço – entre “You Can't Always Get What You Want” dos Stones e “To die by your side is such a heavenly way to die” dos Smiths. Engraçado que sempre saio de casa com algumas imagens na cabeça e uma pasta de prints no smartphone, de Peanuts a Hitchcock não me faltam ideias para tatuagens, mas fatalmente retorno com algum verso gravado na pele, como se meu corpo fosse um antigo caderno escolar onde anotava frases dispersas durante alguma aula desinteressante no Polivalente de Santo Amaro. 


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