Minha inocência talvez tenha sido o bem mais valioso que perdi, depois que me mudei para a capital. Gradativamente, fui deixando de enxergar em mim aquele menino do interior. E por mais que eu o procure – num canto da sala, em algum canto dos olhos –, sei que jamais o reencontrarei. A inocência é irrecuperável, alguém já me disse.
Na canção “Cavalo de Pau”, de Alceu Valença, gravada no disco homônimo de 1982, essa perda é representada pelo cavalo de brinquedo que torna-se arisco, indomável, feito o tempo ou o vento. O onirismo da letra ganha mais força com o arranjo seco, sutil, que está mais para o rock do que para os ritmos regionais tão atrelados ao nome do autor, e que perfeitamente encaixa na visceralidade final da interpretação.
Provavelmente, buscar minha inocência seja mesmo um exercício inútil. Mas continuarei procurando.
CAVALO DE PAU
(Alceu Valença/ Dominguinhos)
De puro éter assoprava o vento
formando ondas pelo milharal
teu pelo claro boneca dourada
meu pelo escuro cavalo-de-pau.
Cavalo doido por onde trafegas
depois que eu vim parar na capital?
Me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.
Cavalo doido em sonho me levas
teu nome é tempo, vento, vendaval
me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.