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terça-feira, 4 de setembro de 2012

ASSIM É A VIDA, CHARLIE BROWN!

Charlie Brown, por vários anos, foi o exemplo de amizade que desejei para mim, sem sucesso. Procurava visualizar entre os meus colegas, na escola ou na rua, alguém como ele. Solidário, afável, sensível... Sua turma era minha turma, seus medos eram os meus medos, sua total inabilidade com as atividades infantis também era minha. A idealização do primeiro amor como um sentimento inatingível foi o ponto mais em comum dessa fase. Charlie Brown e eu sofríamos com as desventuras de relacionamentos apenas fantasiados (entre as cores da imaginação e o cinza da realidade, pouco sobrava de nós). A garotinha ruiva deve ter sido a nossa maior identificação: uma garota sem nome, traduzida somente pela cor dos seus cabelos, um amor completamente idílico. Temendo não ser aceito, ele não se apresentou à garotinha ruiva, e em seu lugar foi seu melhor amigo, Linus – que a beijou, se apaixonou e quebrou a magia ao descobrir seu verdadeiro nome. Charlie Brown amargou mais uma derrota com a resignação de quem se acostumou a não vencer. Não me lembro bem, mas acho que era inverno. Muitas estórias passavam-se no inverno. No inverno é tudo mais triste. (Jamais toquei a neve).
     A minha garotinha ruiva não era ruiva; ainda hoje seus cabelos negros visitam minhas lembranças pueris. Nunca mais a encontrei, nem pretendo encontrá-la. Não posso furtar do que me resta de inocência essa recordação doce. É possível até que eu tenha passado por ela em uma avenida qualquer, esbarrado e pedido desculpas no supermercado ou sentado ao seu lado no ônibus ou num banco de praça sem tê-la reconhecido. Melhor assim.
     Hoje, olhando para trás, não vejo aquele menino introvertido em mim. Tudo parece distante e inacreditável, quase paralelo. Talvez por ter vivido a perda com tanta intensidade eu tenha decidido na prática o que não queria ser.
      Nunca perdoei Linus por ter beijado a garotinha ruiva. Nunca perdoei Charlie Brown por ter perdoado Linus. Nunca me perdoei por não ter perdoado os dois.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

OS INOCENTES

A perda da inocência é um tema recorrente nas artes, é a verdadeira entrada no mundo adulto, o baile de debutantes da vida real. A inocência pode ser perdida, ou abandonada, a qualquer momento: aos dez, quinze, trinta anos (quando alguém lhe diz que as nuvens não são feitas de algodão). Conheço crianças sem nenhuma inocência e adultos com toda inocência do mundo – não há regras.

Acho que perdi minha inocência quando comecei a ter medo das pessoas, quando passei a atravessar a rua para não trombar com um tipo estranho, quando menti para não ofender alguém, quando resguardei meu coração para não ser magoado. Quando evitei um aperto de mãos, um beijo no rosto, de pessoas que são obrigadas a me tolerar.

Acho que perdi minha inocência quando mirei aqueles olhos e nada vi, quando o silêncio tomou o lugar da indiferença, quando duvidei de promessas, de juras de amor.

O pior de perder a inocência é saber que passarei, inutilmente, o resto da vida procurando-a, mesmo tendo certeza que jamais irei reencontrá-la, não como ela já foi um dia.

Desacreditar na humanidade não tem volta.
 

terça-feira, 31 de agosto de 2010

CAVALO DE PAU


           Minha inocência talvez tenha sido o bem mais valioso que perdi, depois que me mudei para a capital. Gradativamente, fui deixando de enxergar em mim aquele menino do interior. E por mais que eu o procure – num canto da sala, em algum canto dos olhos –, sei que jamais o reencontrarei. A inocência é irrecuperável, alguém já me disse.
           Na canção “Cavalo de Pau”, de Alceu Valença, gravada no disco homônimo de 1982, essa perda é representada pelo cavalo de brinquedo que torna-se arisco, indomável, feito o tempo ou o vento. O onirismo da letra ganha mais força com o arranjo seco, sutil, que está mais para o rock do que para os ritmos regionais tão atrelados ao nome do autor, e que perfeitamente encaixa na visceralidade final da interpretação.
           Provavelmente, buscar minha inocência seja mesmo um exercício inútil. Mas continuarei procurando.

CAVALO DE PAU
(Alceu Valença/ Dominguinhos)

De puro éter assoprava o vento
formando ondas pelo milharal
teu pelo claro boneca dourada
meu pelo escuro cavalo-de-pau.

Cavalo doido por onde trafegas
depois que eu vim parar na capital?
Me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.

Cavalo doido em sonho me levas
teu nome é tempo, vento, vendaval
me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.

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