Charlie Brown, por vários anos, foi o exemplo de amizade que desejei para mim, sem sucesso. Procurava visualizar entre os meus colegas, na escola ou na rua, alguém como ele. Solidário, afável, sensível... Sua turma era minha turma, seus medos eram os meus medos, sua total inabilidade com as atividades infantis também era minha. A idealização do primeiro amor como um sentimento inatingível foi o ponto mais em comum dessa fase. Charlie Brown e eu sofríamos com as desventuras de relacionamentos apenas fantasiados (entre as cores da imaginação e o cinza da realidade, pouco sobrava de nós). A garotinha ruiva deve ter sido a nossa maior identificação: uma garota sem nome, traduzida somente pela cor dos seus cabelos, um amor completamente idílico. Temendo não ser aceito, ele não se apresentou à garotinha ruiva, e em seu lugar foi seu melhor amigo, Linus – que a beijou, se apaixonou e quebrou a magia ao descobrir seu verdadeiro nome. Charlie Brown amargou mais uma derrota com a resignação de quem se acostumou a não vencer. Não me lembro bem, mas acho que era inverno. Muitas estórias passavam-se no inverno. No inverno é tudo mais triste. (Jamais toquei a neve).
A minha garotinha ruiva não era ruiva; ainda hoje seus cabelos negros visitam minhas lembranças pueris. Nunca mais a encontrei, nem pretendo encontrá-la. Não posso furtar do que me resta de inocência essa recordação doce. É possível até que eu tenha passado por ela em uma avenida qualquer, esbarrado e pedido desculpas no supermercado ou sentado ao seu lado no ônibus ou num banco de praça sem tê-la reconhecido. Melhor assim.
Hoje, olhando para trás, não vejo aquele menino introvertido em mim. Tudo parece distante e inacreditável, quase paralelo. Talvez por ter vivido a perda com tanta intensidade eu tenha decidido na prática o que não queria ser.
Nunca perdoei Linus por ter beijado a garotinha ruiva. Nunca perdoei Charlie Brown por ter perdoado Linus. Nunca me perdoei por não ter perdoado os dois.
A minha garotinha ruiva não era ruiva; ainda hoje seus cabelos negros visitam minhas lembranças pueris. Nunca mais a encontrei, nem pretendo encontrá-la. Não posso furtar do que me resta de inocência essa recordação doce. É possível até que eu tenha passado por ela em uma avenida qualquer, esbarrado e pedido desculpas no supermercado ou sentado ao seu lado no ônibus ou num banco de praça sem tê-la reconhecido. Melhor assim.
Hoje, olhando para trás, não vejo aquele menino introvertido em mim. Tudo parece distante e inacreditável, quase paralelo. Talvez por ter vivido a perda com tanta intensidade eu tenha decidido na prática o que não queria ser.
Nunca perdoei Linus por ter beijado a garotinha ruiva. Nunca perdoei Charlie Brown por ter perdoado Linus. Nunca me perdoei por não ter perdoado os dois.