sexta-feira, 1 de março de 2024

WALTER MATTHAU NÃO GOSTA DE POESIA

  

Envelheci. E aqui não pretendo elucubrar sobre como envelhecer é um processo natural extraordinário, quase divino; ou como é terrivelmente desagradável, um saco. Não. O envelhecimento chegou bem acompanhado com o amadurecimento (embora eu acredite que isso seja inevitável alguns coroas insistem em me contradizer propagando bobagens por aí). No entanto, não consigo perceber na minha escrita tal amadurecimento, tudo que escrevo parece se repetir e remeter para um eu que não existe mais, um eu que fez um aceno de despedida em alguma esquina da década passada. Meus parceiros musicais me enviam canções e devolvo com letras que não me contentam, não são as palavras que quem eu sou queria dizer, são as palavras que quem eu era insiste em gritar. Meus versos ainda lembram desabafos adolescentes, sou quase um Billie Eilish do Imbuí. Alguns colegas sofrem da mesma enfermidade, leio suas publicações como fastidiosas sequências de um mesmo livro que os segundos cadernos no domingo rotularão como “estilo” ao lado de uma fotografia low profile meio pós-punk oitentista. Não quero um carimbo de estilo. Quero que alguém me leia e diga algo como “nem se assemelha com o cara que escreveu xxx”. Independentemente do contexto ou intenção eu diria: ainda bem.

 

3 comentários:

  1. Um adendo: para um leitor, então, dizer que não se assemelha com o cara que escreveu, teria que conhecer o cara de hoje (sua versão atualizada!). Reflexão: será que sua fala literária, como disse, repete a do tempo pretérito porque você, talvez, não se apresenta como está na atualidade? Seria a incoerência um assombro?

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  2. Perguntaram a Jorge Amado se ele escrevia sempre o mesmo livro, respondeu que durante toda vida escreveu o menso livro, só não sabia se por incompetência ou por criatividade , e que estilo o autor só tem quando morto.
    Só velhos que nunca foram jovens são lápides escritas ainda na juventude.
    Outro dia vi alguns garotos na rua, bandeiras e gritos contra o fascismo. A cena me fez lembrar que já vivi mais da metade da vida, e se quando meu grito era jovem o fascismo não deu a mínima para mim, quanto mais agora que faço exames da próstata, segui meu caminho desejando que aqueles garotos, algum dia, também façam exames da próstata, não dói, médico usa algo parecido com vaselina.

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  3. Essa enfermidade parece ser endêmica. Se eu tivesse que comentar algo acerca dela, diria que me cansei da primeira pessoa. Ela é repetitiva, inevitavelmente e tem "o triste costume de ser alguém", como diria Borges. Hoje um desejo de ser um "nós", talvez um "vós", meio que mudo, mudado a partir duma petrificação para mudar de casca. De toda forma parece que precisamos ser mais pessoas no verbo do dia a dia para qualquer coisa que venhamos a escrever. E síntese, ter um mísero motivo porque sem isso tudo vira um espantoso rebuliço de estranhamento, pondo em questão o próprio sentido.

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