Bóris costumava repetir que seria o último da galera a morrer. Gracejava dizendo que beberia nossos defuntos, que contaria as nossas mais vergonhosas aventuras no velório a cada lasquinê e que estaria sempre presente nos nossos túmulos (lendo algum poema ou maldizendo as novidades da estação enquanto envelhecia sem pressa). Como ficou fácil imaginar, Bóris não foi o derradeiro a morrer, também não foi o primeiro. Bóris viveu até à última ponta as dores e as delícias de ser o que era, o que sempre foi. Na reta final, já debilitado e envolto em arrependimentos, não abandonava sua verve crítica, sua mordacidade e passadismo declarado. Além disso, não abria mão de uma polêmica: adorava derrubar os argumentos alheios como um castelo de cartas ao vento. Era sua diversão. Nunca escondi que sair de Santo Amaro foi angustiante, muitos conterrâneos, por necessidade, tiveram que fazer o mesmo. No entanto, somente agora, compreendo que foi muito mais angustiante para quem decidiu permanecer, quem teve que enfrentar, dia após dia, todos os vazios da cidade. Curiosamente, os amigos que faleceram não partiram; talvez tenham cansado de ficar.
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Tenho um livro de contos inéditos na gaveta dedicado aos amigos que foram embora cedo demais. Infelizmente, amiúde, edito o arquivo para incluir um novo nome na dedicatória. Ainda não tive coragem de incluir o nome de Bóris nessa lápide.