quinta-feira, 19 de novembro de 2009

TEM PAI QUE É CEGO

          O termo axé music foi cunhado pejorativamente pelo crítico musical Hagamenon Brito, em 1987, para designar a música para dançar produzida na Bahia naquela época e foi ingenuamente adotado pela mídia local. A palavra axé é derivada do yorúbá e quer dizer força; music é um mero cognato inglês que não agrega valores, apenas expõe nosso espírito de colonizado, talvez o afã de soar tão universal e palatável como a soul music ou a black music tenha sido mais forte que o axé. Um dos seus precursores, o cantor e compositor Luiz Caldas, num artigo publicado pela impressa soteropolitana, reivindica com unhas e dentes o título de criador de axé music (o ritmo) munido de documentos e datas, só faltando pedir um teste de DNA – assemelhando-se ao pai que desconhecia a paternidade e agora tenta recuperar o amor do filho em uma dessas novelas da tv. Quando fazemos algo errado primeiramente pensamos em negar, mesmo que não o façamos, é instintivo. Já Luiz Caldas sai por aí apregoando: Fui eu! Fui eu! (exibindo orgulhosamente a mão amarela).
           Depois que o filho tanto procriou, gerando uma famigerada indústria que engloba cantoras padronizadas, cantores anabolizados, coreografias constrangedoras e a privatização do carnaval, pouco importa quem colocou a criatura no mundo, isso é irrelevante.
            Não quero saber quem sujou, quero que limpem.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O DELICADO CHARME DA VERDADE

           Sou viciado em verdade. Para mim a mentira é uma ofensa e a omissão, covardia.
           Sem perceber falo o que me vem à mente, falta-me freio, bom senso até. Não tenho receio de ofender, de magoar, de ouvir o que não quero (desde que não sejam mentiras). Não sou diplomático, não tenho traquejo social. Às vezes ajo como uma criança e falo o que vejo, o que sinto; não consigo ser diferente. Assim não faço amizades, as cultivo. Não trago na manga frases feitas nem respondo ao “tudo bem?” com um “tudo bem”. Meu maior refúgio é o silêncio, é onde me sinto seguro (queiram-me calado, certamente todos sairão ganhando).
           Quando eu sei que não devo falar, que é a deixa para mentir, me complico, troco os pés pelas mãos. Dizem que não só mentimos várias vezes todos os dias como também aceitamos naturalmente a mentira alheia, é a chamada “mentira branca”, “mentira social”. Mente-se para evitar conflitos, por estratégia, obrigação, preguiça, medo, cobiça, conquista, quando consideram a verdade desnecessária. Mas para mim a verdade é sempre necessária, quero a verdade negra, a honestidade incolor, embora nem todos entendam isso. Se alguém me diz que posso confiar e falar o que penso sei que é somente uma armadilha, ninguém quer ouvir a verdade, quer ouvir uma mentira (mesmo sabendo que é uma mentira). Não se exige franqueza, apenas conveniências.
           A mentira não é uma arte, como o talentoso Ripley faz entender - mentir não tem charme.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MORANGOS SILVESTRES

“morangos silvestres”*
Herculano Neto

quando mainha chamou:
- vem pra dentro que invernou!
era de tarde e eu ainda não
sabia o que era a melancolia

quando mainha chamou
o quintal era grande
chôle e os vizinhos ainda estavam vivos
eu era outro menino

quando mainha


*“Morangos Silvestres” é o título de um filme de 1957, do cineasta sueco Ingmar Bergman. No filme o velho professor Isak Borg revê a juventude a partir de sonhos e recordações. Com perspectiva semelhante, embora nem tão distanciada, cunhei os versos acima buscando a inocência da infância que em algum momento temos que abandonar. O poema foi publicado primeiramente no fanzine O ATAQUE, em dezembro de 2006, e na REVISTA CULT, em janeiro de 2007, antes de integrar, com leves modificações, o livro “Cinema” em 2008.
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