quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

CONTÉM SPOILER XIV

Aquele filme que eu te falei

Queria iniciar o texto qualificando as mães de Almodóvar, um adjetivo apenas, algo que pudesse sintetizar esse universo tão explorado pelo cineasta em sua obra (cativantes, exageradas, dramáticas, trágicas, passionais, divertidas, corajosas, fortes, inquietantes, arrebatadoras, coloridas), são muitas as possibilidades, mas nenhuma satisfatória. Um termo que convidasse o leitor a seguir naturalmente pela crônica até ao seu final, uma palavra que fosse retomada na conclusão criando uma espécie de efeito estético, cíclico – um truque barato e que ainda funciona. Mas não encontrei. Em “MADRES PARALELAS” ele nos apresenta a várias: desde a mãe que deixa a filha para cuidar da carreira como atriz às mães que criaram sozinhas os seus filhos após os maridos serem assassinados covardemente durante a guerra civil espanhola. E no meio de tudo isso uma Penélope Cruz, mais madura em seu ofício, alinhavando esse misto de melodrama (no melhor sentido) com manifesto político. Inteiras. Acho que encontrei a palavra que eu precisava.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

CONTÉM SPOILER XIII

Aquele filme que eu te falei

Não condeno quem decide não ter filhos, muito menos que isso seja um ato egoísta ou que vá contra algum mandamento divino. Na verdade, considero um posicionamento corajoso, nobre. Colocar uma criança, deliberadamente, nesse mundo está muito mais próximo da maldade do que do amor. Que se dane o que espera a sociedade e a família de um casal, roteirizando a vida a dois num final de novela das seis. Romantizar a maternidade/paternidade é um engano, como se procriar fosse trivial como brincar de casa de bonecas. O Google me informa que foi o escritor Coelho Neto quem disse que “ser mãe é padecer no paraíso”. A frase, extremamente repetida e parodiada, costuma ser enfatizada nesse tal “paraíso”, morada celestial e inalcançável, com pouco destaque para o “padecer”. Em “A Filha Perdida” (The Lost Daughter, 2021), Leda, interpretada esplendidamente pela britânica Olivia Colman, ao ser questionada como foi ter abandonado as duas filhas pequenas, simplesmente revela: maravilhoso – em um misto de dor e alegria. Um conflito sincero e carente de julgamentos, em uma das melhores atuações dos últimos anos, seguramente. Por mais incômoda que possa parecer, sua resposta não poderia ser mais honesta.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

VIRADA DE PÁGINA XII

Papel jornal, couché, off-set, polén, reciclado, kindle ou pdf

Houve uma época em que eu costumava me designar como escritor, ao ser apresentado a  amigos de amigos ou ao preencher algum formulário, pouco importava, assim eu compreendia quem eu era – o que levava muitas pessoas a me inquirir sobre qual seria meu "trabalho de verdade", como se escrever não fosse profissão. Para a prosa não render, há algum tempo me identifico, meramente, como um reles barnabé. Por outro lado, quando esbarro com executivos, bancários, ratos de repartição ou workaholics em geral me atrevo a perguntar: e quem você realmente queria ser? A intenção não é ser desmancha-prazeres nem guru (des)motivacional de ninguém, de coach de autoajuda o planeta tá infestado, apenas confirmar que muitos músicos, pintores, estilistas, artesãos que por suposta segurança financeira ou pressão social vão adiando seus sonhos, deixando para “depois”, um “depois” que parece não ter data para acontecer. Contradizendo o Clube da Esquina, sonhos envelhecem. 

DUAS VIDAS, do francês Fabien Toulmé, parte de uma premissa aparentemente simples, um jovem advogado descobre ter câncer terminal e é impulsionado pelo irmão a aproveitar o que ainda lhe resta de vida fazendo o que sempre desejou e não teve coragem, uma jornada comovente que desembocará em um bem construído plot twist despertando reflexões que se prolongarão após o término da leitura. A HQ abre com uma célebre citação de Confúcio que diz que temos duas vidas, mas a segunda começa quando percebemos que só temos uma. Recordo de uma música de Raul e Cláudio Roberto e de repente me dou conta, com inevitável desalento, que posso ter me tornado o personagem daquela canção.

 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

NO TOCA-FITAS DO MEU CARRO XII

Porque sou o meu próprio Mariozinho Rocha

Assim como a publicação com AS PIORES CANÇÕES DE RAUL SEIXAS, outra postagem que despertou a sanha dos haters de clickbait foi OS PIORES VERSOS DE RENATO RUSSO, como se eu fosse o seu maior desafeto no planeta (mais uma brincadeira mal interpretada). Durante a juventude fui até presidente de fã-clube da Legião Urbana em Santo Amaro, pesquisando e acumulando qualquer material que se referisse à banda. Sendo assim, imaginei que pela listagem das músicas selecionadas, que incluía licenças pueris como “Benzina” e “Submissa”, estivesse evidente que não seria algo para ser levado a sério – muito menos ameaçar a integridade física do autor (ai, que medo). Passados quase dez anos da postagem original, aqui estou para elencar os versos que considero dignos de uma leitura sem a presença da canção e (por que não?) serem chamados de poesia.

Leia no volume máximo!


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

SOCIAL DISTANCIAMENTO XIII

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda

(Dezembro, 2021)

De tudo que é pregado nas mais diversas crenças, o que mais me aterroriza é o conceito de vida eterna, para mim é angustiante a ideia de viver para sempre, como se eu fosse Mumm-Ra, o de vida eterna! Viver o agora já é um fardo difícil de suportar. Saber que não existe nada é o que me dá força para continuar caminhando. Acreditar que apenas a morte é eterna me consola, é a minha fé. Quando revelo que não possuo religião, algo que deveria ser visto com naturalidade, imediatamente me veem como a encarnação do anticristo na Terra, as pessoas se assustam e afirmam que isso não é possível, desdenham ou passam a tentar comprovar a importância de deus-krishna-oxalá-kardec-acaso para o indivíduo  que maçada. Já fui mais complacente, hoje não tenho muita tolerância com catequismos (talvez seja efeito colateral da idade), a fim de evitar deselegâncias sociais da minha parte, procuro evitar o tema. No entanto, para quem ainda insiste em não compreender, posso confessar, simplesmente, que um belo dia tive uma iluminação e desde então encontrei a paz.

Feliz Natal. 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

CONTÉM SPOILER XII

Aquele filme que eu te falei 


Hoje é o Dia da Marmota. Hoje também é dia de festa no mar e dia de Nossa Senhora da Purificação, padroeira do meu torrão natal, mas o Dia da Marmota é mais importante. Segundo a tradição de uma pequena cidade estadunidense, na manhã de dois de fevereiro as pessoas devem observar uma toca de marmota, caso ela saia com o tempo nublado indica que o inverno terminará cedo, porém se o dia estiver ensolarado e o animal se assustar com a própria sombra e retornar para a toca, é sinal de que o inverno durará mais seis semanas. Esse evento célebre, para a  incredulidade de muitos, atrai milhares de turistas todos os anos. Em o FEITIÇO DO TEMPO (Groundhog Day, 1993), Bill Murray é um repórter cínico e intolerante que anuncia as previsões meteorológicas em um canal de TV, que para sua contrariedade é encarregado de fazer uma matéria sobre o encabulado roedor. No entanto, ele desperta sempre no mesmo dia e é obrigado a experienciar tudo novamente até encontrar sua fabular redenção. Também queria acordar no mesmo dia e vivenciar minha existência igual de maneira diferente. Queria cometer outros erros, ter outras dúvidas e temores – ou como Humberto Gessinger, erraria tudo exatamente igual. No entanto, acho que estou cada vez mais parecido com a marmota, me assustando com a minha própria sombra e vivendo um inverno que parece não ter fim.
 
(Publicado originalmente em fevereiro de 2012) 
 


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