quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

COSTAS NUAS

costas nuas
(Herculano Neto)

o longo vermelho
frente única
não esconde a tristeza
da moça que retoca a maquiagem

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ZELDA SCOTT SEM TARJA PRETA

O meu dia poderia começar, ao menos uma vez, com um bom riff de guitarra, feito o de “Say What You Will”, da esquecida banda Fastway. Poderia haver também um narrador questionando meus passos, tecendo suas considerações sobre mim, não pragmático como o de “Mais Estranho que a Ficção”, mas descontraído como o DJ Black Boy. Ao invés da assepsia de lobos e vampiros que aceito sem reclamar na fila das matinês eu poderia ser estagiário no “Correio do Crepúsculo”, ter um chefe que coloca sapatos no pé da letra e uma amiga na crista da onda igual a Ronalda Cristina - e não um card repetido do Cristiano Ronaldo. Só não queria ter duas namoradas, para mim bastaria que o roteirista fosse mais bacana e colocasse na minha praia uma Zelda Scott sem tarja preta.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CINEMA DE GRAÇA

 


Em 2008 fui premiado pela Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, com a publicação do livro de poesias chamado CINEMA. Na época ganhei mais tapinhas nas costas do que leitores de fato, afinal não é oferecida logística ao escritor, apenas festa; e não me interessa brincar de “celebridade”. A verdade é, como já me acostumei a repetir, que por não haver distribuição esse tipo de livro nasce e morre na noite de lançamento, depois o autor tem que peregrinar pelas livrarias com seu livro/prêmio embaixo do braço como se pedisse um favor. Alguns foram vendidos, outros tantos dei ou doei – me interessa ser lido e não dinheiro. “Não quero ser útil, quero ser utilizado”. Para quem não comprou ou ganhou o livro pode ser baixado gratuitamente, em PDF, no site do JORNAL DE POESIA.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

COMENTÁRIOS MODERADOS

          Recebo semanalmente a visita de um anônimo. Ele nunca falha, espalha seus comentários impertinentes pelas últimas postagens e retorna na semana seguinte. Nunca publico seus comentários levianos, principalmente por não ter assinatura, mas ele parece não se importar. Às vezes penso que ele não quer comentar, apenas se divertir (deve ser suficiente imaginar que leio suas mensagens). Contextualizado relevaria até alguém que usasse um pseudônimo, é um pouco romântico, mas anonimato não tolero. A maioria se vale dessa condição para ofender, menosprezar, maldizer, destilar seu rancor - e eu não posso ser cúmplice de atos infantis e covardes.
           A moderação desta página está ativada não para eu filtrar o que discordo, longe disso, mas para evitar inconvenientes - e também não quero ter o trabalho de apagar nada depois, até porque já pode ser tarde, vide o exemplo do blogueiro Emílio Moreno, e seu blog LIBERDADE DIGITAL, que em março de 2008 postou uma análise sobre uma briga que ocorreu numa escola particular na cidade de Fortaleza. A postagem recebeu apenas um comentário, único, porém ofendia a diretora da escola onde aconteceu a confusão, o que bastou para o dono do blog ser acionado na Justiça e condenado a indenizar a diretora em dezesseis mil reais por danos morais, tudo por causa do veneno de um anônimo.
           Os comentários não são como anúncios de bebida alcoólica, não posso pedir aos internautas algo como “comente com moderação”. O comentário é uma opinião livre, salutar, que é tão lido quanto o texto principal, não pode servir de mural de recados nem de munição oportunista para francos atiradores. Já o comentário do comentário é mais do que metalinguagem, é a expansão do debate, é quando todos saem ganhando.
           A última mensagem do anônimo foi: “Obrigado, por jamais aceitar meus comentários”. Não posso negar que senti um pouco de piedade dessa figura solitária, carente, medrosa, sem nome e sem rosto, entristecida por minha indiferença no computador escanteado de alguma lan house. Agora ele tem mais do que um comentário publicado.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

PRIMEIRO PERSONAGEM GAY DE MAURICIO DE SOUSA

          Independentemente de teorias mirabolantes e mensagens subliminares, sempre considerei, dentro dos quadrinhos produzidos por Maurício de Sousa, a “Turma da Tina” como a primeira, e verdadeira, “Turma da Mônica Jovem” - embora apenas recentemente tenha ganhado sua própria revista. Tina é sem dúvida sua personagem mais antenada com a juventude, surgiu em 1964 com visual hippie e foi se moldando às atualidades, hoje faz faculdade de jornalismo e tem um blog, mas tudo com o humor leve característico de seu criador.
           Maurício de Sousa, que foi muito criticado durante os anos da ditadura por se manter à margem do cenário político, diferentemente do argentino Quino e sua personagem Mafalda, demonstrou estar interessado nos novos tempos e na mudança de costumes ao nos apresentar Caio, na sexta edição da revista da Tina, seu primeiro personagem gay. Caio em latim quer dizer “alegre” e aparece como o melhor amigo de Tina já na capa da publicação. Maurício de Sousa, sem soar panfletário, polêmico ou oportunista, dá um passo importante na luta contra a intolerância e o preconceito ao abordar com naturalidade a diversidade sexual.
           O nonsense dos planos infalíveis é certeza de diversão, mas no momento em que os tribunais brasileiros legitimam seguidamente relações homoafetivas, permitindo que as crianças tenham em seus documentos o nome de duas mães ou dois pais, temas como gravidez na adolescência, drogas, violência urbana e aliciamento virtual não podem habitar um universo paralelo.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

TEM PAI QUE É CEGO

          O termo axé music foi cunhado pejorativamente pelo crítico musical Hagamenon Brito, em 1987, para designar a música para dançar produzida na Bahia naquela época e foi ingenuamente adotado pela mídia local. A palavra axé é derivada do yorúbá e quer dizer força; music é um mero cognato inglês que não agrega valores, apenas expõe nosso espírito de colonizado, talvez o afã de soar tão universal e palatável como a soul music ou a black music tenha sido mais forte que o axé. Um dos seus precursores, o cantor e compositor Luiz Caldas, num artigo publicado pela impressa soteropolitana, reivindica com unhas e dentes o título de criador de axé music (o ritmo) munido de documentos e datas, só faltando pedir um teste de DNA – assemelhando-se ao pai que desconhecia a paternidade e agora tenta recuperar o amor do filho em uma dessas novelas da tv. Quando fazemos algo errado primeiramente pensamos em negar, mesmo que não o façamos, é instintivo. Já Luiz Caldas sai por aí apregoando: Fui eu! Fui eu! (exibindo orgulhosamente a mão amarela).
           Depois que o filho tanto procriou, gerando uma famigerada indústria que engloba cantoras padronizadas, cantores anabolizados, coreografias constrangedoras e a privatização do carnaval, pouco importa quem colocou a criatura no mundo, isso é irrelevante.
            Não quero saber quem sujou, quero que limpem.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O DELICADO CHARME DA VERDADE

           Sou viciado em verdade. Para mim a mentira é uma ofensa e a omissão, covardia.
           Sem perceber falo o que me vem à mente, falta-me freio, bom senso até. Não tenho receio de ofender, de magoar, de ouvir o que não quero (desde que não sejam mentiras). Não sou diplomático, não tenho traquejo social. Às vezes ajo como uma criança e falo o que vejo, o que sinto; não consigo ser diferente. Assim não faço amizades, as cultivo. Não trago na manga frases feitas nem respondo ao “tudo bem?” com um “tudo bem”. Meu maior refúgio é o silêncio, é onde me sinto seguro (queiram-me calado, certamente todos sairão ganhando).
           Quando eu sei que não devo falar, que é a deixa para mentir, me complico, troco os pés pelas mãos. Dizem que não só mentimos várias vezes todos os dias como também aceitamos naturalmente a mentira alheia, é a chamada “mentira branca”, “mentira social”. Mente-se para evitar conflitos, por estratégia, obrigação, preguiça, medo, cobiça, conquista, quando consideram a verdade desnecessária. Mas para mim a verdade é sempre necessária, quero a verdade negra, a honestidade incolor, embora nem todos entendam isso. Se alguém me diz que posso confiar e falar o que penso sei que é somente uma armadilha, ninguém quer ouvir a verdade, quer ouvir uma mentira (mesmo sabendo que é uma mentira). Não se exige franqueza, apenas conveniências.
           A mentira não é uma arte, como o talentoso Ripley faz entender - mentir não tem charme.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MORANGOS SILVESTRES

“morangos silvestres”*
Herculano Neto

quando mainha chamou:
- vem pra dentro que invernou!
era de tarde e eu ainda não
sabia o que era a melancolia

quando mainha chamou
o quintal era grande
chôle e os vizinhos ainda estavam vivos
eu era outro menino

quando mainha


*“Morangos Silvestres” é o título de um filme de 1957, do cineasta sueco Ingmar Bergman. No filme o velho professor Isak Borg revê a juventude a partir de sonhos e recordações. Com perspectiva semelhante, embora nem tão distanciada, cunhei os versos acima buscando a inocência da infância que em algum momento temos que abandonar. O poema foi publicado primeiramente no fanzine O ATAQUE, em dezembro de 2006, e na REVISTA CULT, em janeiro de 2007, antes de integrar, com leves modificações, o livro “Cinema” em 2008.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

VOO ABORTADO

Nasci em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, onde a prática da capoeira é muito forte e comum. Lá todo mundo conhece ou tem uma história para contar sobre as façanhas do lendário capoeirista Besouro Mangangá. Durante a infância a figura de Besouro povoava meu imaginário das mais diversas formas: suas habilidades e feitos no começo do século passado, a se esquivar de balas no melhor estilo pré-Matrix, saltos e golpes mirabolantes a lutar contra os resquícios escravocratas, desbancando homens armados. Um heroi alcançável, símbolo de coragem e valentia, que ia além dos uniformizados dos quadrinhos e tv. Com tantas imagens cultivadas na memória acessei, como milhares de pessoas fizeram, ao trailer do filme no YouTube (mais de uma vez), afinal o mito local havia ultrapassado os limites do folclore e chegado à tela do cinema com uma arte marcial popular e pouco explorada e lutas coreografadas pelo chinês Huen Chiu Ku (de “Kill Bill” e “O Tigre e o Dragão”). Assim resolvi encarar a sessão de estreia do filme, curiosamente havia um público jovem, historicamente preconceituoso e reticente ao cinema brasileiro, porém tive as expectativas frustradas ao me deparar com uma obra cinematográfica inconsistente, com pretensões visuais exageradas e diálogos didáticos que remetem às manhãs do Telecurso. Sofro de “vergonha alheia”, um mal que ainda carece de medicamentos, e acompanhar o roteiro desestruturado se apoiar num misticismo gratuito e na desgastada fórmula do triângulo amoroso, e de quebra o amadorismo do elenco e uma montagem confusa, só fez me afundar mais na poltrona. Poderia valer pela valorização do negro como protagonista de uma grande produção, mas não é suficiente para suprir as claras deficiências de um produto inacabado. “Besouro” é um dos filmes mais caros já produzidos pelo cinema nacional, boa parte dos recursos oriundos de leis de incentivo, que nem de longe se espelha no Besouro cantado nas rodas de capoeira ou o das histórias narradas pelas pessoas mais velhas de Santo Amaro, esse sim, um Besouro sem preço e emblemático, que na minha imaginação realmente avoa.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

NA BOLHA


Conheço duas pessoas, que por óbvios motivos aqui lhes poupo os nomes, que gradativamente passaram a viver numa bolha. Não literalmente, como o menino da bolha de plástico, ou como a metáfora mais corriqueira levaria a entender por isolamento social – na verdade esses indivíduos até interagem socialmente. À maneira deles criaram um universo particular onde as engrenagens funcionam perfeitamente, onde nenhum mal lhes afeta e onde eles sempre saem vencendo, sempre têm certeza. Inicialmente os classificava como “mentirosos inofensivos”, desses que abundam em qualquer repartição ou banco de praça, hoje acredito que sofram de algum transtorno psicológico que minha ignorância não sabe precisar. Eles criaram uma falsa situação de conforto da qual nem tentam se desvencilhar, se enredam mais e mais, talvez inconscientemente. Não vejo como problema imaginar lugares, pessoas e situações melhores (menos mesquinhas, mais divertidas); inconveniente é fazer da vida uma fantasia, sem distinguir mais o que é e o que não é real, e inadvertidamente trazer suas invencionices e idiossincrasias para o cotidiano, querendo que todos compactuem passivamente com seus paralelismos. Desconheço as razões e prefiro não especular sobre mentes tão complexas, só sei que ao minar as intempéries da vida, transformando o dia numa eterna masturbação, quem passa a viver numa bolha são os outros.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

VERSOS EXCLUÍDOS

versos excluídos
Herculano Neto

tenho vocação para o abismo
para o abraço
tenho fixação por detalhes
por olhares
por silêncios

sou irremediavelmente insatisfeito
displicentemente franco
o melhor amigo dos meus amigos
o melhor amante das minhas tristes

obsessivo

tenho vocação para infelizes

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

FRASCOS COMPRIMIDOS COMPRESSAS

Frascos Comprimidos Compressas é o título do segundo disco dos baianos da banda Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta. Com produção esmerada de Pedro Sá, o trabalho é um alento no cenário musical da Bahia, sempre cheio de estereótipos. Seus integrantes agora parecem demonstrar mais consciência ao combinar os elementos de rock e samba, soando mais natural do que no disco anterior e consequentemente realçando as ótimas composições e arranjos -, sobretudo as letras de Ronei Jorge (já há algum tempo letrista destacado). Não faltará quem compare aos últimos discos de Caetano Veloso (“Cê” e “Zii e Zie”), apenas impressões pré-formuladas que numa audição menos preguiçosa se dissipam. Ressalto no conjunto a faixa título; a já conhecida dos fãs “Aquela Dança” – com resquicios de Novos Baianos e pré-axémusic -, além do Clube da Esquina que paira fantasticamente sobre “Está na Cara” e “Circule Seu Sangue". Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta é samba, um samba desobediente, nervoso. É MPB setentista, na postura, na verve. É rock, de garagem, de guitarras, sem clichês.

Escute algumas faixas no Myspace da banda:
http://www.myspace.com/roneijorgeeosladroes

terça-feira, 13 de outubro de 2009

BASTARDOS INGLÓRIOS

Bastardos Inglórios é Quentin Tarantino de volta à grande forma num dos melhores filmes do ano (tentei não escrever no calor da hora para evitar lugares comuns como esse). Seguindo à risca a cartilha de “como produzir um cult movie”, ele nos presenteia mais uma vez com diálogos memoráveis e personagens carismáticos, como o coronel nazista Hans Landa, “o caçador de judeus”, interpretado magnificamente (também queria evitar hipérboles e superlativos) pelo ator austríaco Christoph Waltz, que deu vida a um dos maiores antagonistas de toda história do cinema (não é exagero). Tarantino divide sua obra em capítulos (até aí nenhuma novidade) para apresentar durante a 2ª Grande Guerra as trajetórias do tenente Aldo “Apache” Raine, vivido por Brad Pitt, líder dos Bastardos, um batalhão especializado em escalpelar nazistas na França ocupada por Hitler, e Shosanna, a judia que escapa de um massacre em família e se torna (sem muitas explicações plausíveis, talvez na especulada continuação) proprietária de um cinema em Paris. Com essas duas premissas o enredo caminha paralelamente até a aguardada intersecção, que culmina numa sanguinolenta sequência - que já foi o sonho politicamente incorreto de qualquer pessoa que preze a dignidade humana (não, não contei o final).

sábado, 10 de outubro de 2009

PATTY DIPHUSA

Costumo ler no ônibus, enquanto vou ao trabalho. Diferentemente dos meus colegas de viagem, que já embarcam temerosos, leio tranquilamente – sem me importar com o imprevisível. Durante duas dessas ocasiões comecei e terminei a leitura de “PATTY DIPHUSA”, do cineasta Pedro Almodóvar. Uma série de contos publicados originalmente na revista espanhola “La Luna” a partir de 1982 e copilados em livro em 1991 (ano em que filmou “De Salto Alto”). Impossível não imaginar aquelas histórias (e acredite que tentei) em película, provavelmente a trajetória da estrela pornográfica internacional Patty Diphusa por Madri não tivesse espaço no cinema de hoje (nem uma atriz como Victoria Abril como protagonista), talvez soasse demais como um Almodóvar de antigamente, o que já seria bem melhor do que suas últimas produções.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

NOTAS DE UM POEMA

O primeiro poema que consegui escrever em Salvador foi “lembranças de donzelas do tempo do Imperador”, algum tempo depois de ter me mudado, tomando emprestado como título um verso de uma canção de 1941 de Dorival Caymmi, “Você Já Foi à Bahia” (recurso semelhante utilizado por Caetano Veloso em “Terra”). Na canção, Caymmi exalta uma Salvador idealizada, nostálgica, quase folclórica; um convite à uma cidade que só conheci em cartões-postais. Em 2008 o poema fez parte do livro “CINEMA”, Prêmio Braskem Cultura e Arte, recentemente alguém apontou um parentesco com o “Poema do Beco”, de 1933, de Manuel Bandeira, que se existe não foi intencional. Enquanto Bandeira se solidarizava com a gente humilde do Rio de Janeiro, meus versos apenas expressavam o descontentamento e a solitude.

“lembranças de donzelas
do tempo do Imperador”

Herculano Neto

da janela do meu apartamento
vejo outras janelas de apartamento
janelas fechadas
cortinas
um muro
aviões

da janela do meu apartamento
eu não vejo a Bahia.

***

Poema do Beco
Manuel Bandeira

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FAÇO DO MEU BLOG PÁGINA DE DIÁRIO


Dizem por aí que ando sumido, que não telefono sequer para dizer que não vou – não sei, talvez seja verdade. Outro dia alguém perguntou como eu estava, meio intolerante respondi para ir ao meu blog. Fui deselegante não pela pergunta, aparentemente trivial, mas pelo tom maligno da voz, cheia de veneno e cinismo (impossíveis de reproduzir aqui). Resolvi então dar uma passada por meu blog para saber como eu estava, porém não encontrei nenhuma resposta fácil. Se a pessoa realmente seguiu meu conselho ficou ainda mais confusa. Já tive uma urgência muito grande, uma necessidade de transformar, de estar em todos os lugares, hoje não carrego mais utopias (meus herois morreram de overdose e meus sonhos na mesa do bar). Só quero cultivar minha paciência, regar meu bonsai toda manhã, adormecer escutando Céu no gramado do Dique do Tororó e vez ou outra pedir um conhaque de alcatrão com limão e mel pra aquecer a madrugada. “Sim, o que me importa nesse instante é esse não me importar constante” – como dizia um velho roqueiro baiano. Para quem interessar não estou longe, estou mais perto do que possam imaginar. O que eu busco não é a distância, é o encontro; mesmo que para isso eu precise hibernar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

QUERIDA WENDY (DEAR WENDY)

Querida Wendy, Dinamarca 2005, tem direção de Thomas Vinterberg e roteiro de Lars von Trier (que abandonou a direção de Dear Wendy para se dedicar a Manderlay). No filme o jovem Dick compra por acaso um pequeno revólver e juntamente com outros “excluídos” funda um contraditório clube baseado no pacifismo e na posse de armas. Esteticamente lembra um pouco “Dogville”, principalmente a cidade Estherslope e seus peculiares habitantes, embora seja bem menos pretensioso e descontraído. Atenção especial para a excepcional trilha sonora, com clássicos do grupo inglês The Zombies.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

GESTOS

GESTOS*
(Roberto Mendes/ Herculano Neto)



E deixe a valsa, e deixe o samba,
E deixe aquela canção antiga que não me cansa,
Ouvindo-a posso sentir comigo seus vestígios,
Os seus domínios, os seus encantos.

E deixe o barco, e deixe a ilha,
E deixe uma lembrança bonita que não ansia,
Lembrando-a posso preencher com gestos meus vícios,
Os meus princípios, meus acalantos.

Não deixe a mágoa,
Não deixe a ira,
Não deixe a volta,
Não deixe a ida
Que eu deixo a vida seguir seu destino.

E deixe o sonho,
E deixe o instante,
Deixe o encontro,
Deixe o constante,
Que eu deixo a vida moldar o meu destino.
 
 


*Faixa extraída do DVD
“Tempos Quase Modernos”
Gravado ao vivo no Teatro XVIII
Salvador, 2006
 

 

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

CINEMA

CINEMA
Herculano Neto

“Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade”.
P. Leminsky

cresci numa cidade
onde não havia mais cinemas
as cenas aconteciam nas ruas
nas gentes
projetadas a esmo

personagens felinianos
se sucediam
nas seqüências
da minha infância

cresci numa cidade
onde não havia muita coisa

apenas história pra contar

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DIRETAMENTE DA MESA DO BAR

"Besouro", de João Daniel Tikhomiroff

Na próxima semana um grupo formado por críticos, cineastas e distribuidores divulgará oficialmente o nome do filme brasileiro que será candidato a candidato na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. Assim como no último ano, quando Walter Salles se recusou a inscrever o ótimo “Linha de Passe”, a maior ausência agora é de “À Deriva”, de Heitor Dhalia (alguém pensou em Daniel Filho?). O último concorrente do país foi “Central do Brasil”, em 1998. Abaixo a lista dos concorrentes divulgada pelo Ministério da Cultura, segundo seus critérios nacionalistas:

"A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele
"Besouro", de João Daniel Tikhomiroff
"Budapeste", de Walter Carvalho
"Feliz Natal", do ator Selton Mello
"Jean Charles", de Henrique Goldman
"O Contador de Histórias", de Luiz Villaça
"O Menino da Porteira", de Jeremias Moreira
"Salve Geral", de Sérgio Rezende
"Se Nada Mais der Certo", de Eduardo Belmonte
"Síndrome de Pinocchio - Refluxo", de Thiago Moyses.

***
A simples especulação da capital pernambucana ser incluída na turnê de Paul McCartney, em abril de 2010, entrou sem cerimônias no Top Five de POR QUE NÃO MORAR EM SALVADOR, ocupando o 5º lugar, posição que pertencia aos ensaios de verão.

***
Meus herois morreram de overdose; os de Pedro Bial são pseudocelebridades; os dos narradores esportivos são os que alcançarem o alto do pódio no final de semana; os do McDonalds nem precisam usar capa, basta ajudar a vender aquilo que eles chamam de comida; outros tantos estampam camisas. Uma família subsistir com menos de cem reais por mês é pôster no quarto de quem?

***
Não consigo entender quem organiza a própria festa de aniversário, deve ser algum tipo de carência ou medo de ser esquecido, se a festa for temática pior ainda. Consigo tolerar crianças fantasiadas soprando velinhas, mas não adultos (vergonha alheia é algo que não me abandona). Odeio “parabéns pra você” e outras cantigas supostamente engraçadinhas, todo aquele ritual me enoja. E desprezo quem esconde a própria idade atrás de subterfúgios e eufemismos infantis, como dizer que completou 4.7 feito um aparelho eletrônico de última geração. Desconheçam minha data de nascimento e se não for possível ignorem – é o melhor presente que posso receber. E não me convidem para festas de aniversário.

***
O filho de Érico Veríssimo atacou de professor de gramática em sua coluna nos jornais de domingo ao afirmar que o pré-sal deveria se chamar pós-sal, porque a perfuração ocorrerá de cima para baixo, havendo ali um evidente erro de semântica. Só que o mesmo artigo denomina-se, em letras garrafais, PEQUENOS DETALHES. Até onde eu saiba todo detalhe é pequeno, logo o título é bem mais do que um pleonasmo – é mera redundância.

***
Documentários musicais são a bola da vez do cinema brasileiro. Figuras como Caetano Veloso, Wilson Simonal, Titãs, Batatinha, Herbert Vianna, Cartola, Arnaldo Batista (e até Waldick Soriano) já encontraram seu lugar na tela grande. Espero somente não me deparar com nenhum cartaz de “Em Breve” com a imagem do Dj Marlboro ou de alguma cantora de música para dançar fabricada na Bahia.

***
Sem nunca ter escrito um livro o ex-presidente (clichê necessário) Fernando Collor de Melo foi eleito para a Academia Alagoana de Letras. Se tivesse escrito algum, o Prêmio Nobel seria pouco.

***
Ultimamente o substantivo inexpressivo “coisa” tem desnecessariamente me incomodado. Na suposta ausência de palavras ou por simples preguiça emprega-se “coisa” em quase tudo: “foi a melhor coisa que li este ano”; “que coisa linda”; “a única coisa que prestou naquele show”... Não respondo quando desconhecidos me abordam na rua chamando-me de “coisinho” e não gostaria jamais de escutar de quem amo algo como “você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”. Êta papo qualquer coisa.
          Traz a conta.

sábado, 5 de setembro de 2009

BEIRUT EM SALVADOR II


Na noite de 04 de setembro, no Teatro Castro Alves, aconteceu o tão esperado show do grupo americano Beirut em Salvador, no 16º Panorama Percussivo Mundial – o Percpan. Ainda na entrada, observando aquela juventude de comercial de creme dental, me senti um pouco fora do ninho. Não sou nenhum entusiasta do sistema de cotas, mas era possível contar os negros presentes com os dedos da mão direita, cheguei a desconfiar que tinha atravessado um portal e que não estava mais na Bahia. Dentro do teatro, a cada atração que se apresentava capitaneada competentemente pelo músico Marcos Suzano, aumentava a ansiedade. Enquanto isso, parte do público parecia mais interessada em brincar com seus celulares e câmeras fotográficas, ignorando as advertências iniciais com seus braços estendidos deselegantemente, como se fosse bem mais interessante assistir ao show depois na tela do computador do que no calor do momento. Enfim, após longas três horas de expectativas, o Beirut entrou em cena demonstrando uma qualidade sonora rara no cenário da música atual. O que ninguém imaginaria era que seu vocalista e trompetista, Zack Condon, empunhando um cavaquinho e num português trôpego e visivelmente embriagado, quebraria todos os protocolos ao pedir que a platéia abandonasse seus assentos após a segunda canção e se aproximasse da banda, transformando o solene Teatro Castro Alves numa festiva Concha Acústica, prato cheio para a molecada presente, que inacreditavelmente não era pouca, deixando seus pais esperando pacientemente sentados, e que culminou numa invasão consentida ao palco e no furto de um microfone e um instrumento musical. A histeria juvenil era tamanha que por um instante pensei estar num show da Hannah Montana. Marmanjos choravam copiosamente durante a execução de “Elephant Gun”, espero que relembrando Capitus perdidas pelo caminho, e meninas se descabelavam como numa nova beatlemania, até o arcaico gestual de simular guitarras deu lugar a cômicos trompetes imaginários e solfejos. Se me senti um estranho no ninho na entrada pior me senti na saída, afinal já faz algum tempo que não tenho mais 15 anos. Tentando evitar uma confusão maior a produção convidou Zack Condon a encerrar sua apresentação durante o bis e ele, no seu português ébrio e sem nunca encarar o público proferiu melancolicamente a sentença:
- Eu não posso cantar mais, boa noite.
E ainda tive que suportar o descontentamento do taxista, que detesta fazer corridas curtas.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O SILÊNCIO


          – Prefiro o primeiro disco - foi a frase feita que ele disse, com aquele ar superior característico. Como se o disco de estréia dos Beatles, Raul Seixas, Titãs ou Los Hermanos tivesse sido sensacional. Experimentei perguntar sobre uma banda desconhecida de pós-punk-psicodélico do sul da Finlândia e ouvi uma resposta meio blasé:
          – Já vi o clipe.
          A MTV, assim como o Google, terminará nos fodendo – pensei.
          – Qual som você curte? – ele perguntou numa inversão abrupta de papéis. Respondi que não gosto de muitas coisas. Não gosto de vídeo-clipe, principalmente vídeo-clipe com atores de novelas, por melhor que seja a canção aquelas imagens me ensurdecem. Não gosto de versões; releituras; show tributo; acústico; ao vivo; coletâneas; playback em programa de auditório; nova formação; parada de sucessos; flashback; o fenômeno do momento... Gosto apenas do silêncio. E silenciamos.
          Mas já era tarde.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

PARA NINAR O MEU AMOR*

PARA NINAR O MEU AMOR*
Herculano Neto

ando farto do quase
do meio-termo
das boas maneiras
do mais ou menos
e do pode ser dito de
canto de boca

(do talvez não quero saber)

ando farto de lugares-comuns
e olhares esquivos
das cartas marcadas
e do disse-me-disse
das galerias

ando farto de
finais felizes

*(do livro “CINEMA”, Prêmio Brakem Cultura e Arte 2007)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

SE VOCÊ VIER ME PERGUNTAR POR ONDE ANDEI

Há exatamente quatro anos estive num show do Belchior (no dia 27 de agosto de 2005, no Teatro ACBEU em Salvador). Acompanhado por apenas dois violonistas ele exibiu suas canções, e algumas surpresas, descontraidamente. Ao final o cumprimentei e ofereci dois discos para serem autografados. Se o seu “desaparecimento” é mero marketing ou se realmente ele se cansou de tudo e foi viver na natureza selvagem para mim pouco importa. Amar e mudar as coisas me interessam mais.

sábado, 15 de agosto de 2009

NA NATUREZA SELVAGEM

O jovem Christopher McCandless, no início da década de 1990, decidiu deixar tudo para trás. Recém-formado, destruiu cartões de crédito, documentos, doou suas economias, adotou novo nome e queimou (literalmente) dinheiro - tudo para viver na natureza selvagem. A direção de Sean Pean em NA NATUREZA SELVAGEM (2007) valoriza as sutilezas do roteiro e provoca uma reflexão sobre a vida na competitiva sociedade moderna. O ator Emile Hirsch, em ótima interpretação, nos cativa e convence durante a jornada do protagonista. A belíssima fotografia emociona por sua placidez, juntamente com a perfeita trilha sonora, que colecionou prêmios e indicações por onde passou. Com Eddie Vedder cantando ao fundo eu iria para qualquer lugar, mas com Kristen Stewart tocando para mim, talvez eu ficasse em qualquer paragem.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

NÃO TENHO TWITTER!

Resumir trivialidades em no máximo 140 caracteres, infestadas de abreviações e abreviaturas ininteligíveis, talvez seja o modismo mais desnecessário que a Internet produziu até agora (e olhe que a concorrência não é pequena). Isso não é síntese, concisão. É ruído. José Saramago declarou recentemente que o Twitter é mais uma evidência que o ser humano caminha para o grunhido, assim como o escritor português, que certamente não troca você por vc nem pronuncia , não tenho Twitter nem participo de qualquer tipo de rede de relacionamento virtual. Quem quiser saber como estou pode telefonar quando quiser ou bater à minha porta. Também aceito cartas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A NOITE

A NOITE*
Herculano Neto

passo noites inteiras
admirando os quadros
pintura abstrata
auto-retrato

passo noites inteiras vagando
de um lado ao outro da casa
olhando as paredes desbotadas
contando as gotas na vidraça

passo as noites
procurando pelos cantos
um resto de alguém
que a vassoura não levou

*(do livro “CINEMA”, Prêmio Brakem Cultura e Arte 2007)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

TRANCELIM DOS INCRÉDULOS

Tive a honra e a felicidade de debutar em livro ao lado de Miguel Carneiro, em 2004 na antologia OS OUTROS POEMAS DE QUE FALEI. Juntamente com o escritor conheci a pessoa e desde então minha admiração por ambos se mantém crescente. Homem de valores raros, tento, sem muito sucesso, absorver um pouco. Uma queixa recorrente que Miguel amiúde faz é que pouco nos encontramos, mesmo habitando a mesma cidade média - talvez em decorrência de minha personalidade arredia, não sei. Numa dessas oportunidades ele me presenteou com seu livro TRANCELIM DOS INCRÉDULOS (Ed. Virtual Books), um conjunto de “apenas” três contos (Trancelim dos Incrédulos, Galo de Ouro e Naquele Dia eu vi o Diabo de Perto). Se posso reclamar de algo é que a publicação é demasiadamente curta, tende-se a querer ler tudo num só fôlego e o desejo de mais não se evapora com facilidade ao transpor suas 56 páginas. Com sua prosa rica Miguel nos conquista com suas expressões populares e personagens carismáticos que são ótimos contadores de história, valorizando sempre a oralidade do nosso povo. Fica a vontade de ver um dia, dignamente reunidas, a poesia, ficção e dramaturgia de Miguel Carneiro num merecido tomo de obras completas.

terça-feira, 28 de julho de 2009

ERASMO CARLOS: 50 ANOS DE MÚSICA


Erasmo Carlos lançou recentemente um disco intitulado ROCK ‘N’ ROLL – título mais do que auto-explicativo. É seu primeiro trabalho de inéditas (e sem nenhuma suposta parceria com Roberto Carlos) desde 2004 e tem o mérito de não soar retrô entre baladas, blues rock e country. É um disco surpreendentemente contemporâneo, agradável, bem humorado e bem executado. Canções como "Cover de Mim" e "Olhar de Mangá" são, certamente, bem mais interessantes que qualquer exagero requentado. Erasmo também completou 50 anos de música, não houve apresentações festivas pelo país nem programas de tv, talvez alguma menção no suplemento cultural dos jornais. Imagino apenas o Tremendão de preto empunhando sua guitarra e um repertório pouco óbvio no show Elas Cantam Erasmo com Ângela Rorô, Pitty, Rita Lee, Mallu Magalhães, Elza Soares, Céu, Marina Lima... Ao invés de brincar com sua própria caricatura emulando emoções ele cantaria languidamente "não leve a mal se eu lhe disser: a guitarra é uma mulher".

segunda-feira, 20 de julho de 2009

SÓ*
Herculano Neto

A noite é longa e estou em casa
com meus discos
reprises suportáveis
livros emprestados
sonhos inacabados
e refrigerante sem gás na geladeira.

*Do livro OS OUTROS POEMAS DE QUE FALEI
(Prêmio Banco Capital de Literatura, 2004)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

“FOTOGRAFEI VOCÊ NA MINHA ROLLEYFLEX”

Newton Mendonça ao lado da cantora Célia Reis

Quem é o parceiro de Tom Jobim em “Desafinado”?
Essa típica pergunta de programa de auditório tem como resposta Newton Mendonça. Pianista e compositor carioca, conheceu Tom Jobim ainda na juventude, na histórica Rua Nascimento Silva, no Rio de Janeiro, juntos tocavam em boates noturnas na década de 50 e fizeram poucas,
mas memoráveis canções (como “Discussão”, “Samba de uma nota só”, “Incerteza” e “Meditação”). “Foi a Noite”, gravada por Silvinha Telles em 1956, é considerada por alguns especialistas como o marco inicial da bossa nova – logo o tão alardeado 50 Anos de Bossa Nova deveria ter acontecido dois anos antes ou ter se chamado 52 Anos de Bossa. Newton Mendonça foi um dos mais importantes compositores surgidos no Brasil, porém sua personalidade arredia, o descaso e as omissões fizeram com que ele se tornasse desconhecido, além da disseminação do mito de que ele era “somente” letrista. Com Tom Jobim música e letra eram feitas juntamente, revezando-se os dois entre o piano e o caderno. Segundo Marcelo Câmara, autor da biografia sobre Newton Mendonça, “Tom só é vanguarda com Newton. Sem ele é apenas samba canção”. Se com o primeiro parceiro Tom compôs “Só saudade, foi o pouco que ficou”, com Vinicius de Moraes decretava: “Chega de Saudade” – era um novo momento. Newton Mendonça gravou o disco EM CADA AMOR UMA CANÇÃO e considerava-se incompreendido pelo público e parceiros. Morreu aos 33 anos, em 1960, vítima de ataque cardíaco enquanto se apresentava numa boate no beco do Joga a Chave. Tom Jobim pouco falava sobre o parceiro obscuro, se redimiu apenas em 1993, numa entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura. Apaixonado por fotografia, Newton Mendonça brigou para incluir na letra de “Desafinado” o bem humorado e profético verso: “Fotografei você na minha Rolleyflex, revelou-se a sua enorme ingratidão”.

terça-feira, 14 de julho de 2009

EU QUERO SER O SULTÃO NO LUGAR DO SULTÃO

IZNOGOUD foi criado em 1962 pelos franceses René Goscinny e Jean Tabary. O nome Iznogoud soa como o inglês “he's no good” (“ele não presta”). Inicialmente o personagem era secundário, mas o sucesso do Grão-Vizir Iznogoud, que ambiciona ser califa e elabora diversos planos para usurpar o trono, foi tanto que ele acabou na verdade se tornando protagonista. Seu bordão "EU QUERO SER CALIFA NO LUGAR DO CALIFA” se tornou "EU QUERO SER O SULTÃO NO LUGAR DO SULTÃO" na dublagem brasileira, que também modificou o nome do califa. Ultimamente parece ter surgido alguns “Iznougouds” no meu dia a dia. E eu nem sou um sultão, apenas um reles escrivinhador e funcionário público.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

GUY RITCHIE

Guy Ritchie certamente é bem mais que o ex de uma cantora pop e merece ser reconhecido sem definições preguiçosas e pouco inspiradas como “o novo Tarantino” ou “o Tarantino da Inglaterra”. Jovem diretor egresso da publicidade e do mundo dos videoclipes se tornou um dos mais inventivos cineastas da década passada. Roteirista brilhante, produz diálogos incríveis em sua fórmula aparentemente requentada, porém perfeita, de tramas paralelas, corte temporal e inúmeras figuras antológicas que se cruzam sem gratuidade ou desperdício de idéias. Sua linguagem visual estilizada combina edição ágil e movimentos lentos em planos inusitados, além das ótimas trilhas sonoras e personagens que já parecem nascer cults. Enfim, seu cinema consegue o que parece impossível hoje em dia: entreter sem imbecilizar (como tem insistido em fazer o cinemão americano). Com uma filmografia curta, quem ainda não viu, vale procurar por qualquer título listado abaixo – ou todos.

JOGOS, TRAPAÇAS E DOIS CANOS FUMEGANTES (1998)
SNATCH – PORCOS E DIAMANTES (2000)
REVOLVER (2005)
ROCKNROLLA – A GRANDE ROUBADA (2008)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

POEMA INÉDITO


o mundo era mais simples
na casa da árvore

não havia antenas
telefone
campainha
portas

pessoas que dizem adeus
mas não vão embora

o mundo era menos triste
na casa da árvore

quarta-feira, 1 de julho de 2009

RAIMUNDO FAGNER - “FAZ DE CONTA” (TEMA DA NOVELA COMO UMA ONDA)

Em 2004, após uma sucessão de acasos, Fagner desejou gravar a canção “Faz de Conta”, parceria minha com o amigo e conterrâneo Roberto Mendes, no disco DONOS DO BRASIL – seu trabalho mais poético, segundo a crítica, em muitos anos. Pouco depois a faixa ganhava a programação das rádios brasileiras e era incluída na trilha da novela da Rede Globo COMO UMA ONDA. Acima, vídeo da canção com cenas da novela.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

SAUDADES DO POWER TRIO NORDESTINO

Os festejos juninos sempre me agradaram, bem mais do que qualquer outra festa de calendário. Pode ser pelo clima, o cheiro, a cor ou qualquer outra característica difícil de explicar, mas comum para quem frequenta o interior do nordeste nessa época. Menos complicado tentar explicar o som: não sou conservador nem vou resgatar algum episódio de jenipapos absolutos da infância, apenas acreditava que o autêntico forró resistia às tendências, compartilhando seu espaço cativo com artistas antes onipresentes (e reverentes) como Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e afins, no entanto tudo que vi nas últimas festas foram grupos lascivos de tecnoforró moldados na mesma forma e um indigesto neo sertanejo de garagem. Ainda assim esperava que cedo ou tarde surgissem soberanos a zabumba, o triângulo e a sanfona: o genuíno power trio. Mas juntamente com as cinzas da fogueira só apareceu a saudade. O remédio foi cantar.
(ILUSTRAÇÃO JOÃO WERNER)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A DANÇA DOS ZUMBIS

A primeira imagem que tenho de Michael Jackson é a mesma que trago hoje: do cara descontraído saindo com sua garota da sessão de cinema de Thriller. Em suas mãos o vídeoclipe era uma ferramenta perfeita, era a forma dele se comunicar conosco, mortais. Quando se fala em Michael Jackson, mais do que dizer “prefiro o primeiro disco”, diz-se apenas que gostava dele na época de tal clipe. Eles não só contam a história do artista, nos remetem para períodos que parecem cada vez mais distantes, perdidos na memória. No centro da cidade sempre vejo cópias piratas dos seus vídeos dividindo espaço com versões de filmes ainda em cartaz e crianças imitando os passos de suas coreografias como costumávamos fazer. Nos últimos anos os vídeos cederam o lugar às fotografias sensacionalistas de tablóides, lamentavelmente. Espero que a próxima vez que eu passar pela frente de um cemitério à meia-noite ao invés de zumbis tentarem me atacar eles comecem a dançar.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

TERRY REID: O CARA MAIS AZARADO DO MUNDO?

Prodígio inglês, guitarrista e vocalista de timbre vocal largamente imitado, foi convidado por Jimmy Page aos 18 anos para integrar o ainda embrionário Led Zeppelin (New Yardbirds), Terry recusou o convite e indicou o seguidor e admirador Robert Plant (que por sua vez levou junto o baterista John Bonham). Anos depois recebeu novo convite: assumir os vocais do Deep Purple – novamente recusou e a vaga foi para o desconhecido Ian Gillan. O resto é história. Detentor de obra autoral admirável gravou dois discos excepcionais no final dos anos sessenta, com arranjos cheios de psicodelia, folk e blues (elementos precursores da sonoridade de várias bandas, inclusive o Led Zeppelin). Nessa época participou da turnê americana do Cream e do Festival da Ilha de Wight. Apesar do reconhecimento de seu talento por Eric Clapton, Van Morrison e Jimmy Hendrix, seus discos nunca alcançaram o grande público, que somente nos últimos anos redescobriu seu trabalho - mesmo continuando na estrada. Sempre li (e ouvi) o nome de Terry Reid seguido de sentenças como “o cara mais azarado do mundo”, se for verdade eu não sei o que sou.

sábado, 6 de junho de 2009

O FANTASMA DE ARACY DE ALMEIDA


Não sou crítico musical, sou um reles cronista de pequenos posts, o que me permite abordar o show de Caetano Veloso na Concha Acústica em Salvador ontem por qualquer ótica. Poderia dizer que gato e cachorro na cidade pagam meia entrada, o que sempre me deixa a impressão de que estou sendo lesado ou que a centenária matriarca Claudionor Velloso parecia enfadada em seu canto do palco, tirando a mão do queixo somente ao identificar os versos de “Não Identificado”. No entanto, prefiro escrever sobre fantasmas. Diferentemente do que apresentou no começo do ano em Santo Amaro - onde sempre subestima o público presente com um repertório sem novidades pra você e eu e todo mundo cantar junto – ele evitou o aplauso fácil ao cantar onze canções do disco “Zii e Zie” (escutadas silenciosamente pela maior parte da platéia que claramente desconhecia o trabalho, como ficou evidente nos risos involuntários provocados pela letra de “Incompatibilidade de Gênios”). Acompanhado pela ótima Banda Cê, bem mais encorpada do que na última turnê, seus indie-sambas e sua postura eram extremamente rock, principalmente em canções como “Maria Bethânia” e “Eu sou Neguinha” (a melhor do show). Surpreendente para mim apenas a inclusão da cover “Água” de Kassin + 2 e o bis com a tecno-marchinha “Manjar de Reis”. A abertura foi com “A Voz do Morto”, feita especialmente para Aracy de Almeida em 1968 - que não suportava mais ter que carregar o fantasma de Noel Rosa e que injusta e ironicamente é lembrada hoje como a rabugenta jurada do Programa Sílvio Santos. À canção foi incorporado o pegajoso refrão “tem que ser viola” do grupo de pagode baiano Fantasmão, e embora não faça eco às suas teorias exageradas sobre a música carnavalesca feita na Bahia, admito sem a menor culpa que ficou perfeito. Um híbrido inusitado e bem mais interessante que o barzinho e violão de “Mimar Você” da Timbalada, que ele fez em “Noites do Norte” em 2001. No final do show me deparei com os rockers baianos Glauber Guimarães, Fábio Cascadura e Ronei Jorge esperando despretensiosamente por uma oportunidade de falar com o ídolo, talvez que a verdadeira Bahia é o Rio Vermelho. Ao ver Ronei recordei que naquela mesma Concha Acústica em 1999, comandando ainda a extinta banda Saci Tric, ele exibia uma camiseta com a frase Aracy de Almeida is a punk rocker. E ainda teve aquele frevo axé.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

GARAPA (2009)


O diretor de “Tropa de Elite”, José Padilha, filmou durante um mês o cotidiano de três famílias de regiões distintas do Ceará que convivem com a fome regularmente. E é sob o ponto de vista delas que caminha o documentário “Garapa” (que é o nome da água com açúcar com que as mães tentam enganar a fome dos filhos). Não há nada em “Garapa” que eu já não conheça e tenha visto de perto. Não sou do sertão. Sou de um bairro pobre do Recôncavo Baiano, porém durante a infância a miséria sempre espreitou a minha casa com seus olhos ameaçadores e invadiu sem cerimônias as casas dos meus amigos e vizinhos; ainda assim, ao assistir ao filme, foi impossível manter a indiferença. A sensação de culpa e o desconforto são quase inevitáveis. Não é a piedade que permeia a experiência e não existe a lágrima fácil – a lágrima, quando veio, foi oriunda do ódio, da impotência e da conivência. Como ótimo documentarista, premiado em “Ônibus 174”, José Padilha preserva a distância, que foi quebrada apenas ao dar analgésico a uma criança que sofria com dores de dente. O filme não faz uso de música ou qualquer outro tipo de manipulação de sentimentos, o silêncio é perturbador e incomoda (a trilha sonora é a sinfonia das moscas). A renda familiar resume-se aos cinquenta reais do Bolsa Família, com exceção de uma jovem mãe de onze filhos que não possui nenhum tipo de documentação. Aliás, o filme é sobre mulheres. Os homens, na condição patriarcal de provedores do lar, são ociosos – o que se acha o mais esperto, por ter nascido na capital Fortaleza, é um alcoólatra odiado pela comunidade que encontra refúgio na ingenuidade da esposa, que é insultada constantemente e fecha os olhos para os desvios que ele faz do pouco que têm. Ao final da sessão você não sai com os olhos marejados, sai com a garganta seca.
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