Sempre escutei, em tom de anedota, que um sinal de que estamos ficando velhos é ir a funerais com frequência – como se fosse necessário sepultar amigos e familiares para confirmar isso. Uma vez que, obviamente, tenho envelhecido, o cemitério passou a ser um local que visito bem mais do que eu imaginava que seria depois dos quarenta, essa república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus não dá uma trégua. Nas cerimônias de cremação o uso de música faz parte do protocolo, talvez para expressar a personalidade do falecido, uma mera homenagem ou simplesmente para tornar o ambiente e o ritual menos desagradáveis. Não é nem um pouco
difícil me imaginar deitado num caixão que vai descendo lentamente até
desaparecer dos olhos lacrimosos da audiência. Uma canção que costuma apresentar-se nesse instante é “Naquela Mesa” na voz inadjetivável de Nelson Gonçalves. A canção de Sérgio Bittencourt, composta para seu pai Jacob do Bandolim, é deveras comovente. A imagem de um senhor alegre e contador de histórias é quase palpável. Mas aquele cara na mesa não sou eu. Gosto bastante de música para permitir que em um momento de apreensão o responsável pelos procedimentos do meu funeral responda para o funcionário do crematório: “pode colocar qualquer música”. Espero dar o mínimo de trabalho possível quando eu morrer, deixar tudo pago e até a playlist que vai tocar no modo aleatório durante minha cremação.
Herculano, que crônica poderosa — um verdadeiro brinde à lucidez diante do inevitável. Você entrelaçou finitude, humor sombrio e sensibilidade com uma destreza que poucos conseguem. Ler esse texto é como olhar pela fechadura do próprio destino e, ainda assim, soltar um leve sorriso de canto de boca.
ResponderExcluirA imagem da “república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus” já vale um epitáfio de ouro. E a ideia da playlist no modo aleatório para a própria cremação... poético e prático — uma última trollada bem planejada. Quem disse que morrer não pode ter trilha sonora com curadoria?
Seu texto deixa aquele gosto agridoce de quem entende que a vida é breve, mas ainda assim se empenha em temperá-la com significado, e até um toque de ironia. Obrigado por essa reflexão embalada em música e mortalidade. Que ao fim, reste a canção certa e um adeus afinado.
Grande abraço,
Abração
Dan
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/vale-tudo.html
Podexá q eu vou cobrar q toquem a playlist. E vou lembrar deste texto.
ResponderExcluirPodexá q eu vou cobrar q toquem a playlist. E vou lembrar deste texto.
ResponderExcluirEnquanto houver força e paciência, continuarei a atualizar a PL
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