Sei que a nostalgia vende e, muitas vezes, é difícil escapar do seu apelo. Consumida, principalmente, por antigos jovens ávidos por dopamina, a nostalgia poderia ser um produto à venda nas melhores lojas do ramo (com campanha publicitária dirigida por Washington Olivetto e exibida na íntegra no intervalo do Fantástico). Poderia ser também a droga criada a partir das memórias do próprio usuário e atrelada ao seu DNA como na série Watchmen (2019). A nostalgia seduz, fascina, é um enigma já solucionado, é o que pejorativamente, e injustamente, chamam de zona de conforto. O show dos Titãs com sua formação clássica, e um repertório que com inevitáveis exceções vai do debut de 1984 até o controverso e maravilhoso álbum de 1991, é nostalgia pura, é saudade do que não vivi. Sempre afirmei que a banda deveria ter encerrado as atividades após o Acústico MTV (1997), que para o bem e para o mal definiu o template usado à risca pelos artistas seguintes. No entanto, prosseguiram colecionando erros e acertos ao gosto do freguês – mesmo que fosse um freguês nostálgico.
terça-feira, 30 de maio de 2023
quinta-feira, 21 de julho de 2022
SOCIAL DISTANCIAMENTO XX
Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda
Publiquei em 2012 SALVADOR ABAIXO DE ZERO, um volume de breves contos sobre uma soterópolis suja, insalubre, nada solar, que não aparece no cartão-postal. Certamente, o trabalho que mais gostei de realizar, além de ter alcançado um resultado autoral satisfatório e com inesperada repercussão, simultaneamente me afastava daquela roupa de poeta que nunca me coube muito bem. Entusiasmado, decidi produzir contos de maior fôlego apresentando protagonistas absolutamente escrotos que, feito Marco Aurélio em “Vale Tudo”, escapavam impunes na conclusão. Eram agentes do antigo DOPS inconformados com os rumos do país, carlistas saudosos de um verão mais truculento, xenófobos, homofóbicos, conservadores hipócritas, neonazistas, feminicidas, milicianos, corruptores, entre outros elementos repulsivos. Apesar da temática, tudo era abordado com bastante humor ácido, crítico; parecia ser, naquele momento, uma continuação natural da obra anterior e não um prenúncio de tempos sombrios. A cada revisão e reorganização da ordem dos textos o conjunto ganhava um novo título, “EU NÃO SOU UM BOM LUGAR”, um empréstimo de uma canção dos Titãs, fora o que mais resistiu às impressões e encadernações na papelaria, sendo, inclusive, finalista de alguns prêmios literários – o que me iludiu ao ponto de esperar por “uma oportunidade melhor” de publicação, com isso fui protelando e consequentemente perdendo o trem da história. Na época, o cidadão que seria eleito democraticamente presidente em 2018 através do sistema de urnas eletrônicas não era alguém a ser levado a sério e os personagens nocivos do livro, para mim, eram apenas caricaturas, uma fotografia desbotada de um mundo que eu acreditava não existir mais. Quanta ingenuidade. Inicialmente o que era divertido foi no decorrer dos anos se tornando indigesto, talvez tenha sido melhor, realmente, não ter sido publicado, sabe lá como ele seria entendido na atualidade, se adequando conforme a narrativa mais conveniente, o que me obrigaria a sempre me justificar e justificar a obra. Enfim, taí um inédito na gaveta que não desejaria ver nas prateleiras, mesmo que aqueles vermes retratados retornem para as trevas algum dia.
sexta-feira, 20 de maio de 2011
32 DENTES
Não confio em quem não se atrasa, em quem não pede desculpas, em quem não se arrepende de nada. Não confio em quem não dá o braço a torcer.
Não confio em quem diz “adeus” e telefona no dia seguinte.
Não confio em quem diz que adorou a biografia do Lobão, mas nunca escutou os seus discos; em quem diz que está lendo a biografia do Keith Richards, mas prefere os Beatles aos Rolling Stones. Não confio em quem lê biografias.
Não confio em promessas de amor, promessas de governantes, em juras que começam com “nunca mais”. Não confio em quem “ama” e “adora” tudo e todos. Não confio em quem diz “odeio”, em quem diz “jamais”. Não confio em quem sofre calado, em quem diz que diz o pensa.
Não confio em críticos de arte, em “campeões de bilheteria”, “campeões de audiência”, nos campeões do UFC. Não confio em comentaristas nem em dirigentes de futebol.
Não confio em placas que sinalizam “proibido”, em previsões do tempo, em conselhos moralistas.
Não confio em “amigos” de pessoas influentes , em oportunistas, em conquistadores baratos. Não confio em quem está sempre disposto a ajudar.
Não confio em taxistas que perguntam qual caminho eu prefiro, em sindicatos, no bom mocismo do Bono Vox.
Não confio em torcidas organizadas, em organizações não governamentais. Não confio nos Estados Unidos da América.
Não confio em ninguém com mais de trinta anos, não confio em ninguém com mais de trinta cruzeiros, não confio em ninguém com trinta e dois dentes.
Desconfio de mim quando me pego fazendo algo que normalmente não faria.
Não confio em quem desconfia de tudo.