Cinco anos após seu último disco, Chico Buarque, enfim, lançou seu mais recente trabalho, intitulado simplesmente “CHICO”, antecipado por uma bem sucedida estratégia anti-pirataria promovida pela gravadora Biscoito Fino, que colocou o disco em pré-venda no site do cantor há mais de um mês - e conseguindo apenas no primeiro dia quase duas mil aquisições, o que levou o site a ficar fora do ar. Essa gravadora, inclusive, não costuma permitir que o seu material seja disponibilizado na internet, frequentemente vídeos são bloqueados e arquivos para download são removidos (uma canção minha, DEU SAUDADE, que faz parte do seu catálogo, foi retirada deste blog três vezes - nesse momento nem sei se ainda está postada).
Deixando o disco em segundo plano, o que a imprensa, dita especializada, mais se apegou ultimamente foi o seu romance com a cantora Thaís Gulin e um verso da canção “Querido Diário”, que a versão digital da revista Veja considerou o pior da MPB no século XXI: “Amar uma mulher sem orifício”. Assim mesmo, no singular. É possível que a sonoridade e o significado da palavra “orifício” causem um desconforto, mas descontextualizado até Fernando Pessoa parece estranho (bom, Fernando Pessoa não). A letra da canção é um simples conjunto de notas cotidianas sem muita profundidade, tal qual acontecimentos dispersos nas páginas de um diário, sobre o trânsito, um cachorro de rua ou um encontro casual com amigos (“Hoje topei com alguns conhecidos meus/ Me dão bom-dia, cheios de carinho”). O polêmico verso aparece pouco depois: “Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício”.
Há quem diga que o “genial” Chico Buarque tenha ficado para trás e que o epíteto de “melhor letrista da música brasileira” já não lhe caiba tão bem. Comparações com outros contemporâneos em atividade, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, são quase inevitáveis, este tenta manter o frescor da sua obra e nunca teve problemas com nenhum tipo de orifício, vide o verso “A tua presença/ entra pelos sete buracos da minha cabeça”.
Amar uma mulher sem orifício não sugere muitas possibilidades, provavelmente não passa de um amor platônico, um amor sem sexo ou um amor que exista além do sexo - ou trata-se mesmo da imagem de uma santa. Orifício é uma passagem estreita, um pequeno furo. O uso do substantivo no singular serve para enfatizar a ideia de único caminho, única oportunidade - que não há. Uma mulher sem orifício talvez seja, simplesmente, um desejo inalcançável. Certamente, havia outras maneiras de dizer a mesma coisa, ou rimar sacrifício com artifício, início, desperdício ou fictício - cada poeta com suas palavras -, contudo, dificilmente provocaria o mesmo estranhamento.
De repente, para um homem de 67 anos, o amor sem sexo, um amor platônico ou amar uma estátua seja realmente isso: um estranhamento.
Deixando o disco em segundo plano, o que a imprensa, dita especializada, mais se apegou ultimamente foi o seu romance com a cantora Thaís Gulin e um verso da canção “Querido Diário”, que a versão digital da revista Veja considerou o pior da MPB no século XXI: “Amar uma mulher sem orifício”. Assim mesmo, no singular. É possível que a sonoridade e o significado da palavra “orifício” causem um desconforto, mas descontextualizado até Fernando Pessoa parece estranho (bom, Fernando Pessoa não). A letra da canção é um simples conjunto de notas cotidianas sem muita profundidade, tal qual acontecimentos dispersos nas páginas de um diário, sobre o trânsito, um cachorro de rua ou um encontro casual com amigos (“Hoje topei com alguns conhecidos meus/ Me dão bom-dia, cheios de carinho”). O polêmico verso aparece pouco depois: “Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício”.
Há quem diga que o “genial” Chico Buarque tenha ficado para trás e que o epíteto de “melhor letrista da música brasileira” já não lhe caiba tão bem. Comparações com outros contemporâneos em atividade, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, são quase inevitáveis, este tenta manter o frescor da sua obra e nunca teve problemas com nenhum tipo de orifício, vide o verso “A tua presença/ entra pelos sete buracos da minha cabeça”.
Amar uma mulher sem orifício não sugere muitas possibilidades, provavelmente não passa de um amor platônico, um amor sem sexo ou um amor que exista além do sexo - ou trata-se mesmo da imagem de uma santa. Orifício é uma passagem estreita, um pequeno furo. O uso do substantivo no singular serve para enfatizar a ideia de único caminho, única oportunidade - que não há. Uma mulher sem orifício talvez seja, simplesmente, um desejo inalcançável. Certamente, havia outras maneiras de dizer a mesma coisa, ou rimar sacrifício com artifício, início, desperdício ou fictício - cada poeta com suas palavras -, contudo, dificilmente provocaria o mesmo estranhamento.
De repente, para um homem de 67 anos, o amor sem sexo, um amor platônico ou amar uma estátua seja realmente isso: um estranhamento.
Bem, dessa "mulher sem orifício" do Chico já cansei de falar, em discussões no FB, mas vamos nós outra vez...
ResponderExcluirHouve quem saísse em defesa do "intocável" Chico Buarque, de quem sempre fui fã, por sinal. Mas, por deus, rima infeliz, maneira estranha de dizer seja lá o que tenha querido dizer. Tomara que não seja reflexo da maturidade, porque aí vem a distorção: mulher é um bicho que, sim, tem alma, mas sem deixar de ter orifício! Não tem defesa, Chico foi mal nessa!
Beijo,
Simples assim? Brilhante!
ResponderExcluirHerculano, adoro você e essa sua cabeça notável. (com ou sem orifícios)
Beijos
Caraca! adoro o Chico. O texto é ótimo - reflexivo.
ResponderExcluirMuito bom
Um abraço
A letra está postada, mas a audição bloqueada. Um bom dia para você,eu escuto de qualquer maneira depois. Um abraço, Yayá.
ResponderExcluirO que mais gosto nesses seus textos é que eles não sao maniqueistas, vc consegue nos envolver sem tomar partido, cada um que decida por si.
ResponderExcluirEscutei tua canção perfeitamente,
só tem que esperar carregar.
Crítica corajosa. Não conheço a música, sua análise aguçou minha curiosidade.
ResponderExcluirAbraço,
Ana Ribeiro
olha eu entendo essa cançao como um amor platonico..pois ele sugere uma mulher intocavel ( sem orificios )..
ResponderExcluirmas nao sei,,
cada um interpreta de uma maneira,,,
só perguntando para o Chico mesmo...
rsss
bjocas
ana casada
a musica é linda...
Herculano, amar é para os fortes.
ResponderExcluirDifícil entender amar uma mulher sem orifício? Não acho não. Mais amadas do que as deusas de Hollywood?
Adorei!
Bjus
Herculano!
ResponderExcluirAmo o Chico. Não li nada a respeito sobre o novo disco. Mas como compositor, letrista e cantor, para mim não existe outro.
Depois que ele recebeu um prêmio a imprensa caiu em cima dele.
Não dou bola. Esse orifício aí pode ter muitos significados.
Gostaria de conhecer suas músicas,
Beijos
Mirze
para mim o estranhamento maior é o endeusamento do Chico ... nem tanto assim ...
ResponderExcluirLonge de qualquer olhar "apaixonado", pq aprecio Chico,mas não gosto da idéia do apoio 'irrestrito', eis o meu olhar sobre a letra.
ResponderExcluirAcredito que tudo seja contexto. Com Chico então,nem se fale! “Querido diário” parece-me uma digressão,cujo poeta,na verdade, desabafa indiscriminadamente angústias. “Ama uma mulher sem orifício” não pareceu-me uma máxima,um conselho,ou algo do tipo. No contexto da estrofe,mais pareceu-me uma crítica a este pensar, inclusive. E mais, acredito que o termo ‘orifício’ talvez tenha sido empreendido mesmo com este objetivo, o de gerar o choque, a indignação...que,para a (in) compreensão, é um passo.
“ Hoje pensei em ter religião
De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício
Por uma estátua ter adoração
Amar uma mulher sem orifício”
P.s: Realmente a Veja considerou a pior verso da MPB do século XXI. Mas, a questão é: Será que o artista Chico não está sendo olhado pelo político? Afinal, a Veja é a Veja.
Precisamos de visões mais neutras, de poetas mais desprendidos de qlq outra visão, que não a poética, e de olhar mais macio...aliás, como o próprio Chico,na letra. ;)
Herculano,
ResponderExcluirDe te ler agora, deu saudade de Santo Amaro, das vezes em que estive aí com o Roberto (pra quem sempre peço que toque "Morena dos Olhos D'água"), umas cinco ou seis, mas já vai longe a última: 2009, creio...
Será que está velho o Velho Francisco? Me lembro que "Mulheres de Atenas" também lhe rendeu algumas reprimendas femininas, desfeitas com o tempo...
Com tempo, sempre passo por aqui. Aqui se pensa, e dá saudade...
Abraço temporâneo,
Ramúcio.
Finalmente um texto sem histerias e afetações sobre esta "polêmica".
ResponderExcluirValeu!
Sou super fã do Chico, mas confesso um estranhamento ao ouvir essa canção. A genialidade dele é incontestável, mas esse feixe de "esquadros" do cotidiano em uma mesma canção, todos conectados por uma desconexão absurda, empobreceram a canção, penso eu. Sei lá.... como quem só pensa em preencher uma melodia despretensiosamente. Isso não me agradou, acho que está mais pra praia do Djavan.
ResponderExcluirMas Chico continua abraçado pelos meus ouvidos e pelo meu coração. rs :)
Herculano,
ResponderExcluirFui ler a letra completa e me veio uma outra compreensão: "por uma estátua ter adoração, amar uma mulher sem orifício" não poderia fazer referência a N.Sra, que concebeu através do Espírito Santo?
Toda forma de amar ....vale amar...né nao??
ResponderExcluirDesde sempre adoro seus textos.
[contem 1 beijo]
Boa crítica. Excelente escrita.
ResponderExcluirwww.robertavladya.blogspot.com
Olhe, que vejo esse tipo de discussão por ai e entendi como você: Trata-se do amor sem sexo, e o povo interpretando de várias maneiras, não acho que Chico tenha perdido seu genialidade, e continuo fã igual! Sorte! :)
ResponderExcluirOie moço passando p conhecer o Blog no momento não tem como ler o texto mas eu volto p entender "a misteriosa mulher sem orificio" rsrsr
ResponderExcluirqndo puder me faça uma visitinha também.
bjs te mais ^^)
http://docpimenta.blogspot.com
Não é só o verso em questão, a letra toda é meio forçada, fraca. Mas... (dar de ombros).
ResponderExcluirA quantidade de comentários estúpidos lá na Veja é engraçada. "O Chico sempre foi genial, por que deixaria de ser agora?" Deus... Também dizer que é "o pior verso da história da MPB" é uma desmedida bobagem!
Cara, até um gênio como Picasso produziu uma profusão de coisas de regulares para ruins, e também um Mozart, um Drummond... e vai. O que importa são os momentos altíssimos já alcançados, alguns, certamente, irrepetíveis, únicos.
Sabe que essas coisas cansam?
Abraço.
Depois da sua análise foi como ter ouvido, e até apreciado essa música do Chico.
ResponderExcluirAcho que a crítica, cada dia tem menos credibilidade contemporânea para falar de qualquer coisa, principalmente de arte e desse artista.
Ninguém vai arrancar Zeus do Monte Olimpo tão fácil!
Abraços
Não se pode matar um leão por dia a vida inteira, mesmo sendo Chico Buarque.
ResponderExcluirQuando leio alguma crítica sobre o Chico, mesmo sendo “boa”, vou ouvir “As Vitrines”, “Eu te amo”, “O último Blues”, “Choro Bandido”, “Joana Francesa”, só pra começar.
Daí tudo torna-se uma grande bobagem...
Bjs
Rossana
(vai ver a inspiração chegou após olhar um retrato fotoshopado, da musa?)
ResponderExcluirEu realmente não entendi o porquê de tanta celeuma. Para mim, ficou claro que ele se refere à estátua, expressa no verso que antecede o dito.
ResponderExcluirMas a gente - e a imprensa de modo geral - gosta mais da polêmica em torno do discurso ao esforço intelectual que se tem em considerar o seu contexto...
A visão mais lógica é mesmo referente a estatua de uma santa, no entanto, como diria Gilberto Gil, quando o poeta diz: "Lata"
ResponderExcluirpode estar querendo dizer o incontível. E vindo de Chico, tudo é possivel. Ainda assim a rima é muito infeliz, embora no mesmo disco ele tenha rimas sensacionais.
Bom dia querido amigo gostei muito do texto...um dia iluminado bj!
ResponderExcluirTambém não gostei nadinha. Na certa ele poderia ter usado outra metáfora pra dizer que a mulher era inatingível, impenetrável, né?
ResponderExcluirMas a palavra "orifícios" aqui, no lugar de "comentários" ficou bem...rs
Um beijo.
"Silêncio na casa de vinhos", já é um ótimo título para um poema, que espero ainda ver por aqui. Infelizmente esse crônica de uma morte anunciada se concretizou.
ResponderExcluirMe conta- crescer significa ser assim como vc?
ResponderExcluirRapaz acho maravilhosos seus posts, pouco conseguem prender minha atenção como vc- é gostoso de ler, muito bom mesmo!!
Deixo meu abraço e desejo um ótimo fds!
Espero por vc no Alma!
mais uma que se vai aos 27.
ResponderExcluirE quem não se sente puro "estranhamento" de vez em quando? Além do que, Chico é sempre o Chico, mas suas letras já foram BEM melhores. Adorei seu texto!
ResponderExcluirAcho muito chato esse endeusamento de Chico Buarque, Caetano, Gil, João Gilberto ou quem quer que seja. São todos geniais, fundamentais, mas não infalíveis. Esse "orifício" realmente é um verso horroroso, mas e daí? Falhas, imperfeições, mau gosto, equívocos, tudo isso é o que nos faz humanos e saber que até o grande Chico Buarque comete deslizes é muito salutar. Mostra que, nessa altura da vida e da carreira, Chico ainda é um artista disposto a correr riscos. Mas que esse "orifício" ficou esquisito ficou...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOi Herculano, voltei pra colocar a leitura em dia.
ResponderExcluirConcordo com o Paulo Braccini, com certeza, nem tanto assim!
Orifício à parte, fico com a genialidade do Ivan Lins. Um bj carinhoso.
Adorei o post. É bom voltar aqui e ler um post la de 2011 , 1 ano passado.
ResponderExcluirTe espero la no blog ,
seu comentario no assunto TABU,
será muito bem aguardado.
Bjins
Eu fico imaginando qual seria o estardalhaço se Chico estivesse buscando uma rima para menu, por exemplo.
ResponderExcluirFico danada com essa delimitação criada de que "coisa boa" é só aquela que está registrada na ISO 9000 que se estabeleceu sabe-se lá por que(m)!
Acho ainda que, quando a gente presta mais atenção nisso ou no puritanismo que a gente jura que não tem, do que na arte em si, já perdemos a viagem. Ou seja, o barato se apagou.