sábado, 21 de maio de 2016

IMPUBLICÁVEL


trago na cabeça
um poema tão doloroso
e injustificável
que jamais tentarei
colocar no papel

costumo cantarolar seus versos
numa melodia tristonha
quando estou sozinho
quando a chuva me apanha
na rua e não procuro abrigo
quando amanhece do outro
lado da minha cortina

esse poema é só meu

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

SAVEIROS DE PAPEL

Paulo Leminski já nos eximiu de certo ranço hermético ao nos apresentar uma poesia simples e não simplista; coloquial e não menos inquietante. Mostrou que é possível provocar com versos curtos, que é possível mergulhar na superfície, ir além da pedra. Ser moderno não é modismo, é uma consequência natural do seu tempo, é aceitar, sem receios, a areia que se esvai em sua ampulheta, é decidir entre querer ser ou parecer e não tentar soar feito algo que não lhe pertence (Allen, meu velho, meia-noite não é apenas em Paris). Deixar a emoção em primeiro plano requer coragem, trazer o coração nas mãos, a cara pra bater, não é para qualquer ajuntador de estrofes. Ecos da poesia marginal pululam aqui e ali, seja na forma, no humor, na verve irônica e absolutamente refinada, no verso certeiro, objetivo, que golpeia, que te põe desnorteado, que te obriga desesperadamente a um clinch. A poesia de Dado Ribeiro Pedreira é para ser consumida sem moderação. Sua poética é para ser vivida, degustada, curtida até a última ponta, até a última dose.

Texto produzido para outros fins, mas que se tornou a orelha da belíssima estreia literária do comparsa Dado Ribeiro Pedreira.

SAVEIROS DE PAPEL pode ser adquirido AQUI
 

terça-feira, 21 de julho de 2015

“BATIDAS NA PORTA DA FRENTE, É O TEMPO”

       –  Hey?! Tem alguém aí? Alguém ainda aparece por esses lados?
      Numa época em que tudo parece se diluir na efemeridade do Instagram e Feicebuque, nos lápis de cor dos livros de colorir, um blogue parece ser um veículo cada vez mais sem importância, para poucos destemidos que não se deixam perder no vazio excessivo das redes sociais.
      Mesmo assim, gostaria de postar mais. Não me falta assunto: falta areia na ampulheta.
     Sempre rejeitei a desculpa da falta de tempo, acreditava que quando você quer realmente realizar algo tudo se torna adiável. Organizar prioridades deveria ser a solução óbvia. Mas o que fazer quando após eliminar tudo o que for desnecessário só lhe restar dezenas de “prioridades”?
      Recentemente, em um cálculo pouco apurado, sem consulta a gráficos e estatísticas, cheguei ao surpreendente resultado de que se o dia tivesse 36 horas não seria suficiente.
      Vejo minha família e meus amigos menos do que eu gostaria; os jogadores do meu time são, para mim, notórios desconhecidos; livros se acumulam na estante, na prateleira destinada às próximas leituras; filmes desaparecem nos fins de semana de estreia sem a minha presença numa sala de cinema. Prioridades? Viajar a passeio, pedalar no parque, cultivar bonsais, conhecer meus vizinhos além das formalidades do elevador, ter um filho, um cachorro...
      Talvez, e agora eu me permito uma resignada elucubração, seja consequência de mudanças na vida pessoal e profissional, o fim das certezas confortavelmente estabelecidas. Ou talvez apenas procure desculpas que não cabem no manual de autoajuda, talvez...
      
        Hey?! Tem alguém aí? Alguém ainda aparece por esses lados? Hey?!

domingo, 28 de junho de 2015

OUTRO LIVRO NA ESTANTE



OUTRO LIVRO NA ESTANTE, obra organizada por Herculano Neto e Gustavo Felicíssimo, reúne 11 contos escritos por ficcionista baianos, todos eles inspirados em músicas de Raul Seixas. A obra conta ainda com textos sobre o livro, escritos por parceiros históricos do grande músico baiano, como o Carlos Eládio, guitarrista de Raulzito e os Panteras, para quem “Outro Livro na Estante” é Raul Seixas revisitado por seus conterrâneos, com respeito e admiração. Uma nova leitura instigante e intrigante, inteligente e bem-humorada. Uma belíssima homenagem aos 70 anos de nascimento do eterno Raulzito". Para Edy Star, cantor e ator, último membro vivo da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, "Onde estiver o ‘Magro Abusado’, ele certamente estará satisfeito y agradecido por essa lembrança/presente no seu 70º aniversário. Já para o também cantor e compositor Wilson Aragão, parceiro de Raul na música "Capim-Guiné", para "Marcio, Tom, Kátia, Herculano, Victor, Davi, Rodrigo, Georgio, Ricardo, Ediney, Dênisson, Rita e outros sonhadores, é por aí o caminho: ousar. A inquietude sempre atropelando e esmagando a inércia"

Lançamento dia 03 de julho, a partir das 19 horas
CONFRARIA DO FRANÇA
Travessa Lydio de Mesquita, 51 – Rio Vermelho, Salvador

domingo, 1 de março de 2015

"EU SOU A AREIA DA AMPULHETA"

Envelhecer é uma sentença e uma inquietação, não lhe faltam aforismos, poemas, músicas... Uma descrição que sempre apreciei afirma que constatamos realmente a passagem do tempo quando passamos a ir ao cemitério com mais frequência. Recentemente me deparei com algo igualmente desolador: alguns amigos da mesma geração já são ou serão avós; e eu, que ainda nem sou pai, assisto a essa ciranda da vida sem expectativas e sem frustrações. Consciente de que poderei, com esses apressados cabelos brancos, ser avô do meu filho.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

SOL DE MAIO

gosto das minhas cicatrizes
de quem não me entende
de quem acha que me entende

gosto do meu passado
até quando ele me condena

gosto de quem me intimida
de descer do salto
de andar descalço
de saudar o inverno

gosto dos mitos
dos boatos
dos rumores

gosto da dúvida
da contradição
gosto de versos que começam com “sou”
mas que pouco explicam

gosto do silêncio das capitais
de ser mais um na multidão
mais um retalho na colcha

gosto da fumaça do narguilé
dos florais de bach
dos realejos e teremins

gosto do cinema argentino
do futebol argentino
fito paez
borges

gosto do café dos maestros
e da face serena do sol de maio
(Herculano Neto)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

EPÍGRAFE



Rosamund Pike
épigraphe

les épigraphes sont parlantes
ne se cachent pas

l’épigraphe c’est toi sous la plume de l’autre
c’est le vers en plein dans le but
la référence
la déférence
la bénédiction

les épigraphes sont traîtresses
décoratives
superflues

les épigraphes sont médisantes
prétentieuses
tendancieuses

les épigraphes sont autosuffisantes
les épigraphes sont des épitaphes


epígrafe
epígrafes dizem mais
não se escondem

a epígrafe é você na pena do outro
é o verso certeiro
a referência
a deferência
a bênção

epígrafes são traiçoeiras
decorativas
desnecessárias

epígrafes são maledicentes
pretensiosas
tendenciosas

epígrafes são autossuficientes
epígrafes são epitáfios


*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

 




quarta-feira, 27 de agosto de 2014

OS MISSIVISTAS

Um amigo escritor iniciou um papo contra as mídias digitais, alegou que tudo é muito veloz, fútil, desnecessário; que não se documenta mais nada, que tudo se perde no oceano da web; que se abandonar sua caixa de entrada por algum tempo tudo é excluído automaticamente; que muitas biografias se fundamentam, principalmente, pela correspondência trocada pelo biografado... Enfim, toda uma ladainha preambular para propor que trocássemos cartas nos moldes tradicionais: papel, caneta, envelope e selo. Argumentou que poderíamos expor, sem medo da censura do nosso tempo, todas as nossas mais reprimidas ideias e que talvez o futuro nos agraciasse com a publicação dessa correspondência, como Mário de Andrade e Carlos Drummond. Prosseguiu, entusiasmadamente, que Fulano e Beltrano, dois conhecidos escritores locais, já faziam isso há alguns anos. Com muito tato e elegância, declinei do convite. Ele pareceu não se importar com a minha recusa, confessou que tinha convidado, através do Feicebuque, uma jovem escritora ascendente, mas ela ainda não havia respondido.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

SINOPSE

Chiara Mastroianni
synopse

je suis fait d’hypothèses :

la plus probable est celle qui
me dément le mieux

la plus cruelle est celle qui m’explique
le mieux

je suis fait d’équivoques
contradictions
convictions
papillons

je suis une bougie allumée
dans la nuit des angoisses




sinopse

sou feito de hipóteses:

a mais provável é a que
melhor me desmente

a mais cruel é a que melhor
me explica

sou feito de equívocos
contradições
convicções
borboletas

sou vela acesa
na noite das angústias


*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

segunda-feira, 14 de julho de 2014

PORMENORES


 
a infância foi uma manhã
                                de sol


há tempos que sou
noite de rugas e cabelos brancos


a infância passou
sem nuvens


quase madrugada 






*POEMA INTEGRANTE DE "A CASA DA ÁRVORE"

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O INFAME DA VILEZA

Escritores tendem a se achar semideuses, a única Pepsi-Cola do Jardim de Alah, o pote de ouro no final do arco-íris (muitas vezes se acham o próprio arco-íris) mesmo quando não publicaram nenhuma nota de rodapé, mas isso é o que menos importa, para um escritor é comum acreditar que um dia serão descobertos, compreendidos, cultuados; serão figurinhas fáceis em feiras literárias, terão trechos recitados por Tony Ramos no Fantástico, obras adaptadas para cinema e TV, darão opinião sobre-tudo-e-qualquer-coisa mais do que Caetano Veloso. E se a vida, essa pequenez divina, não os contemplar a tempo, restará a posteridade póstuma, quando serão estudados pelas melhores faculdades, pelas mais brilhantes cabeças pensantes do futuro. Outra característica do escritor é desmerecer o trabalho alheio: só ele escreve bem, o resto chafurda na mediocridade, e quando o colega é realmente bom não passa de um copiador barato, um repetidor de cânones consagrados. Resumindo, escritor no Brasil é um chato de galochas. Sempre que me acho melhor do que realmente sou, abandono minha Bic e vou secar a louça, repor a despensa, limpar os armários: genialidades de pessoas comuns.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

COM DEFEITO DE FÁBRICA

      Nasci com saudade, meu defeito de fábrica. E de saudade estão contaminados os poemas de "A Casa da Árvore". Saudade, inclusive, do que não vivi.
      Sempre fiz poesia, ou deixei que a poesia me fizesse, que moldasse minha escrita, minha necessidade de exteriorizar sentimentos, uma inquietação juvenil que o tempo se encarregou de dizer o que é página de diário, letra de música, poesia ou incinerador. Muitas ideias ficaram pelo caminho, projetos que não foram adiante, poemas que envelheceram mal nas gavetas, que perderam o sentido, que não faziam sentido. O que sobreviveu virou CINEMA, minha primeira publicação solo e atrevimento poético. Naquela época, embora não fosse mais tão menino assim, cultivava algumas pretensões e ansiedades típicas de iniciante, um desejo de querer dizer tudo que eu acreditava ser essencial. Ali, a infância já era um tema que tingia de saudade quase todo o livro.
        Em A CASA DA ÁRVORE reencontro a infância. Só que dessa vez a observo de longe. Dividido em três partes ou três lares (Casa de Retalhos, Casa de Espelhos e A Casa da Árvore), reúne o que produzi de relevante, na minha caótica opinião, nos últimos anos. Pouco escrevo poesia, às vezes passo meses e mais meses sem nada escrever. Ao contrário da minha obra de ficção, que tenho o completo domínio do parar e iniciar, minha poesia é quem me comanda. Parece clichê, provavelmente até seja, mas poesia é de dentro pra fora. Sua feitura é diferente. É dolorosa. Na primeira parte, Casa de Retalhos, trago os poemas postados no meu blogue, com pontuais modificações nos títulos, palavras e até na inclusão, exclusão e ordem dos versos. Desde o início, o plural “retalhos” parecia ser a escolha mais óbvia para designar o capítulo, mas ao ver todos aqueles textos agrupados, notei que havia uma unidade, um desassossego, uma melancolia.  Na revisão final “retalhos” permaneceu. Percebi que na minha memória afetiva “retalhos” sempre foi singular. A segunda parte, Casa dos Espelhos, é a menor e a que mais me deu prazer em produzir, pois pude retomar, com um saudável distanciamento, poemas antigos através das traduções realizadas, e publicadas, pelo amigo Pedro Vianna na França (“Arrumando as Malas”, de OS OUTROS POEMAS DE QUE FALEI, 2004; “Os Outros”, de SOB PRESCRIÇÃO, 2006; “Malícias”, inédito; “Versos Excluídos”, “Sinopse”, “Ironia”, “Um Miserável a ver navios” e “Pano de Boca”, de CINEMA, 2007). A última parte também denomina o livro, A Casa da Árvore, e é uma reflexão sobre a infância, sobre como dói ser criança, sobre como é equivocada a urgência de crescer, embora só percebamos isso depois, muito depois. Nesse capítulo, a saudade inflama com mais intensidade, indo de uma solitária partida de futebol de botão, passando pela casa em que crescemos e que nunca nos abandonará a até um platônico amor infantil que encontrará seu fim nas rodas de um caminhão. O mundo era menos triste/ na casa da árvore. Inevitável sentença.
      A infância não é para inocentes, mas a poesia talvez seja. Então, quero que essa inocência impregne meus versos, quero resvalar na criança que eu fui, quero que ela encontre o adulto que eu me tornei, quero que ela tenha orgulho de mim.
         Nasci com saudade, meu defeito de fábrica. 
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