quinta-feira, 27 de setembro de 2012

ALÉM DO QUE SE VÊ

OS INOCENTES
(The Innocents, EUA/Inglaterra, 1961)
Direção: Jack Clayton

A governanta vivida por Deborah Kerr (um dos seus melhores momentos no cinema, em uma atuação que cresce gradativamente) aceita o emprego em uma mansão no campo para cuidar de um casal de irmãos órfãos. Desde a sua chegada ao local, ela passa a ser atormentada por visões de pessoas estranhas rondando a propriedade e a acreditar que as crianças, que ela acha que não seriam tão inocentes quanto aparentam, também podem vê-las. A sombria fotografia realça o tom acentuadamente gótico da Inglaterra vitoriana e o final surpreendente nos permite uma série de interpretações. Com status de obra-prima do terror psicológico, OS INOCENTES, baseado na novela “A Volta do Parafuso”, de Henry James, e com roteiro de Truman Capote, ainda serve de modelo para uma série de imitações  que amiúde aparece por aí.

QUERIDA WENDY
(Dear Wendy, Dinamarca, 2004)
Direção: Thomas Vinterberg 

 
Jovens sem perspectivas e sem autoestima se reúnem em um clube secreto, fundamentado no contraditório princípio do pacifismo e da posse de armas, uma evidente crítica à cultura bélica norte-americana. Produzido entre DOGVILLE e MANDERLAY (a incompleta trilogia “EUA, terra das oportunidades”), QUERIDA WENDY não esconde seu parentesco, e talvez se passe, inclusive, em algum lugar entre as duas cidades. Com roteiro de Lars von Trier, tem em comum a narração em off, os tipos sociais bem específicos e a rotina de uma cidade pequena com seus espaços claramente delimitados (embora não haja a ausência de divisórias). Jamie Bell (de BILLY ELLIOT) encabeça o ótimo elenco juvenil ao lado de  Alison Pill (presente nos últimos trabalhos de Woody Allen). A trilha sonora, com clássicos da banda inglesa The Zombies, é outro destaque.


O GUARDA
(The Guard, Irlanda, 2011)
Direção: John Michael McDonagh 
 
Dupla de policiais que não possuem nada em comum, e que utilizam métodos completamente diferentes no desempenho das suas funções, são forçados a trabalhar juntos e acabam solucionando um caso que parecia fora do alcance dos dois. Provavelmente você já viu algum filme assim, mas a comédia policial irlandesa O GUARDA subverte e brinca com alguns clichês do gênero. Com seu humor ácido e politicamente incorreto, repleto de bons diálogos e uma interpretação afiadíssima de Brendan Gleeson, como o policial corrupto e entendiado de uma pequena cidade do interior da Irlanda, que é obrigado a colaborar com a investigação de um agente do FBI, Don Cheadle, para desbaratar uma operação milionária do tráfico internacional de drogas. Destaque para o trio de criminosos que discute filosofia.

domingo, 23 de setembro de 2012

PODERIAM SER CRÔNICAS

(*) Alguns modismos, realmente, me incomodam. Ultimamente a mania de aplaudirem qualquer coisa tem me tirado do sério. Parece que estamos em um programa de auditório e temos que bater palmas toda vez que a placa de APLAUSOS acende para a claque. Durante a sessão de cinema, o pôr-do-sol e o pouso do avião são os momentos favoritos. Estou me sentindo na obrigação de aplaudir o taxista, o cabeleireiro e o porteiro do meu prédio, logo eu que não tenho paciência nem para mover uma mão contra a outra no “parabéns pra você”.

(*) Diante do encantamento que um arco-iris ainda consegue provocar, alguém  não satisfeito com a condição de ser, simplesmente, plateia da natureza, não perde tempo e saca sua arma telefônica e se fotografa tendo o fenômeno meteorológico ao fundo, um papel de parede de luxo. Há quem prefira parar na estrada, aumentando o congestionamento, para se fotografar à frente de um acidente, como se fosse um casal de namorados diante da Torre Eiffel, não basta dizer que viu, tem que mostrar que estava lá. O pior é que não falta quem curta, e compartilhe.

(*) Da série, as frases que odeio com toda a força da minha alma:
“É muito fácil, até você consegue”.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

INSÔNIA

 Às vezes eu fico acordado à noite e me pergunto “onde foi que eu errei?”
Então uma voz me diz: “Isso vai levar mais do que uma noite.”

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

PORTUGAS X BRASUCAS

“Brasuca” foi a resposta portuguesa à “portuga”, termo empregado até hoje como um sinônimo depreciativo de brasileiro (o sufixo UCA não esconde isso, o mesmo de “muvuca” ou “mixuruca”) e que, equivocadamente, muitos entendem como uma referência carinhosa. A grafia com “Z”, que despreza qualquer regra ortográfica, foi a escolhida para denominar a bola da Copa do Mundo de 2014, ressaltando a infelicidade da escolha. Já o mascote da Copa será o tatu-bola, que ainda não teve seu nome definido, embora não tenha faltado sugestões pejorativas ou trocadilhos envolvendo a palavra tatu.

ANEDOTA DE BRASUCA

Era uma partida entre a selecção brasuca e a equipa portuguesa de futebol. De repente, o juiz marca uma falta na entrada da área a favor da esquadra lusitana. Cristiano Ronaldo prepara-se para a cobrança e a barreira formada pelos brasucas fica de frente para o guarda-redes.
Vocês permanecerão de costas para a bola? pergunta o árbitro, a estranhar a atitude.
Mas, claro! justifica um dos brasucas, o senhor acha que perderemos um golo desses?
O MASCOTE É O DA ESQUERDA

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

(NÃO) VOTE EM MIM

Tem gente que não suporta, que desliga a TV, que nem quer ouvir falar, mas contrariando o bom senso e toda lógica possível, costumo aguardar ansiosamente pelo início do horário eleitoral gratuito no rádio e na TV (que sem muito esforço consegue ser mais divertido do que muito programa de estrela global por aí), especialmente quando é dia dos candidatos a vereador.

Impossível permanecer indiferente aos personagens, jingles e slogans que se sucedem na tela, ainda estou rindo de um e já surgem mais dois igualmente inusitados e cômicos. Sei, sei, sei... Não é muito elegante fazer pouco caso e rir das pessoas dessa forma, mas depois de eleitos eles não farão isso durante quatro anos com a gente?

Campanha municipal possui suas peculiaridades e nos coloca mais perto dos candidatos: é a caixa do banco, o cara do cafezinho, a revoltada do sindicato, o médico boa praça, um tio, um amigo, um conhecido, um vizinho, um colega do trabalho, um ex-colega da escola... Todo mundo postulando uma cadeira na Câmara da cidade. Todos com o sorriso fabricado na foto do santinho. Todos “em pânico mal dissimulado” nos seus preciosos segundos televisivos. Todos em rápidas e breves frases, às vezes apenas uma, resumindo sua proposta de campanha.

Depois de ver um candidato se enrolar completamente com as palavras, percebi como deve ser difícil resumir suas ideias e promessas em tão pouco tempo. Tentei fazer esse exercício em casa, em frente ao espelho, e o ridículo foi inevitável. Na poesia e no conto, procuro buscar sempre a concisão, fazer do mínimo o máximo, mas como fazer o mesmo numa propaganda eleitoral? Tentei novamente e dessa vez pareci ainda mais ridículo.

Melhor ligar a TV e rir dos mestres.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

ASSIM É A VIDA, CHARLIE BROWN!

Charlie Brown, por vários anos, foi o exemplo de amizade que desejei para mim, sem sucesso. Procurava visualizar entre os meus colegas, na escola ou na rua, alguém como ele. Solidário, afável, sensível... Sua turma era minha turma, seus medos eram os meus medos, sua total inabilidade com as atividades infantis também era minha. A idealização do primeiro amor como um sentimento inatingível foi o ponto mais em comum dessa fase. Charlie Brown e eu sofríamos com as desventuras de relacionamentos apenas fantasiados (entre as cores da imaginação e o cinza da realidade, pouco sobrava de nós). A garotinha ruiva deve ter sido a nossa maior identificação: uma garota sem nome, traduzida somente pela cor dos seus cabelos, um amor completamente idílico. Temendo não ser aceito, ele não se apresentou à garotinha ruiva, e em seu lugar foi seu melhor amigo, Linus – que a beijou, se apaixonou e quebrou a magia ao descobrir seu verdadeiro nome. Charlie Brown amargou mais uma derrota com a resignação de quem se acostumou a não vencer. Não me lembro bem, mas acho que era inverno. Muitas estórias passavam-se no inverno. No inverno é tudo mais triste. (Jamais toquei a neve).
     A minha garotinha ruiva não era ruiva; ainda hoje seus cabelos negros visitam minhas lembranças pueris. Nunca mais a encontrei, nem pretendo encontrá-la. Não posso furtar do que me resta de inocência essa recordação doce. É possível até que eu tenha passado por ela em uma avenida qualquer, esbarrado e pedido desculpas no supermercado ou sentado ao seu lado no ônibus ou num banco de praça sem tê-la reconhecido. Melhor assim.
     Hoje, olhando para trás, não vejo aquele menino introvertido em mim. Tudo parece distante e inacreditável, quase paralelo. Talvez por ter vivido a perda com tanta intensidade eu tenha decidido na prática o que não queria ser.
      Nunca perdoei Linus por ter beijado a garotinha ruiva. Nunca perdoei Charlie Brown por ter perdoado Linus. Nunca me perdoei por não ter perdoado os dois.
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