quinta-feira, 4 de junho de 2009

GARAPA (2009)


O diretor de “Tropa de Elite”, José Padilha, filmou durante um mês o cotidiano de três famílias de regiões distintas do Ceará que convivem com a fome regularmente. E é sob o ponto de vista delas que caminha o documentário “Garapa” (que é o nome da água com açúcar com que as mães tentam enganar a fome dos filhos). Não há nada em “Garapa” que eu já não conheça e tenha visto de perto. Não sou do sertão. Sou de um bairro pobre do Recôncavo Baiano, porém durante a infância a miséria sempre espreitou a minha casa com seus olhos ameaçadores e invadiu sem cerimônias as casas dos meus amigos e vizinhos; ainda assim, ao assistir ao filme, foi impossível manter a indiferença. A sensação de culpa e o desconforto são quase inevitáveis. Não é a piedade que permeia a experiência e não existe a lágrima fácil – a lágrima, quando veio, foi oriunda do ódio, da impotência e da conivência. Como ótimo documentarista, premiado em “Ônibus 174”, José Padilha preserva a distância, que foi quebrada apenas ao dar analgésico a uma criança que sofria com dores de dente. O filme não faz uso de música ou qualquer outro tipo de manipulação de sentimentos, o silêncio é perturbador e incomoda (a trilha sonora é a sinfonia das moscas). A renda familiar resume-se aos cinquenta reais do Bolsa Família, com exceção de uma jovem mãe de onze filhos que não possui nenhum tipo de documentação. Aliás, o filme é sobre mulheres. Os homens, na condição patriarcal de provedores do lar, são ociosos – o que se acha o mais esperto, por ter nascido na capital Fortaleza, é um alcoólatra odiado pela comunidade que encontra refúgio na ingenuidade da esposa, que é insultada constantemente e fecha os olhos para os desvios que ele faz do pouco que têm. Ao final da sessão você não sai com os olhos marejados, sai com a garganta seca.

3 comentários:

  1. Herculano,
    Minha dissertação será sobre isso: a enorme pobreza que acomete as mulheres brasileiras e a eficácia desses programas assistenciais. O fenômeno da feminização da pobreza é terrível e pouco estudado no Brasil. Sei que vc gosta tanto de cinema quanto eu e sempre visito seu blog buscando indicações. Essa, particularmente, me será muito útil.
    Abraços,
    Renata

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  2. Enquanto isso os caras estão brigando por passagens aéreas e disputando quem mandou mais parentes a passeio por nossa conta, que bando! Abraço.

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  3. tava leno,e me veio na mente mais do mesmo,um museu de grandes novidades...o último adjetivo do texto é sintomático(de q não me atrevo a esboçar)mas, me lembrei tambem de vidas secas!!@por mais q tentem transformar em clichê a citação da obra de graciliano,não tem como não evocar a ambiência e o abstrato da vida real...

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