terça-feira, 5 de abril de 2022

SOCIAL DISTANCIAMENTO XVI

Diários da pandemia ou notas perdidas nas páginas ociosas de uma velha agenda


(Março, 2022)

Não costumo perguntar por alguém que não vejo há tempos. Sei que é bem mais que uma regra de etiqueta, é um gesto cortês, empático, delicado até; porém, não consigo. Tenho receio de ouvir em troca um “você não soube?” – “você não soube?”, para mim, é o preâmbulo da tragédia. Há quem possa, com todo direito, contra-argumentar que se trata de uma mera questão retórica, uma muleta linguística, que o meu receio, além de paranóico, é banal. “Você não soube?” pode servir para anunciar uma notícia boa, algo como ele recebeu uma proposta de emprego em outra cidade e precisou se mudar, tipo de informação que eu saberia se fosse mais assíduo e curioso em redes sociais, mas continuo achando melhor não arriscar. Por outro lado, “Você não soube?” pode servir, também, para anunciar uma notícia que não saberia interpretar de supetão se é boa ou ruim, algo como “separamos” – o que me deixaria confuso, sem saber se lamento ou felicito. Não me importo que me acusem de deselegante, mal educado, que falem “encontrei Herculano e nem perguntou por você'. Amigo, acredite que eu pensei, ensaiei, esbocei, quase perguntei, no entanto desisti no último momento apenas para não escutar um “você não soube?” e aguardar apreensivamente, durante infinitos milésimos de segundo, por uma resposta que me aliviaria ou me afundaria ainda mais na calçada.

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