“Como Vai Você?”, de Mário Marcos e Antônio Marcos, é uma canção que sempre me incomodou. Gravada desde os anos 70 por diversos artistas da música brasileira, de Roberto Carlos a Daniela Mercury, de Nelson Gonçalves a Cauby Peixoto, vem, frequentemente, embalando os mais diversos romances e fossas. Mas ao contrário do que aparenta, não se trata necessariamente de uma “canção de amor”: sua melodia adocicada é acompanhada por uma letra extremamente egocêntrica, onde a primeira pessoa conduz e é a razão de ser do discurso. A pergunta do título, seguidamente repetida, não demonstra preocupação no bem estar alheio, é apenas uma possessiva curiosidade, típica de quem não aceita o fim do relacionamento, num tom contraditório e autoritário, a exigir satisfações:
como vai você?
EU PRECISO saber da sua vida
Sem ter satisfeito seu desejo individualista, o narrador apela para outras artimanhas, como sugerir um portador para a informação requerida:
peça a alguém PRA ME CONTAR sobre o seu dia
E ao acrescentar o advérbio “só” à frase EU PRECISO SABER, tenta esboçar alguma fragilidade, mas não convence:
Anoiteceu, e EU PRECISO SÓ SABER
Até quando resolve qualificar o outro, o uso do pronome possessivo é recorrente, não estranharia se eles tivessem escrito um verso como o melhor de você sou eu:
razão de MINHA PAZ já esquecida
que já modificou A MINHA VIDA
É quase cômica a falsa dúvida levantada, praticamente uma declaração de amor:
nem sei se gosto MAIS DE MIM ou de você
Os argumentos para a reconciliação são ainda mais egoístas. Não há em nenhum momento interesse no conjunto. A felicidade do casal não existe, é tudo muito unilateral. Chego a imaginar que a musa da canção tenha sido uma boneca inflável:
Vem, que a sede de te amar ME FAZ MELHOR
EU QUERO amanhecer ao seu redor
PRECISO TANTO ME FAZER FELIZ
“Como Vai Você?” não é uma canção para ser ouvida a dois, ela é opressora, mesquinha, masturbatória. Produto da vaidade de alguém que não sabe o que é amar, e nem o que é sofrer.