quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SACIZEIRO

Se fosse numa obra do Monteiro Lobato, sacizeiro poderia até ser uma árvore encantada no meio da floresta, mas aqui, na 15ª DP, sacizeiro é o usuário de crack que mantém o vício através de pequenos furtos, é o elemento mais nocivo da sociedade, é aquele que perambula pelas ruas feito um zumbi, totalmente sequelado, amedrontando e abordando a população, pedindo centavos, na maior noia, ou no saci, como eles mesmos dizem. Sacizeiro é uma referência ao Saci-Pererê, devido ao uso do cachimbo para o consumo das pedras, numa alusão infeliz – minha infância não merecia uma homenagem dessas.
           Todos os dias, detínhamos mais de uma dezena, mas terminávamos liberando a maioria, não teria espaço para tanta gente aqui. Depois que os comerciantes do centro da cidade nos contrataram para formar uma milícia, nem nos damos mais ao trabalho: derrubamos o vagabundo onde ele estiver. A mídia não divulga as mortes para não aparecer neguinho dos Direitos Humanos fazendo barulho por causa de pombo sujo. Nosso trabalho é festejado em silêncio.
           Antes de eliminar o indivíduo, costumo quebrar sua perna com um bastão de beisebol, que meu filho trouxe de Orlando. Então, mando o malandro pular com uma perna só, para, finalmente, poder acertá-lo com um tiro na cabeça.


Trecho do livro inédito, QUERO SER PAULO CÉSAR PEREIO, 
publicado na revista Bravo!, edição de novembro, 2010
(ainda, nas bancas).

28 comentários:

  1. Da turma do capitão Nascimento, botando para quebrar sem nem saber o porquê.
    Esse lance de sacizeiro existe mesmo ou o autor inventou a expressão?
    Achei genial de tão irônico e cruel.
    beijo.
    Bípede Falante

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A "expressão" Sacizeiro existe sim,e é usada muito frequentemente da forma descrita, porém nem sempre...

      Excluir
  2. Fiquei pasma!

    E triste...
    Minha referência a Saci-Pererê ainda ingênua (e apesar do cachimbo) carrega um quê inocência, travessura, desafio; referência de infância...

    ... e eu aqui pensando o que Monteiro Lobato sentiria sabendo seu personagem de enredos infantis,trazido a realidade urbana...

    Daqui sinto dor pela vidas de tantas formas quebradas...

    ResponderExcluir
  3. Esse é muito forte,aliás como a maioria do que vc escreve

    ResponderExcluir
  4. Pois é, a dura realidade que se 'trama' com o poético existir das palavras...Abraço. Araceli

    ResponderExcluir
  5. Não acho que remeta a uma essência do universo que há em tropa de elite. é apenas o dia-adia das grandes cidades. Aqui em São Paulo é assim. Mais especificamente na cracolândia. Não acho que os policiais tenham esse charme sobre qual o personagem se envolve, mas num todo é bem parecido.
    Fazer o que? Esse é o nosso Brasil.
    Abraço e obrigado pelas visitas ao blog.

    ResponderExcluir
  6. Ri litros, mesmo sabendo o quanto isso é cruel - para o Saci!
    Uma alusão interessante, não posso negar!
    Eu considero tudo isso um problema público e social, não só o fato das pessoas se drogarem como de alguém compará-las com esse personagem do folclore.
    Fiquei curiosa pelo livro...

    abraços

    ResponderExcluir
  7. Quero o Saci Pererê de volta!!!!! travessuras e risada farta. Depois de todas as notícias televisionadas hoje, eu queria ser filha da Chiquita Bacana.

    ResponderExcluir
  8. Olá,

    Fortíssimo e sincero. Quem é o autor do texto?

    Carla

    ResponderExcluir
  9. Oi Herculano

    Sinceramente eu não gostei! Tratam o viciado em droga como se fosse um animal, esquece que por trás do "vagabundo" existe um doente!! Ou a sociedade não percebe isso?
    Está bem escrito a idéia de sacizeiro e perfeita cai como luva nos usuários; mas...desumano.

    De vc eu gosto..rs
    Beijos

    ResponderExcluir
  10. Gostei do texto..Mas sei que sacinzero é mesmo usuário de drogas!

    Bju!

    ResponderExcluir
  11. Eu trabalhei 3 anos no cais ( 2 anos e meio numa empresa e 6 meses na outra) e a realidade de lá é essa 24 horas: Os sacizeiros, ou "CRAQUENTOS" como são chamados aqui no cais de Santos.
    Triste. TEm uma moça aqui que é do Paraná, quando aqui chegou deixou pra tras uma mansão e um motorista particular, toda a mordomia que o dinheiro pode proporcionar, pra vir se prostituir e se viciar em drogas aqui...triste...

    ResponderExcluir
  12. O saci apesar da aparente ingenuidade que passava, nao tinha nada de bobo..
    era malanbro e nada bem visto.

    bjs
    Insana

    ResponderExcluir
  13. Seu texto é sempre muito instigante, mas não concordo com a frase:

    "... é o elemento mais nocivo da sociedade,"

    Como poderia EXCLAMAR Renato Russo: SERÁ!

    "...nos perderemos entre monstros de nossa própria criação; pra que tanto egoísmo, acho que isso não é amor..."

    Beijos,

    Escrevi um artigo hoje sobre TROPA DE ELITE, fazendo um paralelo com os últimos acontecimentos no RJ. Gostaria que visse e comentasse, por gentileza:

    http://nostalgico-allstar-vermelho.blogspot.com/2010/11/tropa-de-elite-o-inimigo-e-outro-ou.html

    Lu

    ResponderExcluir
  14. Colocar educação nessa porra em vez de matar, é gente como a gente.

    Só não sabe escrever o próprio nome. Não é direito humano, é direito de viver.

    Inté

    ResponderExcluir
  15. já começaram a falar. Coisas do tipo "coitado desses jovens favelados morrendo".
    Tomara mesmo que a mídia não divulgue as mortes. de qualquer forma, seja qual for o resultado, sempre vai ter um que não vai estar feliz.

    ResponderExcluir
  16. Deveria ser desnecessário lembrar, mas isso aqui é uma obra de ficção. Nao devemos confundir com os acontecimentos do Rio de Janeiro, por favor. A voz da personagem não é a voz do autor. O autor apenas imagina o que faria e o que diria aquela figura, nao o contrário.

    ResponderExcluir
  17. Belo blog"
    To seguindo.
    Segue la tbm"
    Abraços"

    http://nostudinhos.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  18. No Largo Dois de Julho, existe um depósito de "Sacizeiros" todos pretos ou "quase todos" tão drogados que seus corpos são apenas escaros do aparelho estatal. Mas a aristocracia embranquecida pelo seu sentimento de classe, não pode esquecer: “escaros quase sempre disseminam epidemias.” Eta mundinho sem poesia,sinto saudade da minha arupemba,na varanda da casa do meu tio na Pedra, esperando um redemoinho de folhas e poeira, onde o Saci Perêrê se movia, para capturar e guardar na garrafa...A felicidade estava na espera, não na captura.É preciso devorar ,fuder, matar o outro,para se sentir Sujeito...

    ResponderExcluir
  19. Hneto ainda não comprei a Bravo, a sequela não me permitiu. Comprarei-a. Gostei do que li.

    Lá na gruta do saci
    perto do beco do tatu
    comendo torresmo de gambá
    co´parceiro sabiá

    ResponderExcluir
  20. Herculano, bela postagem. E serve para uma boa reflexão. Infelizmente os sacizeiros tomaram o mundo. Um grande abraço!

    ResponderExcluir
  21. Meio contudente o final (a parte de quebrar a pernas)...

    Mas não sabia do termo, apesar de ser algo que retrata uma realidade triste.

    Fique com Deus, menino Herculano.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  22. Show de bola seus argumentos obrigado por compartilhar com agente suas dicas.

    ResponderExcluir

Comente apenas se leu a postagem.

Related Posts with Thumbnails