quinta-feira, 28 de junho de 2012

BODAS DE NAFTALINA

“Cinquenta anos dos Rolling Stones”. “Cinquenta anos da conquista do bicampeonato da seleção brasileira no Chile”. “Cinquenta anos da morte de Marilyn Monroe”. “Há cinquenta anos um filme brasileiro ganhava a Palma de Ouro em Cannes”. “Cinquenta anos de Tom Cruise, Jon Bon Jovi, Axl Rose, Paula Toller...”.

Cinquenta é um número forte, emblemático, não nego. Inclusive, sua entonação requer um pouco mais de esforço, uma sílaba de cada vez pedindo passagem, CIN-QUEN-TA, pela boca que parece se abrir mais para pronunciá-lo, um trema que se recusa a morrer. Entendo essa força quando a pedra é cantada num bingo, quando é festejado o aniversário de casamento do feliz casal de vovôs, quando o valor de uma dívida é cobrado, quando o médico comunica que há 50% de chances, mas não compreendo o fetiche que a mídia tem pelo número: é como se 47, 48 e 49 não tivessem existido ou se tivessem ficado hibernando em naftalina, como se não fossem necessários. 

Cinquenta tem vida própria, afinal “não é todo dia que se comemora meio-século”, e 2012 tem sido generoso para quem gosta dessas efemérides (vide o primeiro parágrafo) e que deve ser aproveitadas ao máximo, até porque 51, 52 e 53 vêm aí e são tão importantes quanto 47, 48 e 49 (bem que alguém poderia pegar carona e produzir uma mostra com filmes lançados em 1962, adoraria assistir em uma tela de cinema à “Lawrence da Arábia”, “O Sol é para todos”, “Lolita”, “Jules e Jim”, “007 Contra o Satânico Dr. No” ou à  “Luz de Inverno”.).

Um homem com cinquenta anos é um homem de meia idade – e  que, dificilmente, um dia será um homem de idade inteira. Na numerologia cabalística o número 50 está associado a letra “O” (cinquenta é uó?). Cinquenta é o número atômico do estanho. Em uma cédula de 50 euros há portais e arcos em arquitetura renascentista, na de 50 dólares o ex-presidente Ulysses Simpson Grant (quem?), na de 50 reais uma onça pintada e na de 50 pesos Diego Armando Maradona. Um pé-de-moleque em Salvador custa cinquenta centavos, um programa de meia hora custa cinquenta reais. Cesar Cielo é o recordista mundial dos 50 metros nado livre. O canal Nickelodeon exibiu 50 horas consecutivas de Bob Esponja. A cantora Shakira tem 50 milhões de fãs no Facebook. O atacante uruguaio Edinson Cavani vale 50 milhões de euros. 50 cilindradas é moto de menina. Sobrevivi 50 dias com ela. 

Em janeiro, encontrei uma cédula de 50 cruzados novos, em ótimo estado de conservação, guardada por algum previdente senhor, em uma antiga edição de “Sagarana”, em um sebo da Estação da Lapa, mas isso não tem nada a ver com  o texto – eu acho.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

ALÉM DO QUE SE VÊ II

BILLY ELLIOT (Inglaterra/França, 2000)
Direção: Stephen Daldry


Na inacreditável filmografia de Stephen Daldry, com quatro filmes e três indicações ao Oscar (por “As Horas”, “O Leitor” e “Tão Forte, Tão Perto”), talvez “Billy Elliot” tenha sido o que mais merecesse essa honraria, não apenas pela vitória de “Gladiador”, mas porque o considero melhor que alguns indicados de 2001, como “Erin Brockovich” ou “Chocolate”. Na Inglaterra de 1984/85, Billy, Jamie Bell de “Querida Wendy”, é um jovem que vive com as lembranças da mãe falecida, o pai, o revoltado irmão mais velho e a avó esclerosada no subúrbio de uma cidade operária do interior da Inglaterra, em meio a crise provocada no país pela greve dos mineradores. Sem habilidades para o treinamento do boxe, ele termina, por acaso, descobrindo sua verdadeira vocação: o balé clássico. "Cosmic Dancer”, do T-Rex,não sai da memória.
    

SAMSON & DELILAH
(Austrália, 2009)
Direção: Warwick Thornton 

Samsom e Delilah são dois jovens de descendência aborígine que vivem no inóspito deserto australiano, em um ambiente da mais absoluta modorra, onde nada parece subverter a ordem do tédio e onde o silêncio acaba sendo uma solução natural – praticamente não escutamos a voz do seu protagonista, em contrapartida a música é um elemento constante e que muitas vezes funciona como válvula de escape (incluindo em sua trilha sonora uma inusitada versão de “Talismã”, sucesso da dupla Sullivan e Massadas). O uso de “não-atores” torna ainda mais forte a jornada do casal, que culminará numa desalentada estadia nas ruas da metrópole, por motivos que não vale a pena aqui relatar, além de trazer questões sociais e culturais. O afeto, que brota à fórceps, torna esta uma das melhores histórias de amor já realizada pelo cinema. Prêmio Câmera D’Or em Cannes. Sugestão de Daniela Delias.


CINEMA VERITÉ (EUA, 2011)
Direção: Shari Springer Berman e Robert Pulcini

Filme produzido pela HBO sobre os bastidores da série televisiva An American Family, que foi ao ar em 1973 e acompanhava os passos dos Loud, uma típica família estadunidense, nos moldes do que hoje chamamos de reality show. Inspirado pelo cinema-verdade, o documentarista Craig Gilbert propôs à recém-criada TV pública uma “experiência em antropologia cultural”, mas em vez de mirar as lentes para culturas exóticas e distantes, a ideia era observar de perto a sociedade americana, o que resultou num imenso sucesso. Aos poucos, as máscaras da família perfeita caem diante das câmeras: um filho que se assume homossexual, outro que não quer perpetuar o negócio familiar, traições e um casamento desfeito. Alternando ficção com cenas reais, “Cinema Verité” tem Tim Robbins e Diane Lane em  bons momentos de suas carreiras. Massacrados pela opinião pública, a família Loud jamais seria a mesma, nem a maneira como assistimos à televisão.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

POEMA INÉDITO IX


não quero uma casa no campo
com verdes e animais
longe de tudo

quero uma casa na Getúlio Vargas
com vista pro viaduto
a poucas quadras da repartição



Herculano Neto


domingo, 10 de junho de 2012

CONFLITO DE ECOS

Em outubro, se o meu mundo não acabar, completarei dez anos de blogue. O primeiro foi no IG, depois na UOL e desde 2008 estou aqui – quem tentou escrever e ser lido em fanzines mimeografados (o quê?) ou xerocados (neologismo infeliz) no século passado, sabe o valor de produzir e publicar seu próprio conteúdo.

Gosto bastante de blogues, leio vários todos os dias, embora nem sempre comente, algumas vezes por falta de tempo (a desculpa mais esfarrapada da história da humanidade), noutras, para evitar embates desnecessários. Comentários elogiosos são frequentemente ignorados, mesmo quando comentam que sua postagem salvou a vida de alguém. No entanto, basta discordar para o mundo do blogueiro vir abaixo e ele apresentar todas as suas deselegantes armas (o que, cá entre nós, é uma bobagem sem tamanho). Concordar ou discordar faz parte do debate e deveria ter o mesmo peso, mas o ser humano necessita de eco.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

PÓLVORA

 Ainda me avisaram para eu não ir, que era barril.
Só não imaginava que o pavio fosse tão curto.




sexta-feira, 1 de junho de 2012

SACIZEIROS

“Mas os três sacis,
sempre com razão,
sabem que poupança é a solução”.
 
          Dizem que em “A Caverna do Dragão”, Tiamate, o dragão de cinco cabeças, seria a representação do bem, uma espécie de anjo, mas, levados pelas aparências, os jovens buscavam ajuda no verdadeiro lado maligno, o Mestre dos Magos. Na vida real também é assim: o mal é fácil, o bem requer esforço (lição corriqueiramente apregoada pelos religiosos). Mensagem subliminar semelhante existia na antiga série de anúncios do falido Banco Econômico, quando um dragão tentava, a todo custo, alcançar três simpáticos sacis e "queimar o dinheiro dos bichinhos da floresta". Não sei que maldade havia no meu inocente, ainda, coração de criança para torcer pelo dragão – intuição, talvez.

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