terça-feira, 27 de setembro de 2011

POEMA INÉDITO VI

quero o nada
a coisa alguma

o inconstante
a chuva passageira
a embriaguez

quero o anonimato
o esquecimento

o efêmero
a saudade
o beijo daquele carnaval

quero o desapego
as mal traçadas linhas


quero o desnecessário

Herculano Neto

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

(...)

        Não posso negar que durante algum tempo, esperei o seu retorno. Acreditava que a imagem dela indo embora, sem olhar para trás, um dia se transformaria numa manhã chuvosa, com ela a caminhar lentamente ao meu encontro, exausta e a carregar sua mala. Acreditava que ela tentaria esconder da sua face os motivos que a trouxeram de volta e eu tentaria esconder em vão as lágrimas que se confundiriam com a chuva. Acreditava que ela  apenas voltaria, que não pediria desculpas, simplesmente seguraria as minhas mãos. Acreditava que ela me contaria suas aventuras, suas lutas, seus amores e eu escutaria tudo feliz, aceitando sua distância como uma fábula.
        Durante algum tempo, essa era a única imagem que eu tinha dela: uma fantasia, não algo que eu realmente lembrava, que tivesse realmente acontecido, que tivesse me marcado.
        Esperar foi muito mais doloroso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

(...)

Recebi uma ligação de Capitu ontem à tarde, enquanto eu tentava acordar. Ela fez aquele típico suspense, meio infantil, de “adivinha quem é”, mesmo sem eu me importar e já desconfiando quem poderia ser. Depois de se identificar ela quis saber se eu estava surpresa, respondi que não. Há muito tempo que nada nessa vida me surpreende, muito menos uma ligação – mas não lhe disse isso. Capitu achou estranho eu não ter feito nenhum comentário a respeito do seu nome quando nos conhecemos, ainda assim ela destrinchou uma explicação que deveria utilizar frequentemente: que não se chamava Capitu, muito menos Capitolina, como a enigmática criação machadiana; que se chamava Lilian, ou Lídia, não me recordo exatamente; que recebeu o apelido de uma colega quando chegou com ressaca aos catorze anos durante uma aula de literatura; que achou “da hora” e resolveu adotar a alcunha oficialmente com uma tatuagem na altura do cóccix no ano seguinte; que as únicas pessoas que a chamavam pelo seu próprio nome eram atendentes de telemarketing e gerentes de banco... Se dependesse do seu frenesi, e dos bônus fornecidos pela sua operadora de telefonia, ela continuaria falando muito mais, porém interrompi seu entusiasmo com uma desculpa qualquer, pouco convincente. Antes de desligar ela quis marcar um encontro, “um drinque apenas”, alegou que eu estava devendo. Prometi que ligaria outra hora.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

NOSSO PRÓPRIO TEMPO

Sempre gostei de ficção científica e sempre odiei minha vida de adolescente, afirmar que eu habitava um episódio de Todo Mundo Odeia o Chris não seria exagero, embora, naquela época, eu estivesse mais para Kevin Arnold ou Doug Funny. Com as inseguranças típicas da idade, vivia arrependido por tudo que fazia ou (principalmente) deixava de fazer, imaginando como poderia ter sido as outras possibilidades e a procurar onde ficava o CTRL+Z da vida real (acho que todo adolescente é um pouco assim). Quisera eu ter despertado na mesma manhã, seguidamente, como se fosse o dia da marmota. Acreditava que a qualquer momento poderia aparecer um “eu” vindo diretamente do futuro, mais velho e mais sagaz, que me ensinaria o caminho das pedras, que me explicaria como eu deveria agir para garantir uma existência futura sem remorsos. Costumava brincar dizendo que não me assustaria se algum dia eu aparecesse para mim e ainda me cumprimentaria firmemente, olhando nos meus olhos: “estava te esperando”. No entanto, não demorei para descobrir que não conseguiria fugir das minhas responsabilidades e que tudo que eu considerava danoso ajudaria a moldar a pessoa que agora eu sou. Curiosamente, ou obviamente, nada muito diferente disso acontece em O HOMEM DO FUTURO, de Cláudio Torres (“Redentor”, “A Mulher Invisível”). Wagner Moura é um amargurado cientista e professor universitário chamado Zero, que teve sua vida modificada a partir de uma fatídica festa à fantasia no, agora distante, ano de 1991, onde foi humilhado por Helena (Alinne Moraes), seu grande amor. Acidentalmente, Zero viaja no tempo exatamente para o dia da festa e aproveita a oportunidade para modificar sua própria história, mas nem tudo sai como esperado.
         O cinema tem verdadeiro fascínio pelos paradoxos temporais ocasionados pelas viagens no tempo – que é praticamente uma espécie de sub-gênero da ficção científica. “O Planeta dos Macacos”, “De Volta Para o Futuro”, “Jornada nas Estrelas”, “Efeito Borboleta” sobram exemplos. Gosto, particularmente, do curta-metragem “Barbosa”, de Jorge Furtado, onde um homem tenta impedir a derrota brasileira na final da Copa do Mundo de 1950 no estádio do Maracanã, trauma de sua infância, no entanto ele próprio se torna o motivo da distração do goleiro Barbosa, que resulta no gol vitorioso da seleção uruguaia. Sei que não faltará cético para dizer que se fosse possível viajar no tempo algum viajante já teria retornado do futuro (a não ser que o considerassem louco, como ocorre em “Os 12 Macacos”), nem crédulo para explanar sobre universos paralelos e futuros alternativos (a contrapor a teoria de causa e efeito, que diz que se alguém voltasse no tempo para impedir um acidente e conseguisse, o acidente, que é o motivo da viagem, deixaria de existir, consequentemente a viagem também).
          O enredo de O HOMEM DO FUTURO poderia se resumir, simplesmente, à letra da canção “Tempo Perdido”, emblemático sucesso da Legião Urbana, que permeia toda a película: de “todos os dias quando acordo”, passando por “então me abraça forte” e culminando com “somos tão jovens”. Aliás, boa parte da obra parece condensada no clipe musical que serviu como divulgação (vídeo abaixo). Se a filme fosse apenas esse vídeo, como aconteceu com “Eduardo e Mônica” em uma campanha de telefonia celular, teria sido genial. Propositalmente, não há nada original. Mas a ideia é mesmo essa: resgatar a simpatia de uma descontraída sessão da tarde. Para quem não viu, aviso que quanto menor a expectativa, menor será a impressão de tempo perdido (sem trocadilho). Com viagens temporais, uma festa à fantasia e um hino juvenil de pano de fundo, o trabalho do diretor Cláudio Torres não sai da adolescência, mergulha no raso, assim como em seu filme anterior, onde era idealizada a mulher perfeita, outro desejo da juventude, ainda que o exemplo de perfeição fosse Luana Piovani.

          Já não quero voltar no tempo, quero apenas mais tempo para realizar tudo que desejo.
       

terça-feira, 6 de setembro de 2011

(...)

Preciso de alguém que tenha medo, que erre, que peça desculpas, alguém que sorria engraçadamente, que contamine o foyer com sua gargalhada desajeitada. Preciso de alguém que tenha dúvidas, que confie em mim, mas que pense duas vezes antes de se atirar nos meus braços, alguém que se confunda na multidão, que seja comum até no nome que herdou de sua avó. Preciso de alguém que fale a verdade mesmo quando estiver me enganando, que não se iluda com minha pose, com meus blefes, alguém que não me repreenda quando meus burros derem n'água. Preciso de alguém pra ver Godard, pra ver Eisestein, pra ver o blockbuster do momento, alguém que acorde tarde e que não me desperte dos meus sonhos, que ame Londres e veraneie em Itaparica. Preciso de alguém que entregue os pontos, que não dê um ponto sem nó, alguém que siga em frente, mas que não tenha pressa, afinal a pressa é a inimiga dos idiotas. Preciso de alguém para terminar a noite de sábado caminhando na praia domingo pela manhã, alguém que me surpreenda, que contrarie tudo aquilo que idealizo.  

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