terça-feira, 26 de abril de 2011

POEMA INÉDITO III

não tenho medo de ser simples
tenho medo de ser raso
de ser vago

não tenho medo do esquecimento
tenho medo da lembrança feita de mágoa
da saudade

não tenho medo da rotina
da crise de meia-idade
da constância dos funerais
das mesmas conversas
dos mesmos amigos
do verão

tenho medo dos caminhos que não segui
das escolhas que não fiz
dos desencontros

Herculano Neto

quinta-feira, 21 de abril de 2011

ZÉ DO CAROÇO

Não preciso nem escrever nada, 
a canção, e a sua autora, já explicam tudo.
LECI BRANDÃO, primeira mulher a entrar para a ala dos compositores da Mangueira, na capa do LP lançado em em 1985, onde apresenta, além de "Zé do Caroço", a faixa "Isso é Fundo de Quintal", de sua autoria em parceria com Zé Maurício, depois de ter ficado alguns anos sem gravar por ter brigado com sua antiga gravadora, Polygram.

E na hora que a televisão brasileira
Destrói toda a gente com sua novela
É que o Zé bota a boca no mundo
Ele faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela

sábado, 16 de abril de 2011

SAUDADES DA VELHA GAL

       Apesar de não ter vivido os anos sessenta e setenta, tenho saudades da velha Gal.
       Apesar de surgir a cada ano um punhado de cantoras interessantes, ainda me interesso pela velha Gal.
       Apesar de Caetano Veloso produzir, ao lado de Kassin e do filho Moreno, o tão aguardado novo disco de Gal, ainda considero novos os velhos LPs da velha Gal.
       Apesar dela ser acompanhada no disco pela Banda Cê e pelo grupo experimental Rabotnik, ainda prefiro mesmo é a velha guitarra de Lanny Gordin.
       Apesar de Caetano compor canções exclusivamente para ela, ainda prefiro suas velhas composições na voz da velha Gal.
       Apesar da velha Gal parecer cada vez mais distante, ainda acredito que ela ressurgirá a qualquer momento. E eu não saberei mais o que é saudade.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

ANTIBIOGRAFIA

           Gosto das minhas cicatrizes, de quem não me entende, de quem acha que me entende. Gosto do meu passado, até quando ele me condena. Gosto de quem me intimida, de descer do salto, de andar descalço, de saudar o inverno. Gosto dos mitos, dos boatos, dos rumores.
           Quem me vê por fora nem imagina o quanto sou profundo. Quem me vê por dentro sequer desconfia o quanto sou raso. Gosto da dúvida, da contradição.
           Eu não sou nada, eu não sou ninguém, essa constatação me permite ser tudo, ser todos. Sem máscaras, apenas sendo eu mesmo, em meu melhor papel.
           Alguém me disse, recentemente, que o que mais o atrai no local onde mora são os carimbos, os rótulos. Os epítetos que se distribuem em qualquer cidade do interior e que são carregados com desvelado orgulho, algo como “Não Sei Quem do Bar da Esquina”, “Fulano, mecânico”, “Beltrano de Dona Zizinha”. Alguns, é verdade, nem tão lisonjeiros assim, mas omito os exemplos. Esse tipo de identificação nunca me seduziu, e se me orgulho é por ser, exatamente, inclassificável.
           Gosto do silêncio das capitais, de ser mais um na multidão, mais um retalho na colcha.
           Gosto dos versos que começam com “sou”, mas que pouco explicam – e na maioria das vezes confundem. Gosto das reticências...

domingo, 3 de abril de 2011

NADA PESSOAL

O cinema é a minha igreja. Acho que por isso eu não frequente as salas de cinema dos shopping centers (onde muitas pessoas entram na fila para comprar o ingresso sem sequer saber o que está sendo exibido, onde vendem gigantescos combos de pipoca e refrigerante, onde tagarelam livremente, com seus cúmplices ou nos famigerados telefones celulares). O cinema é a minha igreja, e eu sou fiel e carola.
        Cinema é um espaço público, mas alguém sentar ao seu lado e roubar sua atenção com conversas ou “namorando” ou roncando ou colocando os pés na cadeira ou mastigando é muito mais que deselegante.  Sei que  a venda de guloseimas é responsável por parte significativa dos lucros de um cinema, mas não consigo imaginar alguém comendo pipoca ao assistir BIUTIFUL, EM UM MUNDO MELHOR ou INCÊNDIOS, apenas para citar produções recentes e que foram indicadas ao Oscar de filme estrangeiro – ou o apetite iria embora ou a indigestão seria certa. Quero sempre acreditar no bom senso alheio, na sensibilidade e educação, sem ter que apelar para medidas radicais, como fazem algumas salas que não permitem o acesso às áreas de exibição portando alimentos de qualquer natureza. Mas nem sempre é possível.
        Quem vai ao cinema no shopping center não gosta de cinema, gosta de shopping center. E eu odeio shopping center – embora, eu saiba, que há pessoas sérias que frequentam estes cinemas por falta de opção.
        Cinema não é teatro (alguém já disse), mas deveria ser respeitado igualmente.
        Com o constante fechamento das salas do circuito de arte nas grandes cidades, está cada vez mais complicado usufruir de uma boa sessão, sem inconvenientes. Não quero baixar meus lançamentos preferidos e me isolar  em casa (como fazem alguns), quero apenas que haja espaço para todos.
        Portanto, não se ofendam, nem me desejem mal, o casal apaixonado ou os garotos falastrões do Sartre Coc, que se sentaram ao meu lado no cinema e foram, gentilmente, convidados a se retirar. Nada pessoal.

NADA PESSOAL II

Cinema é a bola da vez, definitivamente. Muitos têm pressa para emitir suas opiniões, mas pouco tempo para ver, realmente, bons filmes. Blogs voltados para as produções cinematográficas se proliferam em espantosa velocidade, parece que o cinema nunca esteve tão em voga ou nunca soou tão cool o adjetivo “cinéfilo”. Poderia até ser um fenômeno admirável, caso as obras analisadas não se restringissem, simplesmente, aos filmes em cartaz – como se fossem, esses novos críticos, redatores dos suplementos culturais dos jornais. Pior, ainda, é a superficialidade da abordagem da maioria desses blogs, quase uma extensão dos comentários infelizes que se ouve na saída do cinema.
          Curiosamente, após fazer a leitura da resenha do mesmo filme em vários blogs diferentes, ficou evidente a repetição do tom, da forma, da percepção, como se todos tivessem entendido, e sentido, o filme de igual maneira. Impossível? Não seria se muitas frases utilizadas não fossem idênticas, com alguma inversão e troca de sinônimos aqui e ali, muitas vezes reproduzindo o conteúdo dos sites especializados – exclusivo, apenas, o criativo título da postagem (quando querem soar originais, as postagens se tornam sinopses estendidas recheadas de spoilers). Outra característica é a preferência pelas produções americanas, enquanto o bom cinema independente é solenemente desprezado, tal qual as produções latinas, asiáticas e europeias, sem mencionar os clássicos – provavelmente porque elas não são exibidas nas modernosas salas do shopping center. De quando em vez, o cinema nacional é lembrado, geralmente com algum exemplar do momento, um legítimo made in Globo Filmes. Nada tenho contra as produções dos EUA, sei que lá estão grandes profissionais, de toda parte do mundo, e os grandes investimentos, mas se esses blogueiros conhecessem, ao menos, diretores norte-americanos em atividade como Hal Hartley ou Todd Solondz... Sei, também, que há meia dúzia de cinco blogs interessantes do gênero, mas correm o risco de se perder no meio de tanta inutilidade.
          Portanto, não se ofendam, nem me desejem mal, devoradores de pipoca anônimos, adoradores de blockbusters, hollywood-maníacos e hypes em geral. Nada pessoal.
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