quinta-feira, 29 de abril de 2010

SO LONG, MARIANNE

São as canções que me movem, nada mais. Não há o que eu não faça escutando-as (e não é exagero). “So Long, Marianne” talvez não esteja em nenhuma lista de melhores canções de todos os tempos ou maiores canções do mundo, mas certamente é uma das maiores canções do MEU mundo. A faixa faz parte do clássico álbum SONGS OF LEONARD COHEN de 1968, estreia do poeta canadense, e a versão acima foi gravada em Lisboa em 2009. Recentemente na estrada escutava “So Long, Marianne” no último volume, permitindo-me o vento frio no rosto e vislumbrando as nuvens negras que se formavam atrás dos montes, e era como se Deus falasse comigo, embora acredite que Ele tenha voz de mulher.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O SORRISO DO GATO DE ALICE


Demoro a desembarcar dos meus sonhos, mesmo após acordado ainda pareço estar em outro tempo, em outra realidade. Talvez por isso eu acredite em bem mais que seis coisas impossíveis antes do café da manhã (que certamente não são lagartas azuis nem coelhos elegantes). Acreditava, por exemplo, que não haveria ninguém que pudesse recriar o universo psicodélico de Lewis Carroll no cinema atual, e suas infinitas possibilidades, além de Tim Burton. No entanto, minha credulidade encontrou um produto muito estético e pouco consistente – quase gratuito. Por isso não estranhei quando, ao final de uma jornada sem clímax e sem propósito, recebi como recompensa um constrangedor passo maluco. Acho que, ingenuamente, esperava algo mais sombrio, menos infantil, mais Tim Burton. Melhor continuar com os livros e a adaptação clássica.
Cortem-lhe a cabeça!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

OFÁ

ofá
Herculano Neto

invado a noite da cidade
ninguém me contesta
me olha nos olhos
ou levanta a voz

(sou o chefe da casa
o rei da floresta)

meu legado é a palavra



(POEMA INÉDITO)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

CHOVER, TRANSITIVO DIRETO

Santo Amaro da Purificação (BA), 14 de abril de 2010

A chuva é meu fetiche, meu feitiço, minha poesia (é o atalho preferido da minha caneta). A chuva me alegra, me acalenta, me acolhe. Gosto do prenúncio da tarde nublada, da garoa, da gota pesada que despenca da árvore, da poça que prolonga o caminho. Gosto das madrugadas chuvosas, dos pingos que escapam pelas frestas das telhas e encontram meu rosto, a página do meu livro. Ignoro previsões do tempo (o tempo é mágico, é imprevisível). Ignoro, também, guarda-chuvas (enfeia a cidade, atravanca a calçada e depois de usado se torna um estorvo; já o guarda-chuva fechado simboliza o pessimismo, é para quem acha que pode chover, quem está na chuva e não quer se molhar - há quem chame de precaução, mas para mim o precavido não passa de um pessimista). Gosto de permitir que a chuva me alague, me naufrague. Gosto do banho de chuva, do banho de infância, do “vem pra dentro menino”. Gosto da chuva fina, mais insolente. Gosto das tempestades, as mais furiosas. Gosto do abraço e do beijo sob a chuva. Gosto da chuva que molha a praça, os cabelos da morena, mas não termina a festa. Gosto do meu licor forte e com chuva. Gosto de chover e sempre chove em mim, mesmo quando não chove. No entanto, nunca espero que o pluvial e o fluvial, no seu eterno espetáculo de amor e ódio, invadam o dia das pessoas com arrogância, com descaso, de mãos dadas – e que o desespero e a aflição sejam as cenas de todos os capítulos. Quando a água alcança o meu peito, o quadro da minha sala, a parede da minha alma, não é mais o poeta quem chove. As águas de março fecham o verão, mas são as de abril que saúdam o inverno. Sem nenhuma promessa.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

“NUM DESSES ENCONTROS CASUAIS”

Foi só por um instante, mínimo; talvez menos de um segundo. Mas o suficiente para que seus olhos se encontrassem na interseção do acaso. Ela estava parada, aguardando o sinal fechar para poder atravessar a faixa de pedestres. Ele caminhava na calçada em sua direção. Ela corrigiu a postura, passou com discrição a mão pelos cabelos, umidificou os lábios. Sabia que aquele encontro fortuito poderia ser constrangedor, afinal já havia se passado alguns meses. Pensou, então, no que diria: começaria com um “oi”, um “olá”. Após a surpresa inicial trocariam no rosto beijos cordiais. Seguiriam-se os inevitáveis “como vai?”, “você por aqui”, “há quanto tempo”, “pois é, há quanto tempo”. Depois o silêncio falaria por eles, como no enredo de uma comédia romântica – ou entabulariam um diálogo ansioso antes que o sinal fechasse, tal qual Paulinho da Viola. Mas quem garantiria que ele não estivesse apressado ou não quisesse realmente conversar? Nesse caso bastaria um leve aceno de mãos ou de cabeça ou de sobrancelhas, nada mais. Quando se cruzaram, finalmente, ela respirou fundo, iria esboçar um sorriso, mas não houve tempo. Ele fingiu que não viu e seguiu em frente, sem olhar para trás. Ela atravessou a rua, mas não estava triste nem decepcionada. Gostaria apenas que alguém dissesse a ele que fingir que não viu não é somente indelicado, é inútil.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

DEU SAUDADE

Deu Saudade
(Roberto Mendes/ Herculano Neto)

Eu vou embora eu aqui num fico mais
(Eu vou embora eu aqui num fico mais)
Porque deu saudade, ai ai
(Porque deu saudade, ai ai)

Que dor minha mãe
Que dor minha mãe
Que dor minha mãe, que dor...
(É porque deu saudade)

Eu vou embora, minha mãe eu vou
Eu vou embora, vou rever o meu amor

Eu vou embora
Nem que seja de bonde
Nem que seja de barco
Nem que seja a pé
(Porque deu saudade).

Eu vou minha mãe
Eu vou minha mãe
Eu vou minha mãe (eu vou)

Quer ir mais eu vâmo
Quer ir mais eu vombora
(Porque deu saudade, ai ai)


Outro dos meus trabalhos musicais. Agora é Alcione que interpreta essa canção ao lado do baiano Roberto Mendes, uma composição que mais parece um pout-pourri devido às suas muitas possibilidades de refrão. Lançada em 2008 no disco CIDADE E RIO, pela gravadora Biscoito Fino, e regravada em 2009 pelo cantor pernambucano Gonzaga Leal.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

HOMENS QUE MENSTRUAM


São feitos de sutilezas. Tudo neles está à mão e distante; sublimado e exposto. Para eles não há diferença entre comédia e tragédia, eles sabem que a vida é teatro. Armam cenas, cerram cortinas, esperam, afagam, afastam. Querem solidão suas madrugadas, querem atenção suas impaciências. Gritam, mas apenas pelo prazer do silêncio. Despetalam a flor da pele, as lágrimas dos cadernos, os livros das estantes. Nem sempre estão em ponto de bala, prontos para o combate; muitas vezes são alvos fáceis. São dóceis, indefesos, furiosos, indomesticáveis. Colocam as cartas na mesa, viram a mesa, viram o jogo; perdem por muito, vencem por pouco. Sabem de cor muitas mentiras, mas o que importa são as verdades: as mais duras, as mais inconfessáveis – todas passíveis de arrependimentos. Têm sempre certeza, certeza de tudo, embora achem que ninguém os entendam. Brigam, se desculpam, admitem a culpa, colocam a culpa no outro. Abraçam forte e longamente, acolhem em seus braços todas as possibilidades, todos os afetos. Querem amor e exigem amar, querem amar e exigem amor. Insistem em demonstrar força, porém são inseguros, frágeis. São meninos brincando de ser homens. Não sentem cólicas, sentem muito. Sentem ciúmes, se arriscam, pedem provas, se entregam, contradizem. Exibem suas cicatrizes com orgulho, cultivam algumas feridas como plantas. Choram trancados no banheiro, enxugam o rosto no lado mais frio da cama, buscam no escuro o calor do acaso. Suas noites são intermináveis, dolorosas e reconfortantes. Mas não há ambivalência em suas manhãs.
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