sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A FITA BRANCA

          Um grande filme é grande em qualquer lugar, até no visor do telefone celular, mas alguns são ainda maiores na tela do cinema: é o caso de A FITA BRANCA (Das Weisse Band, 2009) do diretor austríaco Michael Haneke (“Violência Gratuita”, “Caché” e “A Professora de Piano”). Rodado originalmente em cores, embora o diretor de fotografia Christian Berger afirme que a iluminação tenha sido pensada em preto e branco, resultou, realmente, num belíssimo trabalho – com sua neve que de tão branca chega a doer os olhos, como diria o professor que narra a história.
           A fita branca do título é utilizada pelo pastor local para simbolizar a inocência em seus filhos, que na verdade são muito cruéis. O subtítulo original, Uma História de Crianças Alemãs, já destaca a participação do ótimo elenco infanto-juvenil, com traços e presença fortes, fundamental no desenvolvimento da trama que tem início com a queda de um médico, literalmente, do cavalo, que desencadeia uma série de atos violentos num vilarejo alemão pouco antes da I Guerra Mundial.
           Muito se discute se o filme faz alusão à gênese do nazismo, como seu autor, Michael Haneke, não se manifesta a respeito cabe ao espectador suas próprias conclusões - mas quem conhece sua obra sabe que o diretor não costuma oferecer respostas fáceis nem conforto ao público. A câmera estática, a ausência de cor, de estrelas hollywoodianas e de trilha musical, por exemplo, devem ter provocado algum incômodo no crítico de cinema Rubens Ewald Filho (que se está longe de ser um dos melhores do país, certamente é um dos mais conhecidos), que na transmissão do Globo de Ouro disse que o filme é chato e pretensioso, para intelectuais saírem do cinema fingindo que entenderam (talvez por ter gostado bastante de A FITA BRANCA eu não entenda muito sobre cinema ou ele não entenda muito poesia). Indicado ao Oscar® de filme estrangeiro, A FITA BRANCA já conquistou a Palma de Ouro e o prêmio da crítica em Cannes, além de outras premiações.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

POR QUE VOCÊ FAZ POEMA?


por que você faz poema?
Herculano Neto

para dizer sem dizer
e irritar quem não me entende
(quem me detesta
mas esmiúça minha palavra)

para alentar meu público fiel
meu público efêmero

para exibir minha verve
em troca do elogio oco
do pouco-caso

para que os conhecidos
busquem meus enganos nas entrelinhas
e os desconhecidos espelho na minha farsa

para transformar minha frase em verso
meu verso em canção
cartão-postal
epígrafe
tatuagem
epitáfio
sacada genial

“para chatear os imbecis”


POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?*
Para chatear os imbecis / Para não ser aplaudido depois de sequências dó-de-peito / Para viver à beira do abismo / Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público / Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem / Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo/ Porque, de outro jeito, a vida não vale a pena / Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito / Porque vi Simão no Deserto / Para insultar os arrogantes e poderosos, quando ficam como cachorros dentro d’água no escuro do cinema / Para ser lesado em meus direitos autorais.

*(Joaquim Pedro de Andrade. In: Pourquoi filmez-vous? Paris: Libération, maio de 1987)



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

44200 (ZERO ZERO ZERO)

          Nasci em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano (acho que já iniciei um poema ou alguma crônica assim), a cerca de uma hora da capital. Cedo me vi sem alternativas e encarei a BR-324 no lombo da autoviação Camurujipe em busca de alguns caraminguás, desde então passei a aparecer somente nos finais de semana ou feriados, ato repetido por muitos estudantes e trabalhadores que não encontram perspectivas em seu torrão. Mas fatalmente, na segunda-feira antes de embarcar de volta, a cidade tinha aquele gosto e cheiro de ressaca que, mais do que natural, acreditava muitas vezes ser literal. Nunca me importei com isso.
           Com o passar do tempo, e a adaptação à nova realidade, essas visitas foram se tornando cada vez mais esporádicas. Para alívio de uns e angústia de outros. Santo Amaro, como muitas cidades do interior, possui suas idiossincrasias e lógica própria; um microcosmo onde poucos são convidados a interagir (e os que tentam confrontam-se com a maledicência e a presunção).
           Recentemente me deparei com uma cidade silenciosa, com jeito de fim de festa. O gosto e o cheiro da ressaca ainda estavam lá, mesmo sendo quarta-feira. O calor batia no deserto de suas ruas e resvalava furiosamente no meu rosto, em muito lembrando a cidade fantasma de um antigo faroeste, faltando para completar o quadro apenas o monte de feno cruzando a avenida (cenário digno de Raul Seixas em “O DIA EM QUE A TERRA PAROU”). Tentei recordar como era a vida quando eu morava ali, porém não obtive sucesso. Por mais que eu escarafunchasse nas gavetas da memória só encontrei polaroids desbotadas. Melhor assim, não poderia, levianamente, me justificar na nostalgia.
           Não sei se mudei ou se a cidade mudou, só sei que também me senti vazio.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

OUTRO CARNAVAL

outro carnaval
Herculano Neto

sou uma porta-bandeira
sem samba-enredo
sem adereço
sem alegria

sou uma porta-bandeira
sem cadência
sem evolução
sem fantasia

sou uma porta-bandeira
sem artifícios
sem cor ou brilho

sem eira nem beira

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A CASA DA PRAIA

a casa da praia
Herculano Neto

nos encontrávamos
apenas
durante os invernos

(quando era silente
a vida na beira-mar)

hoje os invernos
são restos de sóis
que esmaecem no avarandado


(poema inédito)
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