terça-feira, 28 de dezembro de 2010

UMA ÚLTIMA CRÔNICA FRAGMENTADA

      Adeus, ano novo!
     Estive nas páginas da Bravo!, da Piauí, da Cult, mas quase ninguém viu. Para os meus sempre espirituosos amigos, melhor seria se eu estivesse na Caras, talvez essa “honra” me rendesse um desconto no cabeleireiro ou notoriedade na sala de espera do dentista, poderia ter dito para eles que quem lê Caras não vê coração, mas nos poupei do medíocre trocadilho. Inclusive, sei que essas efemeridades não me darão fama alguma - fama é ser reconhecido por meus vizinhos. Por enquanto, ficaria satisfeito se eu descobrisse por que as pessoas ao invés de me desejarem saúde e paz, me desejam sucesso.
        Recortes amarelados de jornais, fotografias, medalhas e cartas de amor se amontoam, desordenadamente, na sala do ego (aquele sorriso na parede não é meu, aquele “eternamente tua” não era para mim). Preciso afastar a mobília, limpar a poeira do meu blog. Este ano, fiz listas de melhores isso, melhores aquilo (muitas sequer me atrevi a publicar). Acreditei num Brasil mais verde, menstruei, fiz epitáfios, canções, pedi outras doses, questionei, me equivoquei, dei o braço a torcer, abri as janelas da minha solidão com vista pro mar, quis ser Paulo César Pereio (agora quero ser Paul Giamatti ou PJ Harvey). A verdade é que escrevo cada vez menos. Não me falta inspiração, não me falta paciência. O problema deve ser ideias e calma demais.
        Anônimo(a), não adianta  me procurar nas entrelinhas, nas cores que uso para enfeitar o meu dia. Creio que já disse algo parecido num poema. Minha vida não é uma película do Almodóvar, talvez nem a de Lara seja. Minha vida está mais para um filme do Todd Solondz, para um conto do Lima Barreto ou para uma canção da Dolores Duran. Meu passado está em branco, meu futuro me condena. Humberto, não há luz no fim do túnel do tempo.
        Quero entardecer numa praia de Saubara.
        Quero minhas manhãs de domingo com Inezita Barroso.
        Novamente, como numa reprise da Sessão da Tarde, não me impressionei com as luzes tristes do natal, com os ornamentos da cidade, com as guirlandas penduradas nas portas dos apartamentos do meu edifício. Certamente, também não me impressionarei com a contagem regressiva ou com os fogos artificiais que celebrarão o funeral de 2010.
        Tenho um planeta no porão que precisa entrar em órbita.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

DIÁRIOS DE CINEMA II


CINEMA 2010: MELHORES FILMES INTERNACIONAIS*

A FITA BRANCA
(Michael Haneke)

O PROFETA
(Jacques Audiard)

PECADO DA CARNE
(Haim Tabakman)

SUBMARINO
(Thomas Vinterberg)

UM DOCE OLHAR
(Semih Kaplanoglu)

UM HOMEM SÉRIO
(Irmãos Coen)

 
MELHOR ANIMAÇÃO


 
PIOR FILME DO ANO





*FILMES QUE ESTREARAM COMERCIALMENTE
OU FORAM EXIBIDOS EM FESTIVAIS OU LANÇADOS DIRETAMENTE EM HOME VIDEO EM 2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

DIÁRIOS DE CINEMA

No começo de 2010, resolvi relacionar todos os filmes vistos durante o ano; adicionando datas, locais e impressões causadas (sem formalismos e no calor do momento), além de arrematar a anotação com uma nota que ia de 5 a 10. Até agora, entre cinema e home video, foram 276 filmes (bem menos do que eu gostaria).  Daqueles que estrearam nas salas soteropolitanas poucos obtiveram pontuação máxima, são os que fazem parte da relação abaixo:

CINEMA 2010: MELHORES FILMES NACIONAIS*


(Laís Bodanski)
(Esmir Filho)

(Sergio Bianchi)

(José Padilha)
(Marcelo Gomes e Karim Aïnouz)


PIOR FILME DO ANO

(Fábio Barreto)


*FILMES QUE ESTREARAM COMERCIALMENTE EM 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

WOODY ALLEN: 75 ANOS

 “Só há um tipo de amor que dura, o não correspondido”.
_________________________________

75 anos de Woody Allen 
e minha lista dos seus filmes que mais admiro:

ANNIE HALL (1977)
MANHATTAN (1979)
MEMÓRIAS (1980)
ZELIG (1983)
HANNAH E SUAS IRMÃS (1986)
DESCONSTRUINDO HARRY (1997)
MATCH POINT (2005)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SACIZEIRO

Se fosse numa obra do Monteiro Lobato, sacizeiro poderia até ser uma árvore encantada no meio da floresta, mas aqui, na 15ª DP, sacizeiro é o usuário de crack que mantém o vício através de pequenos furtos, é o elemento mais nocivo da sociedade, é aquele que perambula pelas ruas feito um zumbi, totalmente sequelado, amedrontando e abordando a população, pedindo centavos, na maior noia, ou no saci, como eles mesmos dizem. Sacizeiro é uma referência ao Saci-Pererê, devido ao uso do cachimbo para o consumo das pedras, numa alusão infeliz – minha infância não merecia uma homenagem dessas.
           Todos os dias, detínhamos mais de uma dezena, mas terminávamos liberando a maioria, não teria espaço para tanta gente aqui. Depois que os comerciantes do centro da cidade nos contrataram para formar uma milícia, nem nos damos mais ao trabalho: derrubamos o vagabundo onde ele estiver. A mídia não divulga as mortes para não aparecer neguinho dos Direitos Humanos fazendo barulho por causa de pombo sujo. Nosso trabalho é festejado em silêncio.
           Antes de eliminar o indivíduo, costumo quebrar sua perna com um bastão de beisebol, que meu filho trouxe de Orlando. Então, mando o malandro pular com uma perna só, para, finalmente, poder acertá-lo com um tiro na cabeça.


Trecho do livro inédito, QUERO SER PAULO CÉSAR PEREIO, 
publicado na revista Bravo!, edição de novembro, 2010
(ainda, nas bancas).

terça-feira, 23 de novembro de 2010

PEREIO POR PEDREIRA

 
 QUERO SER PAULO CÉSAR PEREIO
(Ribeiro Pedreira)

recortes de vidas
deterioradas
injetados em doses
homeopáticas
na veia dos olhos

querer mais uma dose
ou mesmo ser Pereio
tanto faz
o mundo gira
da orla do desassossego
ao centro nervoso do desespero

                           Para Herculano Neto


Outra grata surpresa matinal, desta vez do poeta e amigo Ribeiro Pedreira, 
do blog ALGUMA POESIA.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

MEU BEATLE PREFERIDO

          Não há muito tempo, era comum ter que responder qual era o seu Beatle preferido (ao menos para mim era). No ano em que se celebram os 70 anos de nascimento de John Lennon, além da lembrança dos trinta anos do seu assassinato, e das apresentações de Paul McCartney no Brasil, a pergunta parece retornar à moda, embora polarizada.
        Como sempre simpatizei com minorias, meu Beatle preferido poderia até ser Ringo Starr, mas somente se ele tivesse composto canções como "Something" e “While my Guitar Gently Weeps, e após o fim da banda lançasse um álbum como ALL THINGS MUST PASS. No entanto, Ringo Starr apesar de ter sido um eficiente e influente baterista, diferentemente do que dizem, e não apenas um cara de sorte, acho mais conveniente deixá-lo para fãs como Marge Simpson.
        Obviamente, minha resposta é George Harrison: sua elegância, discrição e técnica ainda me emocionam. Peço licença para a cineasta Laís Bodanzky para reafirmar que “Something” é uma das melhores coisas do mundo, mesmo na voz e no violão de Mano.

sábado, 13 de novembro de 2010

NA BRAVO!

 Leia alguns contos do livro inédito QUERO SER PAULO CESAR PERÉIO, de Herculano Neto, na revista Bravo! edição 159. Nas bancas.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

DIREITO PRESCRITO


DIREITO PRESCRITO

Nasci com defeito de fábrica, defeito na alma. Minha mãe não notou, meu pai não notou, ninguém notou. Só perceberam quando inventei de me remendar, de me colar, de me parafusar, mas aí já era tarde, não era mais possível a devolução.



 A CIA ZenFazernada e A Voz da Pedra Produções, dos amigos Luciano Fraga e Douglas Vieira, produziram este vídeo com o meu texto DIREITO PRESCRITO. Surpresa muito agradável.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

JUVENTUDE?

Não costumo recriminar a juventude, no entanto é impossível permanecer indiferente a algumas coisas: uma delas é esse modismo incompreensível intitulado “eyeballing”, que nada mais é do que tomar uma dose de vodka pelos olhos com a promessa de proporcionar um estado maior de embriaguez, mas que na verdade provoca uma queimadura química que pode levar à perda total ou parcial da visão. Cada vez mais difundido entre os jovens através das redes sociais, “o colírio de vodka” não deixa de encontrar adeptos no Brasil (algo que pude confirmar num recente final de semana num bar). 
Outra, igualmente incompreensível, são as mensagens racistas postadas no Twitter após a eleição de Dilma Rousseff, onde os nordestinos foram considerados os principais responsáveis pela vitória da candidata petista. A mensagem que deu origem dizia: "'Nordestisto' não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado" (sic). Ingenuamente, achava que xenofobia e neonazismo eram imbecilidades démodés. Sou brasileiro, nordestino, e mesmo se eu não fosse, estaria igualmente indignado. Não se trata apenas de uma questão de defesa regional, é simplesmente respeito ao ser humano. Isso vai muito além da tão defendida liberdade de expressão, que parece desculpa para tudo. O Ministério Público promete investigar o caso, enquanto comunidades racistas se propagam livremente com milhares de membros e manifestações injuriosas. 
       Há quem diga que para o jovem tudo é permitido, mas até os excessos têm fronteiras, que não podem ser ultrapassadas jamais.


A imagem que ilustra a postagem é de JOvelino VENceslau dos Santos, célebre personagem de Chico Anysio, mais conhecido como “Jovem”, representante de uma época em que a rebeldia adolescente inspirava divertidos aforismos.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"SOLIDÃO COM VISTA PRO MAR"

 “E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar...”

                                                                                                          
 "Eu não sei dançar
Tão devagar
Pra te acompanhar..."

(EU NÃO SEI DANÇAR, Alvin L.)
 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PORCAS BORBOLETAS


 
 Menos
(Porcas Borboletas)

Eu sei
eu sei que não era pra eu ser assim
que eu devia tomar as doses nas horas certas
eu sei que eu devia dormir boas noites de sono
e que eu devia fumar menos 
escovar os dentes com pastas pra gengivas sensíveis
e perambular menos na rua quando todo mundo já foi
e não me jogar tanto quando alguém me abre os braços
e beber menos
e amar menos
eu devia parar
e pensar menos
eu sei que eu devia pensar menos
e falar menos
eu sei que eu devia falar menos
pra viver mais
eu sei que eu devia viver menos
mas eu não sei viver menos


De Uberlândia, Minas Gerais, “PORCAS BORBOLETAS” é uma das principais bandas do cenário independente brasileiro. Ao participar dos festivais realizados no país, chamou a atenção da crítica especializada e do público com um show extremamente performático. Compôs a música tema do filme NOME PRÓPRIO (de Murilo Salles) e tem parcerias com Arnaldo Antunes e Arrigo Barnabé. Com dois discos gravados (UM CARINHO COM OS DENTES em 2006 e A PASSEIO em 2009), não esconde suas influências de vanguarda paulistana, MPB setentista e rock Brasil. Com letra da escritora Clara Averbuck, “MENOS” foi uma das canções que mais escutei no último ano – e que me fez lembrar porque eu gostava do rock nacional dos anos 80.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ESSES ESSES


esses esses
(Herculano Neto)

esse gosto de já
na minha boca

esse cheiro de vá
na minha roupa

esse gosto de medo
em outras bocas

esse cheiro de perfume barato

Poema adolescente publicado originalmente num fanzine de poesia, em 1996 (o título citava uma gíria baiana da época). Na antologia OS OUTROS POEMAS DE QUE FALEI (Prêmio Banco Capital de Literatura, 2004) ganhou nova versão. Agora, ao revisitá-lo, torno a brincar com os versos. A atriz dinamarquesa, Anna Karina, musa da Nouvelle Vague, ilustra a postagem.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ZUCKERMAN X BARTLEBY

Sempre preferi o factóide ao fato, a inverossimilhança à realidade, a fantasia ao documentário. Sempre fui o último no telefone sem fio, sempre fui ludibriado pelas aparências. Por isso, costumo me irritar quando ignoram meu mérito de ficcionista, quando confundem o criador com a criatura, o contista com o cronista – e, ultimamente, isso tem sido cada vez mais comum. Nem tudo que eu escrevo é fruto das minhas experiências, das minhas observações do mundo. Além do ocorrido, há o imaginado.
          Já perdi a conta de quantas vezes me perguntaram sobre situações e personagens, como se tivessem acontecido comigo, como se fossem eu. Sinto a decepção no olhar dessa parcela de leitores quando respondo contrariado que nunca fui preso, nunca fiz programa com travestis, nunca fui travesti, nunca sofri uma overdose, nunca trabalhei para o tráfico, nunca fraudei documentos para fugir do país, nunca testemunhei uma chacina, nunca morei nas ruas ou numa tribo indígena, nem sou jornalista, estudante de veterinária ou tive um cãozinho chamado Sabido. Uma explicação pouco convincente, talvez seja porque construo quase todos os meus contos em primeira pessoa, o que gera certa cumplicidade e aproxima mais a ação do leitor. No entanto, isso está distante de ser uma característica de estilo ou artimanha, é apenas resultado da minha inabilidade em desenvolver satisfatoriamente textos em terceira pessoa. Parece desnecessário dizer, mas a minha biografia não está nos meus livros.
          Algumas pessoas se aproximam de mim achando que sou “diferente”, “especial”, que o meu coloquialismo é poesia vinte e cinco horas por dia, que a minha vida é repleta de histórias absurdas e divertidas. Não sou nenhum super-homem, sou um humano que erra, chora, sonha, atrasa as contas, esquece, se arrepende, pede desculpas. Citando Lulu Santos: “não leve o personagem pra cama, pode acabar sendo fatal”. É possível que essas pessoas sofram da Síndrome de Zuckerman, que segundo Rubem Fonseca, em DIÁRIO DE UM FESCENINO, é um mal que acomete os leitores e os faz pensar que autor e personagem sejam uma coisa só. (Nathan Zuckerman é o protagonista de diversos livros do romancista norte-americano Philip Roth. Após publicar um livro, Zuckerman é perseguido pelos leitores, que acreditam que tudo que ele escreveu se refere aos seus amigos ou parentes). Melhor seria que fosse diagnosticada em mim, por uma equipe de questionáveis especialistas, a Síndrome de Bartleby, que é quando os autores deixam de produzir novas obras, e excluísse meu blog, me mudasse para uma ilha ou me isolasse definitivamente no meu apartamento.
          Somente agora, compreendo porque as telenovelas avisam ao final do capítulo que “essa é uma obra de ficção”. Poderia ter usado artifício similar desde o começo, em Santo Amaro. Hoje, seria reconhecido pelo que realmente sou. E seria mais infeliz.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DOMINGO ESMERALDA


No romance O Leopardo, do escritor italiano Giuseppe di Lampedusa, o Príncipe de Salina (imortalizado no cinema por Burt Lancaster no clássico de Luchino Visconti), expressa todo seu desencanto com a política na célebre frase: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.”. Impossível não ser remetido à principal bandeira da atual campanha presidencial: o continuísmo. Ao contrário do Príncipe de Salina, acredito que às vezes é preciso mudar para que as coisas fiquem diferentes.

"De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que eu te vi
o dia em que me viste."
(Paulo Leminski)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

UMA RAZÃO

No site oficial da candidata Marina Silva estão enumeradas 43 razões para ela receber o nosso voto. Certamente, tenho bem mais que quarenta e três motivos. Basta observar seus adversários políticos, no famigerado horário eleitoral, em algum noticiário ou em qualquer debate, para se constatar que não é muito difícil encontrar uma razão o que já é mais do que suficiente.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

SANGUE NO CHUMBO

Em 1960, instalou-se em Santo Amaro da Purificação (BA) uma multinacional francesa de beneficiamento de chumbo, talvez numa tentativa de revitalizar a economia do município que, historicamente, sempre foi baseada no cultivo da cana-de-açúcar. No entanto, o que se viu foi a contaminação ambiental da cidade com a emissão de efluentes lançados indiscriminadamente através da chaminé da fábrica e nas águas do rio Subaé, além de centenas de trabalhadores considerados inválidos devido à exposição ao chumbo. Em 1989, a fábrica foi adquirida por uma empresa brasileira, que mesmo tendo herdado o passivo ambiental e trabalhista, não cumpriu com as suas obrigações. Ao encerrar as atividades em 1993, deixou para trás duzentos e cinquenta trabalhadores desempregados (que ainda aguardam, juntamente com seus familiares, a conclusão de várias ações judiciais) e cerca de quinhentas mil toneladas de resíduo industrial (escória).
           Uma pesquisa realizada em 1980, afirmou que 96% das crianças residentes a menos de 900 metros da fundição tinham concentração de cádmio  e chumbo no sangue acima do valor normal de referência, e os níveis encontrados no cabelo eram proporcionais às concentrações desses metais no solo. Outro dado informava que o nível de contaminação na cidade era vinte nove vezes maior que o tolerado pela Organização Mundial de Saúde.
           Como se já não bastasse, toda escória foi “doada” aos habitantes da cidade, que a usaram na construção, acabamento e nos quintais de suas residências. A prefeitura local, inacreditavelmente, também, usou grandes quantidades dessa escória para pavimentar ruas e lugares públicos de Santo Amaro, podendo ser encontrada facilmente sob os paralelepípedos e ao redor dos canos do abastecimento de água. A população local costuma, ainda, consumir carne e leite do gado que frequentemente entra nas dependências da fundição abandonada, para pastar e beber da água que se acumula nos antigos tanques de contenção na área da empresa, além das mandiocas e bananeiras que encobrem resíduos soterrados nas proximidades das instalações, e que servem de alimentação tanto para os santoamarenses quanto para as cidades vizinhas.
           O chumbo é um metal conhecido e utilizado desde a antiguidade (existem algumas menções no Velho Testamento, como em Êx 15:10). É usado na construção civil, na indústria bélica, na produção de soldas, fusíveis, revestimentos de cabos elétricos, entre outros. Também é incorporado ao cristal na fabricação de copos e outros utensílios domésticos, ressaltando seu brilho e durabilidade, embora possa contaminar os alimentos. Em virtude de sua elevada toxicidade e dos seus compostos, regulamentações ambientais cada vez mais restringem a sua aplicação.
           O chumbo não possui nenhuma função essencial no corpo humano e é extremamente prejudicial quando absorvido pelo organismo através da comida, ar ou água. Pode causar anemia, aumento da pressão sanguínea, alteração no sistema nervoso, abortos, arteriosclerose precoce, síndrome hepática, danos aos rins e ao cérebro. O chumbo é um elemento extremamente tóxico que não se dissipa, biodegrada ou deteriora, o que coloca Santo Amaro como uma das cidades mais poluídas do planeta.
           A Rede Band de Televisão realizou no começo de 2010 uma matéria denunciando o fato, que até o momento não foi ao ar devido a uma medida liminar conseguida pelo governo baiano impedindo sua veiculação. Enquanto isso, a população de Santo Amaro sofre suas consequencias, inclusive seus recém-nascidos, que vêm ao mundo com alto índice de cádmio e chumbo no sangue.
           O vídeo abaixo ilustra a situação e fotografias da contaminação podem ser vistas clicando AQUI.


MAIS INFORMAÇÕES:

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O ESPELHO PARTIDO


          Frequentemente, me identifico com algum personagem cinematográfico, principalmente em filmes de diretores que admiro. Também é comum alguém me dizer que determinado filme é a minha cara – embora ser comparado a Hannibal Lecter (de “O Silêncio dos Inocentes”) ou Tyler Durden (de “Clube da Luta”) não seja exatamente algo lisonjeiro.
          Às vezes, posto no meu perfil a imagem de um desses personagens, dependendo de como eu esteja me sentindo no momento. Recentemente me perguntaram porque eu tinha colocado o assassino psicótico Anton Chigurh (interpretado por Javier Bardem em “Onde os Fracos Não Têm vez”) na foto do meu perfil, respondi apenas que seria melhor nem saber.
          Como de praxe, quis listar os cinco personagens com os quais eu mais me identifico e surpreendentemente não me deparei com nenhum galã ou herói. Inconscientemente, os tipos selecionados eram bem díspares. Concluí, ainda, que seria impossível alguém realmente compreender quem eu sou a partir dessa lista, mas para quem quiser tentar:

1 – Bruno Ricci (Enzo Staiola em “Ladrões de Bicicletas”)
2 – Joe Buck (Jon Voight em “Midnight Cowboy”)
3 – Alvy Singer (Woody Allen em “Annie Hall”)
4 – Travis Bickle (Robert De Niro em “Taxi Driver”)
5 – Carl Fredricksen (o velhinho misantropo de “Up”)

sábado, 11 de setembro de 2010

ALÉM DOS MUROS


          A dupla de grafiteiros, Leonardo Delafuente e Anderson Augusto, que assina suas obras como 6emeia (o momento em que os ponteiros do relógio se unem e apontam para baixo), realiza intervenções originais e bem humoradas em bueiros, postes e tampas de esgoto dos bairros paulistanos desde 2006, escapando do lugar-comum que impregna os muros das grandes cidades, e colhe elogios de importantes publicações europeias. Agora só falta a população conscientizar-se e deixar de atirar lixo nas ruas, principalmente da janela dos carros.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ANTES DO CREPÚSCULO

          Por acaso, Jesse reencontra o poema do milk-shake, que o vagabundo vienense escreveu às margens do Danúbio, dentro de um livro. A página envelhecida não esconde a inevitabilidade do tempo. Ao reler os versos, imagina que talvez não ame Celine como amava, talvez nem ela também o ame. Melhor seria que eles se separassem antes que descobrissem a efemeridade do amor, antes que o silêncio falasse por eles, antes que tudo se tornasse rotina e comodismo. Mas ele apenas limita-se a devolver o poema ao livro, e desce para o jantar.

Ilusões à luz do dia
Cílios de limusine
Oh, seu belo rosto, querida
Derramar uma lágrima na minha taça de vinho
Olhe nos meus grandes olhos
Veja o que você significa para mim
Docinhos e milk-shakes
Sou o anjo das ilusões
Sou o desfile das fantasias
Conheça meus pensamentos
Não mais os adivinhe
Você não sabe de onde eu vim
Não sabemos para onde vamos
Estamos juntos na vida
Como dois galhos num rio
Sendo levados pela correnteza
Eu te carrego
Você me carrega
Podia ser assim
Você não me conhece?
Você já não me conhece?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

ÁLBUM DE FAMÍLIA


          Nas caixas abandonadas no sótão havia alguns álbuns. Eram dezenas de fotografias amareladas (de pessoas com sorrisos amarelos em suas poses programadas). Entre tantas  polaroids desbotando, encontrei uma dela: o jeito esnobe,  o olhar tímido, o enquadramento equivocado. Ela foi o melhor de mim e isso, por incrível que pareça, não é um elogio. p

Esse e outros microcontos em MAIS UMA DOSE

terça-feira, 31 de agosto de 2010

CAVALO DE PAU


           Minha inocência talvez tenha sido o bem mais valioso que perdi, depois que me mudei para a capital. Gradativamente, fui deixando de enxergar em mim aquele menino do interior. E por mais que eu o procure – num canto da sala, em algum canto dos olhos –, sei que jamais o reencontrarei. A inocência é irrecuperável, alguém já me disse.
           Na canção “Cavalo de Pau”, de Alceu Valença, gravada no disco homônimo de 1982, essa perda é representada pelo cavalo de brinquedo que torna-se arisco, indomável, feito o tempo ou o vento. O onirismo da letra ganha mais força com o arranjo seco, sutil, que está mais para o rock do que para os ritmos regionais tão atrelados ao nome do autor, e que perfeitamente encaixa na visceralidade final da interpretação.
           Provavelmente, buscar minha inocência seja mesmo um exercício inútil. Mas continuarei procurando.

CAVALO DE PAU
(Alceu Valença/ Dominguinhos)

De puro éter assoprava o vento
formando ondas pelo milharal
teu pelo claro boneca dourada
meu pelo escuro cavalo-de-pau.

Cavalo doido por onde trafegas
depois que eu vim parar na capital?
Me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.

Cavalo doido em sonho me levas
teu nome é tempo, vento, vendaval
me derrubaste como quem me nega
cavalo doido, cavalo-de-pau.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ADEUS...


          Um dia, encontrei uma linda morena no Tororó. Mas, diferentemente da cantiga de roda, sempre voltei para revê-la. Durante muito tempo, sorrimos, gritamos e choramos juntos (não tem preço a alegria que ela me proporcionou).
          Infelizmente, os últimos tempos foram apenas de sofrimentos. Às vezes penso que sua morte foi até um alívio. Antes mesmo do acidente, ela já andava entristecida, sem o brilho de outrora. Nessa época, minhas visitas se tornaram cada vez menos frequentes. Quando me disseram que ela estava internada e que seu estado era grave, confesso que não tive coragem de reencontrá-la – não suportaria vê-la naquela situação.
          Sei que domingo será o seu funeral, e o domingo era o dia em que mais nos divertíamos, no entanto não irei. Prefiro guardar para o fim a lembrança mais bonita.

domingo, 22 de agosto de 2010

UM MISERÁVEL A VER NAVIOS


um miserável a ver navios*
Herculano Neto

sempre perco
sempre falta
sempre sofro
sempre fico a ver navios

(“sem sentido para o céu
indiferente para o inferno”)**

sempre despedaço
sempre precipito
sempre espero
sempre fico com as mãos abanando

miserável esmolando afeto é o que sou


 *poema integrante do livro CINEMA (Prêmio Braskem Cultura e Arte 2007);
**BERGMAN, Ingmar. O Sétimo Selo. Suécia, 1956.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

CORTEM A CABEÇA DELA!


Poema Convulsivo

(Fabrícia Miranda)

Essa noite é de romances bizarros
Guardo uma navalha no bolso
para o caso de um flagelo

Por trás do meu rosto um medo
e por trás do medo um rosto.

Hoje estou excepcionalmente bela
com olhos de rímel e lágrimas
e cabeleira desgrenhada

E agora, de tão tarde, conto apenas comigo
para falar de mim mesma.

(Poema do livro Ritos de Espelho, 2002)


Fabrícia Miranda (ou simplesmente Fulana Miranda) é uma poeta carioca radicada na Bahia. É do signo de Peixes com ascendente em Touro e lua em Áries. Formada em Letras pela UFBA, é uma das principais representantes da poesia baiana contemporânea e da nova geração de poetas brasileiros. Publicou, pela Fundação Casa de Jorge Amado, o livro de poemas RITOS DE ESPELHO, em 2002.


Outros poemas de Fabrícia Miranda em seu blog:

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TECHNOLOGIE AVEC ÉLÉGANCE


          Quando atendo ao telefone celular, é comum eu escutar um “onde você tá?”, “tá fazendo o quê?” ou simplesmente irem diretamente ao assunto — costumo replicar com um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”, seguido de um acintoso “tudo bem?”. Sou do tempo do telefone fixo.  Não faço como aqueles que conversam interruptamente em seu iPhone, sem a menor discrição ou necessidade, e em alto e bom som, apenas para gastar os bônus oferecidos pela operadora de telefonia, obrigando a quem está por perto a saber como foi a noitada passada ou a cirurgia de catarata da avó.
          Tenho a delicadeza de responder a todas as mensagens eletrônicas que recebo, nem que seja apenas para confirmar que recebi o anexo, embora muitos e-mails que envio pareçam cair no limbo (ao encontrar o destinatário pessoalmente a desculpa mais frequente, e desnecessária, é “não tive tempo para responder” ou um mentiroso “não recebi, envie novamente”).
          Em locais públicos, como salas de espera, supermercados, ônibus, filas... sempre há alguém que saca o tocador de MP3 e dispara sua seleção de axé-music, rap ou o melhor internacional de novelas, para quem quiser ou não quiser compartilhar do seu ecletismo — o que torna qualquer espera ainda mais angustiante.
          Adoro tecnologia, mas não sabia que ela estava atrelada à deselegância.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

MAIS UMA DOSE


MAIS UMA DOSE é um volume de microcontos dos escritores Ediney Santana e Herculano Neto. São trinta textos de cada autor, num tom muitas vezes poético, noutras crítico e bem humorado, que transitam entre o universo fantástico e a realidade urbana mais comum. Com prefácio de Tom Correia e revisão de Gerana Damulakis, MAIS UMA DOSE provoca vários sentimentos, menos a indiferença.
Baixe o livro gratuitamente AQUI.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

ANIVERSÁRIO



Envelheço sem paciência:
têm pressa, meus cabelos brancos.

sábado, 31 de julho de 2010

ESPELHOS DE LUZ E SOMBRA

     Costumo dizer, aos meus amigos fotógrafos (profissionais, semi-profissionais ou de final de semana), que fotografar é fazer poesia sem papel e caneta. A francesa Irina Ionesco, uma das grandes damas da fotografia mundial, diz que a fotografia é “um elemento essencialmente poético”. Mas isso só descobri agora, após visitar sua exposição, ESPELHOS DE LUZ E SOMBRA, com trinta trabalhos assinados, analógicos e em p&b, feitos entre 1968 e 2006, sem nenhuma interferência digital, que está percorrendo o país.
      Irina Ionesco nasceu em 1935, em Paris. Ainda adolescente iniciou sua trajetória de mulher-espetáculo: encantadora de serpentes, alvo vivo de um arremessador de facas, dançarina acrobática e contorcionista. Chegou à fotografia depois que um acidente a impossibilitou de continuar dançando. Realizou sua primeira exposição como fotógrafa em 1970, desenvolvendo uma das obras mais singulares da arte contemporânea, presente em importantes galerias de todo o mundo, além de ilustrar ensaios de moda. Seu universo barroco, onírico, nos transporta para um ambiente teatral, cinematográfico, onde a idealização de uma mulher mítica é quase sempre o centro.
      Quando saí da exposição, e me deparei com o colorido cinza do centro da cidade, com sua gente cheia de pressa e medo, a vontade era que tudo fosse estático, insólito e em preto & branco; ao menos no meu caminho. Foi quando uma senhora, tentando abrir seu guarda-sol, se esbarrou em mim, e nem pediu desculpas.
JOCELYNE, 1974
EVA AUX ROSES, 1975
FEMME VOLANTE, 1988

quinta-feira, 29 de julho de 2010

DIÁLOGOS NA MADRUGADA


Veja dois microcontos inéditos nos blogs do dançarino e artista plástico Edu O., MONÓLOGOS NA MADRUGADA e O CORPO PERTURBADOR, a partir das observações que faço do centro da cidade. São dois pontos de vista da mesma história, tendo como fio condutor os devotees (que são homens e mulheres que sentem atração por deficientes físicos).

segunda-feira, 26 de julho de 2010

MEMBRO FANTASMA


Finalmente, tive alta do hospital. Segundo os médicos, a operação para a mudança de sexo foi um sucesso. Continuo com muitos inchaços e dores, a sensação não é das melhores, no entanto o alívio de ter me livrado daquele incômodo é muito maior. Os psicólogos me disseram que é natural que, ao ter algum membro amputado, tenha-se a impressão de que ele ainda exista. Mas não comigo: eu sempre mijei sentada.


Em breve: este e outros microcontos reunidos em um livro

quinta-feira, 22 de julho de 2010

DA LAPA A ITAPUÃ: LOST, SARAMAGO, VAMPIROS E NOVELA

Hoje pela manhã, um jovem casal discutia a relação dentro do ônibus. Por algum motivo que não sei precisar, um disse para o outro uma expressão popular que eu não escutava há anos: “Pare de me acompanhar que eu não sou novela”. Foi quando, percebi que quem acompanhava a discussão, como se fosse uma genuína telenovela, era eu. Não vejo novelas: considero-as chatas, previsíveis, repetitivas, canhestras. Além do que, dois capítulos equivalem à duração média de um longa-metragem — mesmo eu já tendo me convencido de que morrerei sem assistir a todos os filmes que eu gostaria, não posso me permitir esse luxo. Até já tentei acompanhar algumas séries que aparentavam ser interessantes, mas acabei desistindo antes do meio do caminho. Minha última tentativa foi com LOST: nunca fui um grande entusiasta das desventuras de Dr. Jack, Locke, Kate e Cia (a camisa pólo da Iniciativa DHARMA que ganhei no Natal, e que só usei uma vez para não “fazer desfeita”, não me contradiz), apenas queria saber como terminaria. Talvez por não ter expectativas, seu final não tenha me decepcionado.
O casal parou de brigar, agora quem dava as cartas era um silêncio constrangedor. Ainda assim, resolvi mudar de assento, dá play no meu genérico de iPod e folhear sem muita atenção uma revista semanal da semana passada (sempre leio esse tipo de revista de trás para frente, feito um mangá, apenas para apreciar as notícias culturais antes de qualquer outra página — embora, muitas vezes nem valha a pena). Enquanto soava os acordes iniciais de “Acabou Chorare”, li que a Playboy rescindiu o contrato de sua versão portuguesa, que durou pouco mais de um ano, por estampar em sua última capa a representação de Jesus Cristo com uma mulher seminua na cama. A intenção era homenagear José Saramago e criar polêmica, mas não conseguiu nem uma coisa nem outra. Juntamente com uma entrevista do escritor, foram publicadas outras fotografias, que fazem referência ao Evangelho Segundo Jesus Cristo. No entanto, Cristo é a última pessoa que alguém quer encontrar no pôster central da Playboy. Virando a página, descobri que Hollywood pretende refilmar o sueco DEIXE ELA ENTRAR, um dos melhores filmes de terror que já vi — que traz vampiros adolescentes, mas não se pode comparar com nenhuma tendência juvenil. Refilmagem de clássicos, de sucessos asiáticos e europeus, adaptação de séries televisivas; não é somente crise criativa que assola os grandes estúdios, é falta de talento. Nem preciso dizer que passarei longe desse pastiche, como passarei ainda mais longe do super bebê vampiro que deve chegar por aí. Ainda tive tempo para ler que as novelas brasileiras também fazem suas refilmagens, e lembrei que a mais recente assisti quando eu era criança (pois é, um dia acompanhei novelas).
Levantei-me ao perceber a proximidade do meu ponto. Quase duas horas dentro de um ônibus e nem uma em Itapuã (quem me dera, uma tarde). Antes de sair, vi o casal se beijando apaixonadamente. Pelo jeito, o final foi feliz — por enquanto.

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