quinta-feira, 24 de setembro de 2009

GESTOS

GESTOS*
(Roberto Mendes/ Herculano Neto)



E deixe a valsa, e deixe o samba,
E deixe aquela canção antiga que não me cansa,
Ouvindo-a posso sentir comigo seus vestígios,
Os seus domínios, os seus encantos.

E deixe o barco, e deixe a ilha,
E deixe uma lembrança bonita que não ansia,
Lembrando-a posso preencher com gestos meus vícios,
Os meus princípios, meus acalantos.

Não deixe a mágoa,
Não deixe a ira,
Não deixe a volta,
Não deixe a ida
Que eu deixo a vida seguir seu destino.

E deixe o sonho,
E deixe o instante,
Deixe o encontro,
Deixe o constante,
Que eu deixo a vida moldar o meu destino.
 
 


*Faixa extraída do DVD
“Tempos Quase Modernos”
Gravado ao vivo no Teatro XVIII
Salvador, 2006
 

 

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

CINEMA

CINEMA
Herculano Neto

“Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade”.
P. Leminsky

cresci numa cidade
onde não havia mais cinemas
as cenas aconteciam nas ruas
nas gentes
projetadas a esmo

personagens felinianos
se sucediam
nas seqüências
da minha infância

cresci numa cidade
onde não havia muita coisa

apenas história pra contar

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DIRETAMENTE DA MESA DO BAR

"Besouro", de João Daniel Tikhomiroff

Na próxima semana um grupo formado por críticos, cineastas e distribuidores divulgará oficialmente o nome do filme brasileiro que será candidato a candidato na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. Assim como no último ano, quando Walter Salles se recusou a inscrever o ótimo “Linha de Passe”, a maior ausência agora é de “À Deriva”, de Heitor Dhalia (alguém pensou em Daniel Filho?). O último concorrente do país foi “Central do Brasil”, em 1998. Abaixo a lista dos concorrentes divulgada pelo Ministério da Cultura, segundo seus critérios nacionalistas:

"A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele
"Besouro", de João Daniel Tikhomiroff
"Budapeste", de Walter Carvalho
"Feliz Natal", do ator Selton Mello
"Jean Charles", de Henrique Goldman
"O Contador de Histórias", de Luiz Villaça
"O Menino da Porteira", de Jeremias Moreira
"Salve Geral", de Sérgio Rezende
"Se Nada Mais der Certo", de Eduardo Belmonte
"Síndrome de Pinocchio - Refluxo", de Thiago Moyses.

***
A simples especulação da capital pernambucana ser incluída na turnê de Paul McCartney, em abril de 2010, entrou sem cerimônias no Top Five de POR QUE NÃO MORAR EM SALVADOR, ocupando o 5º lugar, posição que pertencia aos ensaios de verão.

***
Meus herois morreram de overdose; os de Pedro Bial são pseudocelebridades; os dos narradores esportivos são os que alcançarem o alto do pódio no final de semana; os do McDonalds nem precisam usar capa, basta ajudar a vender aquilo que eles chamam de comida; outros tantos estampam camisas. Uma família subsistir com menos de cem reais por mês é pôster no quarto de quem?

***
Não consigo entender quem organiza a própria festa de aniversário, deve ser algum tipo de carência ou medo de ser esquecido, se a festa for temática pior ainda. Consigo tolerar crianças fantasiadas soprando velinhas, mas não adultos (vergonha alheia é algo que não me abandona). Odeio “parabéns pra você” e outras cantigas supostamente engraçadinhas, todo aquele ritual me enoja. E desprezo quem esconde a própria idade atrás de subterfúgios e eufemismos infantis, como dizer que completou 4.7 feito um aparelho eletrônico de última geração. Desconheçam minha data de nascimento e se não for possível ignorem – é o melhor presente que posso receber. E não me convidem para festas de aniversário.

***
O filho de Érico Veríssimo atacou de professor de gramática em sua coluna nos jornais de domingo ao afirmar que o pré-sal deveria se chamar pós-sal, porque a perfuração ocorrerá de cima para baixo, havendo ali um evidente erro de semântica. Só que o mesmo artigo denomina-se, em letras garrafais, PEQUENOS DETALHES. Até onde eu saiba todo detalhe é pequeno, logo o título é bem mais do que um pleonasmo – é mera redundância.

***
Documentários musicais são a bola da vez do cinema brasileiro. Figuras como Caetano Veloso, Wilson Simonal, Titãs, Batatinha, Herbert Vianna, Cartola, Arnaldo Batista (e até Waldick Soriano) já encontraram seu lugar na tela grande. Espero somente não me deparar com nenhum cartaz de “Em Breve” com a imagem do Dj Marlboro ou de alguma cantora de música para dançar fabricada na Bahia.

***
Sem nunca ter escrito um livro o ex-presidente (clichê necessário) Fernando Collor de Melo foi eleito para a Academia Alagoana de Letras. Se tivesse escrito algum, o Prêmio Nobel seria pouco.

***
Ultimamente o substantivo inexpressivo “coisa” tem desnecessariamente me incomodado. Na suposta ausência de palavras ou por simples preguiça emprega-se “coisa” em quase tudo: “foi a melhor coisa que li este ano”; “que coisa linda”; “a única coisa que prestou naquele show”... Não respondo quando desconhecidos me abordam na rua chamando-me de “coisinho” e não gostaria jamais de escutar de quem amo algo como “você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”. Êta papo qualquer coisa.
          Traz a conta.

sábado, 5 de setembro de 2009

BEIRUT EM SALVADOR II


Na noite de 04 de setembro, no Teatro Castro Alves, aconteceu o tão esperado show do grupo americano Beirut em Salvador, no 16º Panorama Percussivo Mundial – o Percpan. Ainda na entrada, observando aquela juventude de comercial de creme dental, me senti um pouco fora do ninho. Não sou nenhum entusiasta do sistema de cotas, mas era possível contar os negros presentes com os dedos da mão direita, cheguei a desconfiar que tinha atravessado um portal e que não estava mais na Bahia. Dentro do teatro, a cada atração que se apresentava capitaneada competentemente pelo músico Marcos Suzano, aumentava a ansiedade. Enquanto isso, parte do público parecia mais interessada em brincar com seus celulares e câmeras fotográficas, ignorando as advertências iniciais com seus braços estendidos deselegantemente, como se fosse bem mais interessante assistir ao show depois na tela do computador do que no calor do momento. Enfim, após longas três horas de expectativas, o Beirut entrou em cena demonstrando uma qualidade sonora rara no cenário da música atual. O que ninguém imaginaria era que seu vocalista e trompetista, Zack Condon, empunhando um cavaquinho e num português trôpego e visivelmente embriagado, quebraria todos os protocolos ao pedir que a platéia abandonasse seus assentos após a segunda canção e se aproximasse da banda, transformando o solene Teatro Castro Alves numa festiva Concha Acústica, prato cheio para a molecada presente, que inacreditavelmente não era pouca, deixando seus pais esperando pacientemente sentados, e que culminou numa invasão consentida ao palco e no furto de um microfone e um instrumento musical. A histeria juvenil era tamanha que por um instante pensei estar num show da Hannah Montana. Marmanjos choravam copiosamente durante a execução de “Elephant Gun”, espero que relembrando Capitus perdidas pelo caminho, e meninas se descabelavam como numa nova beatlemania, até o arcaico gestual de simular guitarras deu lugar a cômicos trompetes imaginários e solfejos. Se me senti um estranho no ninho na entrada pior me senti na saída, afinal já faz algum tempo que não tenho mais 15 anos. Tentando evitar uma confusão maior a produção convidou Zack Condon a encerrar sua apresentação durante o bis e ele, no seu português ébrio e sem nunca encarar o público proferiu melancolicamente a sentença:
- Eu não posso cantar mais, boa noite.
E ainda tive que suportar o descontentamento do taxista, que detesta fazer corridas curtas.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O SILÊNCIO


          – Prefiro o primeiro disco - foi a frase feita que ele disse, com aquele ar superior característico. Como se o disco de estréia dos Beatles, Raul Seixas, Titãs ou Los Hermanos tivesse sido sensacional. Experimentei perguntar sobre uma banda desconhecida de pós-punk-psicodélico do sul da Finlândia e ouvi uma resposta meio blasé:
          – Já vi o clipe.
          A MTV, assim como o Google, terminará nos fodendo – pensei.
          – Qual som você curte? – ele perguntou numa inversão abrupta de papéis. Respondi que não gosto de muitas coisas. Não gosto de vídeo-clipe, principalmente vídeo-clipe com atores de novelas, por melhor que seja a canção aquelas imagens me ensurdecem. Não gosto de versões; releituras; show tributo; acústico; ao vivo; coletâneas; playback em programa de auditório; nova formação; parada de sucessos; flashback; o fenômeno do momento... Gosto apenas do silêncio. E silenciamos.
          Mas já era tarde.
Related Posts with Thumbnails