segunda-feira, 29 de junho de 2009

SAUDADES DO POWER TRIO NORDESTINO

Os festejos juninos sempre me agradaram, bem mais do que qualquer outra festa de calendário. Pode ser pelo clima, o cheiro, a cor ou qualquer outra característica difícil de explicar, mas comum para quem frequenta o interior do nordeste nessa época. Menos complicado tentar explicar o som: não sou conservador nem vou resgatar algum episódio de jenipapos absolutos da infância, apenas acreditava que o autêntico forró resistia às tendências, compartilhando seu espaço cativo com artistas antes onipresentes (e reverentes) como Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e afins, no entanto tudo que vi nas últimas festas foram grupos lascivos de tecnoforró moldados na mesma forma e um indigesto neo sertanejo de garagem. Ainda assim esperava que cedo ou tarde surgissem soberanos a zabumba, o triângulo e a sanfona: o genuíno power trio. Mas juntamente com as cinzas da fogueira só apareceu a saudade. O remédio foi cantar.
(ILUSTRAÇÃO JOÃO WERNER)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A DANÇA DOS ZUMBIS

A primeira imagem que tenho de Michael Jackson é a mesma que trago hoje: do cara descontraído saindo com sua garota da sessão de cinema de Thriller. Em suas mãos o vídeoclipe era uma ferramenta perfeita, era a forma dele se comunicar conosco, mortais. Quando se fala em Michael Jackson, mais do que dizer “prefiro o primeiro disco”, diz-se apenas que gostava dele na época de tal clipe. Eles não só contam a história do artista, nos remetem para períodos que parecem cada vez mais distantes, perdidos na memória. No centro da cidade sempre vejo cópias piratas dos seus vídeos dividindo espaço com versões de filmes ainda em cartaz e crianças imitando os passos de suas coreografias como costumávamos fazer. Nos últimos anos os vídeos cederam o lugar às fotografias sensacionalistas de tablóides, lamentavelmente. Espero que a próxima vez que eu passar pela frente de um cemitério à meia-noite ao invés de zumbis tentarem me atacar eles comecem a dançar.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

TERRY REID: O CARA MAIS AZARADO DO MUNDO?

Prodígio inglês, guitarrista e vocalista de timbre vocal largamente imitado, foi convidado por Jimmy Page aos 18 anos para integrar o ainda embrionário Led Zeppelin (New Yardbirds), Terry recusou o convite e indicou o seguidor e admirador Robert Plant (que por sua vez levou junto o baterista John Bonham). Anos depois recebeu novo convite: assumir os vocais do Deep Purple – novamente recusou e a vaga foi para o desconhecido Ian Gillan. O resto é história. Detentor de obra autoral admirável gravou dois discos excepcionais no final dos anos sessenta, com arranjos cheios de psicodelia, folk e blues (elementos precursores da sonoridade de várias bandas, inclusive o Led Zeppelin). Nessa época participou da turnê americana do Cream e do Festival da Ilha de Wight. Apesar do reconhecimento de seu talento por Eric Clapton, Van Morrison e Jimmy Hendrix, seus discos nunca alcançaram o grande público, que somente nos últimos anos redescobriu seu trabalho - mesmo continuando na estrada. Sempre li (e ouvi) o nome de Terry Reid seguido de sentenças como “o cara mais azarado do mundo”, se for verdade eu não sei o que sou.

sábado, 6 de junho de 2009

O FANTASMA DE ARACY DE ALMEIDA


Não sou crítico musical, sou um reles cronista de pequenos posts, o que me permite abordar o show de Caetano Veloso na Concha Acústica em Salvador ontem por qualquer ótica. Poderia dizer que gato e cachorro na cidade pagam meia entrada, o que sempre me deixa a impressão de que estou sendo lesado ou que a centenária matriarca Claudionor Velloso parecia enfadada em seu canto do palco, tirando a mão do queixo somente ao identificar os versos de “Não Identificado”. No entanto, prefiro escrever sobre fantasmas. Diferentemente do que apresentou no começo do ano em Santo Amaro - onde sempre subestima o público presente com um repertório sem novidades pra você e eu e todo mundo cantar junto – ele evitou o aplauso fácil ao cantar onze canções do disco “Zii e Zie” (escutadas silenciosamente pela maior parte da platéia que claramente desconhecia o trabalho, como ficou evidente nos risos involuntários provocados pela letra de “Incompatibilidade de Gênios”). Acompanhado pela ótima Banda Cê, bem mais encorpada do que na última turnê, seus indie-sambas e sua postura eram extremamente rock, principalmente em canções como “Maria Bethânia” e “Eu sou Neguinha” (a melhor do show). Surpreendente para mim apenas a inclusão da cover “Água” de Kassin + 2 e o bis com a tecno-marchinha “Manjar de Reis”. A abertura foi com “A Voz do Morto”, feita especialmente para Aracy de Almeida em 1968 - que não suportava mais ter que carregar o fantasma de Noel Rosa e que injusta e ironicamente é lembrada hoje como a rabugenta jurada do Programa Sílvio Santos. À canção foi incorporado o pegajoso refrão “tem que ser viola” do grupo de pagode baiano Fantasmão, e embora não faça eco às suas teorias exageradas sobre a música carnavalesca feita na Bahia, admito sem a menor culpa que ficou perfeito. Um híbrido inusitado e bem mais interessante que o barzinho e violão de “Mimar Você” da Timbalada, que ele fez em “Noites do Norte” em 2001. No final do show me deparei com os rockers baianos Glauber Guimarães, Fábio Cascadura e Ronei Jorge esperando despretensiosamente por uma oportunidade de falar com o ídolo, talvez que a verdadeira Bahia é o Rio Vermelho. Ao ver Ronei recordei que naquela mesma Concha Acústica em 1999, comandando ainda a extinta banda Saci Tric, ele exibia uma camiseta com a frase Aracy de Almeida is a punk rocker. E ainda teve aquele frevo axé.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

GARAPA (2009)


O diretor de “Tropa de Elite”, José Padilha, filmou durante um mês o cotidiano de três famílias de regiões distintas do Ceará que convivem com a fome regularmente. E é sob o ponto de vista delas que caminha o documentário “Garapa” (que é o nome da água com açúcar com que as mães tentam enganar a fome dos filhos). Não há nada em “Garapa” que eu já não conheça e tenha visto de perto. Não sou do sertão. Sou de um bairro pobre do Recôncavo Baiano, porém durante a infância a miséria sempre espreitou a minha casa com seus olhos ameaçadores e invadiu sem cerimônias as casas dos meus amigos e vizinhos; ainda assim, ao assistir ao filme, foi impossível manter a indiferença. A sensação de culpa e o desconforto são quase inevitáveis. Não é a piedade que permeia a experiência e não existe a lágrima fácil – a lágrima, quando veio, foi oriunda do ódio, da impotência e da conivência. Como ótimo documentarista, premiado em “Ônibus 174”, José Padilha preserva a distância, que foi quebrada apenas ao dar analgésico a uma criança que sofria com dores de dente. O filme não faz uso de música ou qualquer outro tipo de manipulação de sentimentos, o silêncio é perturbador e incomoda (a trilha sonora é a sinfonia das moscas). A renda familiar resume-se aos cinquenta reais do Bolsa Família, com exceção de uma jovem mãe de onze filhos que não possui nenhum tipo de documentação. Aliás, o filme é sobre mulheres. Os homens, na condição patriarcal de provedores do lar, são ociosos – o que se acha o mais esperto, por ter nascido na capital Fortaleza, é um alcoólatra odiado pela comunidade que encontra refúgio na ingenuidade da esposa, que é insultada constantemente e fecha os olhos para os desvios que ele faz do pouco que têm. Ao final da sessão você não sai com os olhos marejados, sai com a garganta seca.
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